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Após 54 dias preso por engano, jardineiro volta a trabalhar no Rio

O jardineiro Wilton Oliveira da Costa (centro) passou 54 dias preso por ter sido confundido com ladrão de moto - Arquivo Pessoal
O jardineiro Wilton Oliveira da Costa (centro) passou 54 dias preso por ter sido confundido com ladrão de moto Imagem: Arquivo Pessoal

Saulo Pereira Guimarães

Colaboração para o UOL, no Rio

08/07/2020 04h00

Wilton Oliveira da Costa foi recebido com festa na segunda-feira (6) no Hospital Federal do Andaraí, na zona norte do Rio. Jardineiro da unidade, o homem negro de 33 anos foi solto no último sábado (4) após passar 54 dias preso durante a pandemia do coronavírus. Ele foi confundido com um ladrão que roubou uma moto em 2018.

Estar de volta com a minha família não tem preço
Wilton Oliveira da Costa, jardineiro

O crime aconteceu em 25 de janeiro de 2018 em Vila Isabel, na zona norte carioca. Durante as investigações, a vítima disse que o bandido era "parecido" com Wilton após ter visto uma foto do jardineiro.

"A prisão dele foi decretada com base nisso. Sabemos que o caso dele não é o primeiro nem será o último, mas essa é uma realidade que precisa mudar", diz a advogada Rafaela Cervilha, que defende o jardineiro.

Confundido com irmão morto

A suspeita dos defensores e familiares é de que o crime tenha sido praticado por Willian Oliveira da Costa, irmão do jardineiro.

Envolvido com tráfico de drogas, Willian costumava informar o nome de Wilton quando era abordado pela polícia. Ele foi morto durante uma operação policial em fevereiro no Morro do Encontro, no Complexo do Lins, onde vive a família. Outro ponto que reforça a tese da confusão é o inquérito aberto após o jardineiro citar supostos comparsas do irmão.

Após ser detido, Wilton descobriu a existência de outros seis inquéritos policiais em andamento contra ele. Todos relacionados a casos de roubo. Em todas as situações, as vítimas identificaram os bandidos só por meio de fotos.

Em sua defesa, os advogados argumentaram que ele não estava sequer no local do crime e no momento da ocorrência. O roubo aconteceu perto do número 355 da rua Visconde de Santa Isabel, em Vila Isabel, por volta das 17h20. Neste momento, dados do GPS do celular de Wilton indicam que ele estava na Autoestrada Grajaú-Jacarepaguá, a cerca de 1 km de distância.

Desempregado com carteira assinada

A advogada Rafaela Cervilha alega ainda que o fato de Wilton ter emprego fixo e ser universitário não foi levado em consideração para que ele respondesse em liberdade. Os policiais ignoraram sua ocupação ao deter o homem.

Wilton foi preso no Hospital do Andaraí por volta das 15h30 do dia 12 de maio. É o mesmo local em que há oito anos ele bate ponto, de segunda à sexta, sempre das 6h às 16h. Ainda assim, ele foi qualificado como "desempregado" e "sem profissão" no inquérito policial, apesar de ter sido detido de uniforme, em seu ambiente de trabalho e no meio do expediente.

Eles falaram para mim que estavam me procurando há muito tempo, sendo que a delegacia era praticamente ao lado do meu trabalho. Daqui até lá, não levamos cinco minutos. Como estavam me procurando se eu estava do lado deles o tempo todo?

Wilton Oliveira da Costa, jardineiro

Na opinião de Marcele de Souza, noiva do jardineiro, o caso tem sinais claros de racismo.

Se ele fosse branco, as coisas não teriam sido como foram. Se tivéssemos protestado em Botafogo ou Copacabana, teríamos sido mais ouvidos. Mas nós, moradores de favela, não temos credibilidade. Não tenho crédito por ser negra, pobre e moradora de favela. Posso ser humilhada, posso ter a vida parada por isso

Marcele de Souza, noiva de Wilton

Do hospital, Wilton foi levado para o presídio Ary Franco, em Água Santa, também na zona norte carioca. Marcele conta que isso a deixou apreensiva.

"É um dos piores presídios do Rio, porque as celas ficam no subterrâneo. Ele passou os 14 primeiros dias isolado na Galeria A, que fica no 3º nível do subsolo. Como o Wilton tem bronquite, ficamos preocupados, mas graças a Deus nada de pior aconteceu", conta.

Wilton relata que sua cela não tinha colchão e que ele recebia comida estragada até quatro vezes por semana.

Quem não tem família para dar assistência não tem como ficar lá dentro. É desumano. Não tem assistência médica, não tem remédio. Vi pessoas lá gritando de dor. Casos assim horripilantes. Conheci lá dentro pessoas com casos iguais ao meu ou até piores. Mas quem não tem uma família para correr atrás igual eu tive, realmente fica esquecido lá dentro

A situação incomodou a tal ponto que amigos organizaram no fim de junho um protesto pelas ruas da comunidade pedindo a soltura do jardineiro. Eles levaram faixas com a hashtag #SinhaLivre, em referência ao apelido de Wilton.

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Protesto de vizinhos do jardineiro Wilton Oliveira da Costa, preso enquanto trabalhava após ser confundido com ladrão de moto
Imagem: Arquivo Pessoal

A filha do jardineiro, Ana Sofia, 5, estranhou a ausência do pai durante todo o período da prisão. Marcele conta que, de tanto nervosismo, a menina roeu as unhas dos pés até ferir. Ela também teve crises de choro e picos de ansiedade. Uma amiga psicóloga ofereceu acompanhamento médico à família.

Soltura complicada

Apesar de muitos elementos que mostrassem a fragilidade da prisão de Wilton, conseguir sua soltura não foi fácil. O jardineiro teve negados os pedidos de habeas corpus e de liberação em função das inconsistências do processo.

Seus advogados não conseguiam ao menos um retorno do juiz responsável pela decisão. Tiveram de acionar a corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio e encaminhar um pedido de habeas corpus ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Depois de tanto trabalho, a liberação do jardineiro foi comemorada na comunidade. No domingo (5), dia seguinte à sua saída do presídio, vizinhos organizaram um churrasco em sua homenagem no campo de futebol do bairro.

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Churrasco de vizinhos para comemorar a soltura de Wilton Oliveira da Costa, jardineiro preso enquanto trabalhava por ser confundido com ladrão de moto
Imagem: Arquivo Pessoal

Nem a festa fez Wilton sossegar, conta sua noiva. Ele só ficou tranquilo de fato na segunda-feira, quando soube que não seria demitido nem perderia o semestre na faculdade. Sinha cursa o 4º período de Educação Física na Estácio de Sá.

A defesa do jardineiro não sabe informar quando serão encerrados os sete processos em andamento, mas diz acreditar que ele será inocentado em todos eles. Devido à pandemia, muitas das ações estão com prazos suspensos.

"Depois que tudo estiver resolvido, vamos pedir uma indenização ao estado em função de tudo que estamos passando", conta Marcele. Seus planos não acabam aí. Companheira de Wilton há 13 anos, ela noivou com o jardineiro no ano passado e espera ser pedida em casamento em breve. "Vou conseguir", diz.