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Cota racial levará mais negros para conselhos da OAB, mas encara obstáculos

André Costa, advogado cearense e único dos conselheiros federais da OAB autodeclarado negro Imagem: Arquivo Pessoal

Lola Ferreira

Colaboração para o UOL, do Rio

17/12/2020 04h00

Aprovada nesta semana, a cota racial de 30% deve valer a partir das eleições internas da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em novembro de 2021. A nova regra é considerada uma vitória, mas enfrentará obstáculos para ser implantada, avalia o advogado André Costa, autor da proposta e único autodeclarado negro dos 81 conselheiros federais da entidade.

Para cada unidade federativa, são escolhidos três conselheiros. Costa, por exemplo, é um dos representantes do Ceará. Já na gestão que se iniciará em 2022, negros ou negras devem ocupar ao menos 25 dessas cadeiras. Para além de levar aos espaços de decisão mais pessoas negras, a mudança tem o poder de impactar nas decisões da OAB, afirma o advogado em entrevista ao UOL.

A obrigatoriedade de observar a cota racial na composição dos conselhos não vale só no âmbito federal, mas também para fóruns estaduais (seccionais) e municipais ou regionais (subseccionais) e para as direções da Caixa de Assistência em cada uma das seccionais.

Como vai funcionar

Na OAB, as chapas que concorrem nas eleições, realizadas a cada nova gestão, são completas, ou seja, devem ter candidatos para todos os cargos em disputa: diretoria (que inclui presidente e vice da seccional), conselheiros seccionais, conselheiros federais e diretoria da Caixa de Assistência aos Advogados.

Já a presidência do Conselho Federal é decidida por voto indireto: votam somente os conselheiros federais enviados pelos estados e os presidentes das seccionais.

Na proposta de Costa, a cota deve ser cumprida dentro do conjunto de cargos da chapa. Por exemplo: se têm de apresentar três conselheiros federais e três suplentes, as chapas precisam de ao menos um titular e um suplente que sejam negros. A proposta vale por 10 eleições —ou seja, 30 anos—, e pode ser renovada por mais 10 pleitos.

André Costa, advogado e único conselheiro federal autodeclarado negro da OAB Imagem: Divulgação/OAB

Impactos na sociedade

"A partir de agora, a OAB pode ter um olhar mais plural, a partir da diversidade dos seus conselheiros, para decidir suas questões e outras atividades. É positivo para a OAB e para a sociedade brasileira", diz Costa.

Exemplo de como a mudança pode injetar diversidade na sociedade são as indicações que a OAB faz para ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho. Um conselho mais plural, acredita Costa, pode incluir maior diversidade entre os indicados e mudar, por tabela, a composição de outros órgãos.

Ele também nutre a esperança de que o olhar para políticas públicas e institucionais mude, à medida que o perfil de quem as avaliará se aproxime do das pessoas que costumam sofrer seus efeitos.

Minha intenção é que os advogados negros saiam de uma caixa, e opinem no direito civil, constitucional, eleitoral, trabalhista, penal, tributário ou administrativo. A OAB é o espaço que tem comissões que atuam nessas áreas, e agora a advocacia negra tem a possibilidade de trazer sua experiência e direcionar o olhar da OAB para o racismo.
André Costa, conselheiro federal da OAB

Para ele, o órgão com mais de 1,2 milhão de advogados inscritos demorou 90 anos para notar o domínio branco em seus quadros diretivos devido ao racismo estrutural e, principalmente, por ser mais fácil observar o erro alheio do que o próprio: "A Ordem demorou a ver que a principal mudança é pelo exemplo."

Exemplo para o Judiciário

Chamada de vitória coletiva, não individual, a decisão, diz Costa, é só o primeiro passo para uma "OAB antirracista". A expectativa é que a mudança também traga efeitos simbólicos, como a maior aproximação de pessoas negras dentro da entidade e gere exemplos para jovens advogados e advogadas em todo o Brasil.

"No campo simbólico, da autoestima, é fantástico. É uma referência e também se desnaturaliza o negro sempre no lugar do trabalhador braçal."

Costa avalia que a decisão da OAB pode influenciar o Poder Judiciário como um todo, assim como também o Ministério Público, e, talvez, diminuir os casos de racismo na Justiça. Mas o advogado entende que a votação desta semana não tem o fim nela mesma, e que a implementação é outro passo importante.

"Foi o primeiro passo, não sou ingênuo para achar que resolveu tudo. Conquistamos, mas agora temos de implementar e, na caminhada, ver o que terá de ser ratificado ou retificado, mas sempre enviando essa mensagem de possibilidade para que outras instituições se espelhem. O Estado Brasileiro tem dívidas com as pessoas negras."

Obstáculos para o cumprimento

Mal foi aprovada, a medida já enfrenta obstáculos para ser implementada. A OAB não tem dimensão da lacuna racial em seu meio. Para solucionar o problema, a Ordem prevê um Censo dos Advogados do Brasil para descobrir a proporção de negros, brancos e outras informações demográficas da classe.

Não ter a proporção de raça entre os advogados já em 2020 foi um argumento para colocar em dúvidas a viabilidade das cotas: conselheiros de estados do Sul afirmaram ser difícil cumprir os 30% nos seus quadros diretores, porque acreditam não haver muitos advogados negros por lá.

Para Costa, o mesmo argumento pode ser usado para defender as cotas: "Como sabe que não tem, se nunca foi atrás, se nunca fez o censo? Não dá para ficar só no olhômetro".

As cotas vão obrigar a classe a chamar mais pessoas negras para "dentro do sistema", afirma o autor do projeto. Mas ele não descarta a possibilidade de haver algum órgão que não consiga alcançar os 30%. Estes casos serão analisados individualmente.

Não se pode usar as exceções para impedir a implantação de uma política justa, de equidade, para a grande maioria do sistema. A exceção não pode quebrar o cerne dessa política tão importante.
André Costa, conselheiro da OAB

A raça de cada advogado será definida por autodeclaração. Isso, considera Costa, pode permitir fraudes nas cotas, como já é observado em universidades —há casos em que candidatos mudam a tonalidade da pele para ter direito à política—, e durante as eleições —em que partidos usam candidatas mulheres para preencher a cota de gênero e desviar recursos de campanha.

Para o advogado, a possibilidade de desvio não é argumento para inviabilizar toda uma política pública. Ele também confia na ética dos colegas.

"Aqueles que se autodeclararem negros e são visivelmente brancos vão ter de carregar isso para a vida toda. Podem tentar fraudar, mas muitos não correrão o risco porque ficarão desmoralizados", diz.

Outro efeito positivo, acrescenta, é que muitos advogados poderão se olhar no espelho e entender o seu lugar em uma sociedade que vive o racismo. "Temos pessoas que nunca se identificaram que vão ter que assumir a sua cor, a sua etnia."

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