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Internas adolescentes revelam abuso de agentes e troca de favores no Degase

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

02/07/2021 10h48Atualizada em 02/07/2021 19h00

O TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) determinou o afastamento do diretor e de cinco agentes de uma unidade socioeducativa feminina do Degase por suspeita de abuso sexual cometido contra as internas. A denúncia foi apresentada pelo MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e reiterada pela Defensoria Pública.

Na decisão, aceita pela Justiça ontem, a juíza Lúcia Mothe Glioche destaca trechos do depoimento de algumas jovens à Corregedoria do Degase.

Uma delas relatou que manteve relações sexuais com penetração com um dos agentes. "O ato teria ocorrido em uma sala de leitura embaixo da câmera de segurança, no arco cego da mesma e indicou que haveria outras adolescentes na mesma situação".

Segundo consta na decisão, a adolescente "narrou ter ficado apaixonada [pelo agente], posto que ele conversava com ela, chegando a lhe presentear com uma foto de seu filho, razão pela qual ela, inclusive, pretendia apresentar o mesmo para sua família, após sua saída da unidade, apesar de ele ter idade de ser seu pai".

Outra interna informou ter mantido relações sexuais com um segundo agente. O ato teria ocorrido em duas oportunidades. A adolescente chegou a pichar na parede do alojamento o seu nome e o do agente, a evidenciar que também estaria "apaixonada".

Uma terceira interna, de 13 anos, revelou que fez sexo oral em um dos servidores enquanto outra adolescente vigiava o local. Ela relatou que tomou conhecimento pelas demais internas que o referido servidor cedia o celular em troca de favores sexuais "e, reparando como ele olhava para seu corpo, ajustou o ato, pois queria usar o telefone por ter muitas saudades de sua mãe".

Outras adolescentes que depuseram confirmaram o relato em depoimento. Além disso, a decisão cita ainda que uma adolescente ficou grávida e teve suspeita de aborto natural e outra ainda esperava um bebê.

A decisão mostra ainda que uma antiga interna chegou a mencionar que "alguns agentes oferecem seus números para contato, para as meninas ligarem após a saída da unidade, e outros pedem que mostrem suas partes íntimas para sua apreciação". Segundo a juíza, o documento onde consta essa denúncia é anterior aos depoimentos atuais, "o que evidencia que os abusos sexuais dentro do [Degase] eram uma realidade de longa data".

O Centro de Socioeducação Professor Antônio Carlos Gomes da Costa, fica na Ilha do Governador, na zona norte do Rio, e é o único local em todo o estado destinado ao cumprimento de medidas socioeducativas de menores de idade do sexo feminino. Hoje, o local conta com 19 internas.

Pedido de afastamento

A decisão determina que os agentes Edilson Mendes de Araújo e Alisson Barreto não podem continuar exercendo a função de agentes, já que há provas que evidenciam abusos sexuais, assédios e investidas contra as adolescentes.

A juíza também pede o afastamento da agente Thaís Bernardes Sales. As adolescentes ouvidas confirmaram que ela sabia dos atos cometidos por um dos agentes. De acordo com a decisão, as internas também indicaram que o agente Lucídio Ramos Martins e o diretor da unidade feminina, Leonardo Lúcio de Souza, tinham conhecimento dos assédios cometidos. A juíza classificou o caso como vergonhoso.

"Saliento que as adolescentes estão privadas de liberdade, sob a custódia do Estado e, em razão de suas idades, estão em processo de formação, de educação e de amadurecimento, demandando cuidado, zelo e orientação para que seus direitos e interesses sejam resguardados, sendo vergonhoso que, no interior da unidade de internação em que precisam ser socioeducadas fiquem expostas à abusos que toda a sociedade busca impedir que vitimizem mulheres".

A Justiça determinou também que as denunciantes fossem transferidas para outra unidade socioeducativa e sinalizou que não se sabe, por ora, "a extensão exata dos abusos, o número de adolescentes vitimadas, a quantidade de agentes socioeducativos omissos, posto que, ciente dos abusos, calaram".

Procurado, o governo do Rio informou que "por determinação do governador Cláudio Castro, o secretário de Educação, Alexandre Valle, exonerou o diretor-geral do Departamento de Ações Socioeducativas (Degase) e o Corregedor do órgão. Claudio Castro também determinou, ao secretário Allan Turnowski, para que a Polícia Civil apure as denúncias com todo o rigor".

O governo disse ainda que a Secretaria de Vitimados irá prestar todo auxílio necessário às internas e seus familiares e destacou que os agentes socioeducativos já estão afastados das funções.