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Juiz condena militares por esquema com desvio de alimentos e prostitutas

Sede do Comando Militar da Amazônia durante as comemorações aos 371 anos do Exército Brasileiro - Exército Brasileiro/ Comando Militar da Amazônia
Sede do Comando Militar da Amazônia durante as comemorações aos 371 anos do Exército Brasileiro Imagem: Exército Brasileiro/ Comando Militar da Amazônia

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

21/07/2020 19h23Atualizada em 22/07/2020 10h01

Um conluio entre oficiais e praças do Exército e empresários do ramo da alimentação, investigado pela Polícia Federal, começou a ser destrinchado pela Justiça após quase 15 anos.

O esquema, segundo as denúncias do Ministério Público Militar, tinha como base pagamentos de propina dos empresários a militares a fim de receber vantagens nos processos de licitação do Exército para compra de alimentos, além de fraudes nos editais e superfaturamentos de compras.

O caso se arrasta desde 2006; no último dia 17, o juiz federal substituto Alexandre Augusto Quintas, da JMU (Justiça Militar da União), condenou civis e militares, incluindo coronéis, a penas que chegam a 16 anos de prisão. Segundo a investigação, empresários atuavam em um arranjo que envolvia o CMA (Comando Militar da Amazônia), a Diretoria de Suprimentos do Exército e em batalhões como o 12º Batalhão de Suprimentos, sediado em Manaus.

Militares foram condenados por crimes de peculato (desvio de dinheiro, mediante uso do cargo público) — que pode chegar a até 15 anos de pena de prisão, no caso de sua tipificação no Código Penal Militar — e corrupção passiva. Na decisão, o juiz afirma que o contato entre os investigados era "tão estreito" que um empresário chegou a bancar uma festa em um motel com prostitutas para oficiais e praças.

As ligações [interceptadas] demonstram que o contato de B. e C. [capitães do Exército] era tão estreito com J.L. [empresário] que este último contratou prostitutas e promoveu uma festa em um motel de Manaus para os referidos Oficiais
Alexandre Augusto Quintas, juiz federal substituto

Segundo as denúncias, capitães e um major que atuavam no 12º Batalhão de Suprimentos também superfaturaram a compra de duas embarcações regionais que estavam impróprias para uso. Só nesta aquisição, diz o juiz, foi causado um dano de R$ 220 mil aos cofres públicos, em valores nominais da época.

Inicialmente, 29 militares e 10 civis foram citados como participantes dos esquemas. Já na decisão da última semana, 19 militares e 7 civis foram condenados. O juiz cita que houve a criação de um "núcleo criminoso" dentro do Comando Militar da Amazônia, comandado por um tenente que teria o auxílio de um ex-sargento. Cabe recurso da decisão.

Os militares foram flagrados em grampos, o que ajudou a Justiça e os investigadores a obterem detalhes das negociações. Um deles mostra que os militares pressionaram uma veterinária, tenente do Exército, a receber uma carreta de frango com vísceras, considerado impróprio para consumo humano.

Um capitão diz a um empresário, segundo a interceptação telefônica: "A primeira carreta (...) ela encontrou vísceras dentro do peito [de frango], mas como eu já tinha descarregado todo o peito, vai ficar, entendeu? Só que na segunda carreta, ela [veterinária] falou que se tiver com isso lá não vai receber não". O empresário responde: "Conversa com ela aí chefe, porque a gente já tá aí pô, mas eu acho que não vai ter nada não".

Em outro trecho grampeado, os empresários e os militares conversam sobre a mudança na forma de um pregão (modalidade de licitação), que passaria de eletrônico para presencial.

Os investigadores apontam que a forma presencial é mais vantajosa para a Organização Criminosa, e que a mudança "possivelmente" foi feita para ajudar os empresários e, consequentemente, facilitar a operação dos militares envolvidos no esquema.

O caso

A investigação teve início em 2006, desencadeada a partir da Operação Saúva, deflagrada pela Polícia Federal em agosto daquele ano. Ao todo, 30 pessoas foram presas sob acusação de fraudar licitações para compra de alimentos para as Forças Armadas, merenda escolar e programas sociais do governo federal no Amazonas.

Um dos empresários do ramo alimentício que atuava no esquema era considerado a "saúva-rainha" pela PF, daí o nome da operação.

O Ministério Público Militar chegou a oferecer três denúncias sobre o caso, que acabou demorando por conta das mudanças de competências ao longo dos anos, além de pedidos de suspensão da investigação por parte dos acusados e impetrações de habeas corpus. Duas delas tinham relação com licitações envolvendo alimentos, e outra referente à compra de embarcações superfaturadas e impróprias para uso.

Com as prisões da Operação Saúva, "constatou-se a existência de conexões desse esquema com setores de direção da Força Terrestre em Brasília e criou indícios de que esquemas parecidos foram construídos e utilizados em outros órgãos provedores (Depósitos e Batalhões de Suprimento do Exército) existentes em outras localidades", diz a denúncia.