O que são os sócios ocultos das milícias, uma nova categoria de criminosos
Resumo da notícia
- Polícia mira suspeitos de financiar organização criminosa
- Investigação revela envolvimento de empresários com o crime
- Suspeitos atuam nos ramos de TV a cabo, internet, gás e imóveis
A Polícia Civil irá entregar um inquérito nos próximos dias ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) para denunciar um avanço na atuação da milícia.
O UOL teve acesso a detalhes de uma investigação da Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas) que revela a existência de novos personagens ligados à atuação dos grupos paramilitares: os sócios ocultos, uma nova categoria de criminosos.
Segundo a delegacia especializada, os suspeitos de associação com a milícia atuam como empresários em regiões carentes do Rio. Só que, ao contrário daqueles que acabam sendo explorados e extorquidos pelos criminosos, eles lucram após a chegada da milícia na área onde atuam.
Os suspeitos identificados pela Draco serão indiciados por financiamento de organização criminosa, com pena prevista de até oito anos de prisão.
De acordo com as investigações, eles são beneficiados pela formação de um monopólio na prestação de serviços ou de um direcionamento de preços imposto pelos milicianos. Com isso, o sócio oculto pode oferecer os seus serviços por um valor menor, obtendo uma vantagem desleal na competição com a concorrência.
Eles atuam nos ramos já explorados pela milícia, como fornecimento de TV a cabo, internet, gás e até venda de imóveis em áreas dominadas pelo poder paralelo. E, segundo a polícia, alegam ser vítimas de extorsão, para despistar as investigações.
"O desafio é identificar quando o empresário deixa de ser vítima de extorsão e passa a se associar à milícia. A diferença é que a vítima sofre extorsão. O sócio oculto repassa a divisão de lucros obtidos com o auxílio dos milicianos", compara o delegado Gabriel Ferrando, da Draco, responsável pela investigação.
Os primeiros indícios
Os primeiros indícios desse tipo de mutação da milícia foram revelados em julho deste ano, quando a Draco falou pela primeira vez sobre a existência dos sócios ocultos.
Na época, a polícia investigava a participação de milicianos em construções irregulares de dois prédios na comunidade da Muzema, na zona oeste do Rio, três meses após o desabamento que deixou 24 pessoas mortas embaixo dos escombros.
Mas a investigação da Draco responsável pela identificação dos sócios ocultos em áreas dominadas pela milícia é bem mais ampla. "Os concorrentes deixam de atuar em uma região pelo medo. Quando há indicativo de monopólio ou direcionamento de preços, há indício de que há algo errado", afirma o delegado.
Aliança com o tráfico e guerra com o CV
A existência de sócios ocultos, capazes de potencializar os lucros da milícia, não é a única atividade que comprovam a expansão de poder dos paramilitares.
Ontem, o UOL publicou uma reportagem sobre o modo como a milícia vem trabalhando, há um ano, sua expansão.
De acordo com informações do MP-RJ e da Polícia Civil, o principal grupo paramilitar em atuação no Rio de Janeiro, a antiga Liga da Justiça, criou uma aliança com traficantes do TCP (Terceiro Comando Puro) para expandir território invadindo áreas ocupadas pelo CV (Comando Vermelho).
"A milícia é muito mais do que um problema de segurança pública. Ela coloca em risco o próprio conceito democrático. Existe um projeto de poder político. As milícias estão com muito dinheiro. E, cada vez mais, vão eleger políticos", projeta o promotor Luiz Antônio Ayres, que atua em processo contra a milícia desde o surgimento dos grupos paramilitares, há quase 15 anos.
Especialistas veem avanço das milícias
O sociólogo Ignácio Cano, autor de estudos sobre o avanço das milícias no Rio, acredita que o momento político contribui para o fortalecimento da ação da milícia. "Tudo aponta para uma falta de controle e de fiscalização. Isso abre espaço maior para o funcionamento das milícias com o apoio de policiais corruptos", argumenta.
Um dos primeiros a investigar milícias no Rio, o delegado aposentado Claudio Ferraz, que hoje faz parte de um grupo de estudos sobre segurança pública, concorda. "A milícia está sempre em evolução, buscando novas formas de lucro. Projetos de lei, como liberação de armas e ampliação da guerra contra o tráfico, criam, no imaginário do miliciano, uma ideia de apoio às ações deles", argumenta Ferraz, que ficou à frente da Draco entre 2007 e 2011.
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