Jovem negro é agredido no Rio após comprar relógio de R$ 300 para o pai
Imagens gravadas por clientes do shopping Ilha Plaza, na Ilha do Governador, zona norte do Rio, mostram o entregador Matheus Fernandes, 18, sendo agredido e ameaçado por dois homens não identificados após o rapaz comprar um relógio, no valor de R$ 300, de presente para o pai dele numa loja do estabelecimento. Para a família do jovem, trata-se de um caso de racismo.
No vídeo, gravado na noite de quinta-feira (6), é possível ver Matheus no chão de uma escadaria do shopping, imobilizado e encurralado por um homem de máscara e camisa vermelha e outro vestindo camisa preta. Segundo o jovem, ambos o acusaram de ter roubado o relógio assim que ele deixou a loja e até apontaram uma arma para seu rosto.
O presente para comemorar o Dia dos Pais foi comprado numa unidade da Renner. Segundo Jaime, Matheus disse ter percebido, ainda dentro do local, que estava sendo seguido por dois homens. A Renner diz que os agressores não são colaboradores da empresa. Questionado sobre o eventual vínculo dos agressores com o shopping, o Ilha Plaza ainda não respondeu.
"Ele [Matheus] chegou a filmar esses dois homens que estavam seguindo ele, até que os dois o abordaram e falaram: 'Vem aqui, vamos conversar'. Nisso abriram a porta da escada de emergência, jogaram ele lá e começaram a dizer que ele roubou o relógio. Pegaram a carteira dele", disse Jaime, tio do jovem.
Segundo Fernandes, os seguranças do shopping não intervieram para evitar a agressão. Para Jaime, os homens são seguranças à paisana. "Os seguranças do shopping, uniformizados, nada fizeram. Eles viram os caras armados e não chamaram a polícia. Parece pelas imagens que eles estão todos juntos. É um crime de racismo. Ele [Matheus] é mulato e vítima de dois homens brancos agredindo ele, após comprar um relógio de R$ 300. A nota fiscal estava no bolso dele".
Ao UOL, Fernandes diz que passou a noite às claras.
Não consegui dormir, pois fiquei com aquilo na cabeça, né? Imagina só você ser suspeito e ter uma arma na cabeça?
Procurado pela reportagem, o Ilha Plaza Shopping afirmou que lamenta profundamente o ocorrido na noite de ontem, que repudia qualquer tipo de violência e que está apurando os fatos para tomar as medidas necessárias. "O Ilha Plaza Shopping é um estabelecimento familiar reconhecido por ser um ambiente pacífico, democrático e seguro. Nenhum tipo de violência é tolerado dentro das nossas dependências".
Nas imagens publicadas na internet é possível ouvir pessoas gritando para que a dupla largasse o jovem. "Tira ele daí. Vocês são covardes", dizem os clientes, cobrando uma atitude do segurança do shopping, que apenas assiste à cena.
No Facebook, a mãe do jovem compartilhou as imagens e questionou: "Se fosse um jovem branco, olhos claros e com um objeto de valor, seria tratado assim?".
Pensei que nunca aconteceria com alguém da minha família, mas hoje foi meu filho, todo feliz pois comprou um relógio para presentear o pai e de repente mesmo com nota fiscal e tudo certinho é confundido com ladrão, só que no Rio de Janeiro nada é correto, nem mesmo uma abordagem. Renderam meu filho, levaram pra um canto, puseram uma arma em sua cabeça, mesmo ele sendo inocente
Alice Fernandes, mãe de Matheus Fernandes
Queixa na polícia
O tio do rapaz relatou ao UOL que, ao tentar fazer o boletim de ocorrência na delegacia, acompanhado da irmã, mãe de Matheus, foi informado de que o registro deveria ser realizado pela internet em razão da pandemia do novo coronavírus.
"Falaram que o caso não era grave e que o registro poderia ser feito na internet", disse Jaime.
Só depois de o episódio repercutir nas redes sociais que a família diz ter sido chamada para fazer o boletim de ocorrência na delegacia da Ilha do Governador.
Em nota a Polícia Civil disse que foi aberta investigação para apurar o caso e que a vítima será ouvida ainda nesta sexta-feira. "Equipes da unidade estão em busca de testemunhas. As imagens do circuito interno do shopping estão sendo solicitadas para que possam ser analisadas. Outras diligências estão em andamento", informou a corporação.
Testemunha da agressão, o entregador de uma loja do shopping Matheus Nascimento, que ajudou Matheus Fernandes, disse à reportagem, antes de ser ouvido pela polícia, que teme ser demitido.
"Se eu não tivesse chegado lá, teriam agredido ainda mais [Matheus]. Mas, depois disso, o coordenador do shopping disse que não quer me ver mais lá, sendo que sou terceirizado. Agora não sei como vai ficar a minha situação. Tenho que ver com a gerente ainda. Tô até com medo de ir trabalhar, medo de represálias", disse o Nascimento.
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