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Suspeito de roubo, jovem negro é preso no RJ com base em foto antiga

Danilo Félix Vicente de Oliveira foi preso após vítima reconhecê-lo em foto antiga, de 2017, por crime cometido em 2020 - Arquivo Pessoal/Danilo Oliveira
Danilo Félix Vicente de Oliveira foi preso após vítima reconhecê-lo em foto antiga, de 2017, por crime cometido em 2020 Imagem: Arquivo Pessoal/Danilo Oliveira

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

21/08/2020 04h00Atualizada em 21/08/2020 11h39

Um jovem negro foi preso após ser reconhecido como suspeito de cometer um roubo a mão armada no centro de Niterói, cidade da região metropolitana do Rio. A defesa, entretanto, alega que a polícia mostrou uma foto antiga do rapaz para a vítima, que fez o reconhecimento. Na imagem, ele estaria com uma aparência diferente da atual.

A vítima procurou a delegacia para informar o roubo da motocicleta, do celular e de uma mochila no dia 2 de julho. Na ocasião, ela disse ter sido abordada de forma violenta e ameaçada com arma de fogo por um jovem pardo de cabelo curto. O identificado como autor, no entanto, foi Danillo Félix Vicente de Oliveira, de 24 anos, que é preto e possui tranças. Sua defesa diz que a prisão ocorreu por engano.

Reconhecimento por foto na delegacia

Inicialmente, a vítima reconheceu outro indivíduo. No dia seguinte, a polícia a chamou novamente para mostrar fotos de outro suspeito. Eram imagens de Oliveira, que passou a ser apontado como responsável pelo roubo.

Mas a advogada Cristiane Lemos, que acompanha o caso desde a prisão, afirma que as fotos foram extraídas do perfil do Facebook do suspeito e datam de 2017. Ela aponta diferenças entre as características físicas apontadas pela vítima no depoimento e as do jovem preso — como a cor da pele e o tipo de cabelo.

Expediram um mandado de prisão preventiva em virtude de um reconhecimento fotográfico e só. Hoje, o Danillo tem outras características físicas, inclusive um dread que é a marca mais forte entre as características dele. Outro ponto é que a vítima menciona um jovem pardo e o Danillo é negro
Cristiane Lemos, advogada

O mandado de prisão foi expedido dois dias depois da prisão. A advogada diz que, no inquérito, a polícia ignorou as imagens das câmeras de segurança instaladas na região onde ocorreu o roubo.

Danilo - Arquivo Pessoal/Danilo de Oliveira - Arquivo Pessoal/Danilo de Oliveira
Danilo Félix Vicente de Oliveira em imagem de 2017; ele foi preso em 2020 após vítima ver foto antiga e reconhecê-lo como autor de crime em 2020
Imagem: Arquivo Pessoal/Danilo de Oliveira

"A delegacia nem se deu o trabalho de recuperar essas imagens. O MP também não viu isso nem o juiz. No dia que ele foi preso, Danillo nem sabia o que estava acontecendo. Expliquei a ele, ele começou a chorar. Ele está abalado psicologicamente e fisicamente. Sabemos como é o sistema carcerário. Danillo já teve febre, garganta inflamada, tem muita dor de cabeça. Precisamos corrigir isto", disse a advogada.

Na decisão do Tribunal de Justiça de Rio que expediu o mandado de prisão preventiva, a juíza Juliana Bessa mencionou que o inquérito continha indícios suficientes em desfavor do acusado:

A existência material da infração está demonstrada pelo acervo informativo já recrutado, que também abriga indícios suficientes da autoria em desfavor do acusado, já reconhecido pela vítima, que sofreu grave ameaça pelo emprego de arma de fogo, impossibilitando sua defesa. Tais aspectos indiciam a periculosidade do acusado que, solto, acarreta evidente ameaça à ordem pública. Além disso, essa medida também se faz necessária para que se assegure a adequada instrução criminal e a futura aplicação da lei penal, eis que, solto, decerto causará temor à vítima, que já o reconheceu

Para a esposa de Oliveira, a empresária Ana Beatriz Sobral, de 21 anos, a prisão foi motivada por discriminação. "Prenderam só com a palavra da vítima. É um caso de racismo", disse. Ela reclama ainda que a polícia dificulta a liberação de um documento que permite que a defesa tenha acesso às imagens gravadas no dia do roubo.

"A vítima mencionou ter câmeras de segurança em um prédio próximo de onde aconteceu o assalto. Só que a gente precisa de um ofício para ter acesso às imagens e eles não liberam", afirmou. "Isso é muito importante para a defesa dele."

Até o início de março , Oliveira trabalhava com carteira assinada em uma empresa que prestava serviço para uma universidade pública. Após sofrer um acidente, o jovem entrou de licença pelo INSS. Quando a universidade fechou devido à pandemia do coronavírus, ele foi demitido.

Casal trabalhava junto

A partir daí, ele passou a trabalhar em uma loja virtual de roupas montada com a esposa. Depois da prisão do marido, Sobral viu a renda da família despencar.

"Ele fazia as entregas. Agora, estou sozinha tendo que ficar com a criança, responder os compradores e fazer as entregas. Além disso, a atenção está voltada para o caso dele, o que também prejudica muito. Acabo atrasando as respostas, as entregas. Está bem difícil."

O casal mora com o filho de um ano no Morro da Chácara, mas a prisão ocorreu no centro de Niterói. Os policiais estavam em uma viatura descaracterizada. Da delegacia, ele foi levado para o presídio Tiago Teles, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio.

Sobral organizou uma petição na internet a favor do companheiro. "Danillo não pode ser mais uma vítima deste Estado racista", diz o título do documento virtual que contava com 4.838 assinaturas até o início da tarde de ontem.

Outro lado

Procurada pela reportagem para responder aspectos levantados pela defesa de Oliveira, a Polícia Civil do Rio informou, em nota, que "de acordo com a 76ª DP, o inquérito foi concluído com base nos elementos produzidos nos autos e submetidos à apreciação do Ministério Público na forma da lei".

O Ministério Público Rio informou que "se manifestou pela manutenção da prisão preventiva de Danillo Félix de Oliveira porque ele foi reconhecido pela vítima no dia posterior ao crime, através de fotografias existentes na delegacia e no Facebook".

De acordo com a nota, o acusado foi reconhecido por outras três vítimas em outros dois Registros de Ocorrência, ainda sem denúncia, também por roubos praticados com características semelhantes.

A promotoria reafirma que os argumentos defensivos não se sustentam quando diversas vítimas, que não se conhecem, reconhecem não somente Danillo, como também a outra pessoa
MP-RJ, em nota

A defesa do jovem, por sua vez, afirma que "todas as acusações pairam nesta fotografia do Danillo de 2017, ressaltando os aspectos físicos dele que atualmente não condizem com a fotografia exposta em sede policial".

Já o Tribunal de Justiça do Rio informou apenas que a pesquisa feita a partir do nome do acusado indicou a existência de duas denúncias do MP contra ele pelo mesmo crime de roubo. Em ambas, houve a decretação de prisão preventiva.