14 vezes acusado de roubo com base em foto, jovem consegue 13ª absolvição
O motoboy Cláudio Júnior Rodrigues de Oliveira, 24, tira selfies todos os dias quando acorda, ao chegar no trabalho e quando volta para casa em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Apesar de parecer um hábito similar ao de qualquer jovem, é uma defesa: ele já foi acusado de roubo 14 vezes, todas elas após ser identificado por foto em álbuns de suspeitos em delegacias. A prática é alvo de críticas por reunir imagens de pessoas inocentes.
No último dia 20, ele foi absolvido pela 13ª vez, porque, ao verem Oliveira pessoalmente, as vítimas não o apontaram como o autor dos crimes. Isso também ocorreu no único julgamento em que ele foi condenado, mas, ainda assim, a juíza o sentenciou a uma pena de prisão de 5 anos, que ele cumpriu.
Eu convivo com isso todos os dias. Dizem que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas comigo caiu várias. Meu psicológico está muito abalado. É algo que trabalho todos os dias."
Cláudio Júnior Rodrigues de Oliveira
O primeiro inquérito contra Oliveira foi aberto em março de 2016 em uma delegacia de São Gonçalo, cidade onde ele mora desde que nasceu. A partir daí, durante seis meses, foi acusado de participar de roubos na região e também em Niterói, município vizinho.
Em setembro daquele ano, ele já somava 12 inquéritos abertos. Em maio de 2017, foi condenado por um crime ocorrido em julho de 2016.
Uma pessoa relatou que teve carro, dinheiro e celular roubados. Na delegacia, a vítima identificou por meio de fotos Cláudio e um outro rapaz como responsáveis pelo crime. Essa seria sua décima acusação, mas desta vez, não foi absolvido.
Durante a audiência, a vítima garantiu que Oliveira não estava envolvido no crime. Até então, ela não o vira pessoalmente.
A juíza Fernanda Magalhães, da 2ª Vara Criminal de Niterói, ignorou a nova informação. De acordo com a sentença judicial, ela argumentou que o jovem ter sido reconhecido só por foto, mas não pessoalmente, não reduz a certeza de sua participação no roubo.
Da análise do depoimento transcrito é necessário reconhecer que a vítima prestou declarações detalhadas e seguras (...) reconhecendo firmemente o acusado Claudio Junior por meio de fotografias. Indubitável que o reconhecimento fotográfico é meio de prova plenamente cabível e aceitável no processo penal. Destaque-se que a ausência de reconhecimento judicial do réu Cláudio, não tem o condão de infirmar a autoria do mesmo (...) visto que a audiência de instrução e julgamento foi realizada cerca de nove meses após os fatos."
Fernanda Magalhães, da 2ª Vara Criminal de Niterói
Ele foi condenado a 5 anos e 4 meses de prisão, dos quais cumpriu 2 anos no regime fechado, 2 anos no semiaberto e 1 ano e alguns meses na condicional
Vida após condenação
Ainda que esteja em liberdade, Oliveira viu a vida mudar. Antes de ser preso, ele estava terminando o ensino médio e tinha os sonhos de fazer concurso público, seguir na carreira militar, ser bombeiro ou ainda ingressar na guarda municipal.
Eu fazia o terceiro ano [do ensino médio] e estávamos em período de prova, porque fiquei em recuperação. Nisso eu fui preso. Minha vida era normal, tinha planos e sonhos, trabalhava como frentista, saía com meus amigos. Era tranquilo. Pretendia realizar esse sonho que também era da minha avó. Agora, eu não posso prestar concurso público, porque tem uma pesquisa social em uma das etapas. Ter sido condenado me impede de seguir."
Cláudio Júnior Rodrigues de Oliveira
Em regime semiaberto desde 2018, Oliveira viu tudo acontecer novamente no ano passado.
Em novembro de 2020, um novo inquérito por roubo foi aberto contra ele com base em reconhecimento fotográfico. Após a Justiça expedir o mandado de prisão no começo deste ano, ele ficou na cadeia por três meses. Desta vez, Cláudio contou com a ajuda da advogada Ana Cláudia Abreu Lourenço, que se sensibilizou pelo caso e resolveu não cobrar para auxiliá-lo.
"Minha advogada pediu o Habeas Corpus, o juiz de plantão aceitou, mas aí juiz do caso mandou me prender novamente, ela [advogada] entrou com um novo Habeas Corpus e aí o juiz analisou melhor e me liberou", explicou Cláudio.
O medo de ser confundido com algum criminoso novamente fez Oliveira tomar a precaução de tirar fotos três vezes ao dia. Ele aprendeu o expediente após ver uma reportagem na TV sobre um homem constantemente preso injustamente pela polícia. Por isso, ele tenta colocar nas imagens o horário e local para que sirvam como álibi caso aconteça novamente.
Toda vez que saio de casa, dou um beijo na minha esposa e filha. Sempre pode ser uma última vez. Queria que as pessoas se conscientizassem. Poxa, quando você aponta para uma pessoa [inocente] numa delegacia, naquele momento você acaba com a vida dela."
Cláudio Júnior Rodrigues de Oliveira
Sonhos perdidos
Desde que começou a ser acusado injustamente, a família já precisou desembolsar cerca de R$ 28 mil para custear advogados contratados que atuam nos processos. "Saiu do bolso da minha família. Mas, para ajudar, venderam quentinhas, fizeram rifas de perfumes, os amigos ajudaram com o que podiam. Eles abraçaram minha causa", disse Oliveira.
Depois de ter sido solto, em abril deste ano, ele e a advogada conseguiram contar com a ajuda da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados) no Rio para tentar tirar a foto dele das delegacias.
Sonia Ferreira, integrante da Comissão, tem participado de audiências dos novos casos abertos. "Já oficiamos os juízes de dois processos, bem como protocolamos ofícios nas três delegacias [em Niterói e em São Gonçalo] nas quais foram iniciados os Inquéritos policiais que originaram os 14 processos", explicou.
Procurada pelo UOL, a Secretaria de Polícia Civil informou que "a atual gestão recomendou que os delegados não usem apenas o reconhecimento fotográfico como única prova em inquéritos policiais para pedir a prisão de suspeitos".
Em nota, a pasta disse ainda que "o reconhecimento por foto, que é aceito pela Justiça, é um instrumento importante para o início de uma investigação, mas deve ser ratificado por outras provas técnicas na busca pela verdade".
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