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Absolvido, homem diz que irmã mentiu sobre estupro de sobrinho por herança

Seu José (nome fictício) na casa de outra irmã, onde agora mora de favor - Arquivo Pessoal
Seu José (nome fictício) na casa de outra irmã, onde agora mora de favor Imagem: Arquivo Pessoal

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

12/05/2021 04h00

Seu José (nome fictício) assistia a uma série de televisão em uma noite de domingo quando foi surpreendido pela polícia: com a roupa do corpo, ele foi "arrastado" para fora de casa, levado para a delegacia e depois para a cadeia, de onde só saiu em dezembro de 2020, 11 meses depois.

Demorou para que seu José entendesse o que estava acontecendo: sua irmã mais nova, Ana (nome fictício), o acusara de estuprar o próprio sobrinho, um garoto de 5 anos. "Passei uma noite de cão na delegacia", relembra seu José, um pedreiro de 56 anos. "Tentei dizer a verdade, mas ninguém queria me ouvir."

Fiquei até de madrugada sendo humilhado pelos policiais. O delegado não quis falar comigo, só bateu o flagrante e mandou assinar. Colocaram um revólver na minha cabeça e disseram que se fosse o filho dele teria me matado
Seu José, absolvido após 11 meses de prisão

Depois de passar a madrugada sob "pressão na delegacia", seu José foi levado para a audiência de custódia no dia seguinte. "Passei a noite de camiseta e bermuda. O meu chinelo quebrou e fiquei a audiência toda descalço", diz.

Os dias na cadeia

Àquela altura sem advogado, seu José viu sua prisão ser convertida em preventiva (sem prazo) na audiência de custódia. Foi quando sentiu mais medo.

"Perguntei se iam me jogar aos leões [em uma cadeia comum, onde estupradores sofrem violência]. Tentei argumentar com a juíza, mas nem me ouviu", conta.

"De lá, a polícia me levou para um veículo que por fora parecia uma ambulância. Dentro estava cheio de gente. Achei que ia morrer."

Entrei no carro e já falei da acusação, mas eles me disseram que para onde a gente estava indo todos eram acusados do mesmo
Seu José, absolvido após 11 meses preso

Preso pouco antes do início da pandemia na Penitenciária José Parada Neto Guarulhos 1, na Grande São Paulo, seu José logo ficou sem as visitas do filho e de uma das irmãs.

Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos, onde seu José ficou preso - Divulgação - Divulgação
Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos, onde seu José ficou preso
Imagem: Divulgação

Na cadeia, a primeira refeição é servida na cela às 5h30: uma caneca de café com um pãozinho sem margarina. Às 8h os presos saem da cela para passar as manhãs sentados no chão de uma quadra esportiva.

Das 11h às 13h, seu José voltava à cela para a hora do almoço. No cardápio, "feijão só com água e sal, arroz empapado e ovo cozido", diz ele.

Para "não morrer de fome", ele precisou recorrer ao "pecúlio", "um dinheiro que a família manda para gente comprar margarina, farinha, bolacha".

Todos precisam voltar para a cela às 17h, ou "tem castigo": "Se não entrar rápido, vai para uma solitária sem sol pelo tempo que eles quiserem".

Procurada, a Secretaria Administração Penitenciária não comentou até esta publicação. Já a Secretaria Estadual de Segurança diz em nota que "a Corregedoria da Polícia Civil, até o momento, não recebeu qualquer notificação sobre o caso e está à disposição para registrar e apurar eventuais denúncias contra seus agentes".

"Irmã mentiu para ficar com a casa"

Foram 11 meses na cadeia até que o advogado Gabriel Huberman Tyles, do escritório Euro Filho e Tyles Advogados Associados, entrou no caso pedindo para se encontrar com os outros quatro irmãos de seu José.

"Descobrimos que a Ana tem essa mania de criar histórias, inclusive com boletim de ocorrência sobre falsa acusação contra outro irmão", diz o advogado, que juntou os relatos ao processo.

"Acreditamos que ela inventou o estupro do filho para ficar com a propriedade da família", afirma Tyles: Um terreno com seis metros de frente por 25 metros de fundo deixado pelos pais com uma casa para cada filho e um lava-rápido no térreo.

É onde todos os irmãos viviam, mas ela foi afastando todos até que sobrou o seu José. Ela nunca tinha ido tão longe
Gabriel Huberman Tyles, advogado

Absolvição

Além dos novos relatos, o menino foi ouvido em um "depoimento especial", preparado de forma lúdica para que a criança responda sem se sentir pressionada.

A criança não relatou que sofreu qualquer tipo de abuso por parte do acusado. Trouxe um único episódio triste que experienciou: quando atiraram em seu gato
Juíza Ana Camargo Belmudes

Diante das evidências, não só a defesa de seu José pediu a absolvição, como também a promotoria responsável pela acusação e a advogada de Ana, que justificou o segredo de Justiça do processo para não conversar com o UOL. Procurada, Ana também se recusou a falar.

A sentença veio no último dia 31 de março. Segundo a juíza, "não existiu nenhuma prática delitiva, ficando muito claro o esforço que a mãe da vítima fez para atribuir a conduta criminosa ao réu".

Ela também pediu a abertura de um inquérito policial para apurar se Ana "cometeu crime de denunciação caluniosa", que é quando uma calúnia resulta em processo judicial, um crime com pena de até oito anos de prisão.

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE a pretensão punitiva, absolvendo o réu
Juíza Ana Camargo Belmudes, em sentença

"Ainda não acabou"

Seu José conta que a irmã "sempre foi problemática, teve problema com a família inteira".

"Até agora não voltei para casa", diz o pedreiro. "Ela quebrou tudo: meu banheiro, tanque, lavanderia. Agora estou morando de favor na casa de outra irmã."

O advogado diz que seu cliente "ficou com uma mancha" entre os vizinhos ao lembrar que "notícia de estupro se espalha rápido, mas a de absolvição não tem a mesma velocidade".

Fui inocentado, mas tenho uma mágoa grande no coração porque não merecia ser acusado de uma coisa dessas. Queria que fosse passado, mas ainda estou vivendo isso. Nem pra minha casa eu consegui voltar
Seu José, inocentado após 11 meses preso