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Por que os filhos de Flordelis são chamados de afetivos e não adotivos

Ex-deputada Flordelis é julgada por júri popular em Niterói (RJ) - Brunno Dantas/Reprodução TJ-RJ
Ex-deputada Flordelis é julgada por júri popular em Niterói (RJ) Imagem: Brunno Dantas/Reprodução TJ-RJ

Nathalia Lino

Colaboração para o UOL

14/11/2022 04h00

Neste domingo (13), a ex-deputada Flordelis foi condenada a mais de 50 anos pelo assassinato do pastor Anderson do Carmo, morto a tiros em junho de 2019. Durante o júri, que durou quase uma semana, alguns de seus 55 filhos falaram sobre o caso. E uma pergunta que fica é se a pastora conseguiu mesmo adotar mais de 50 crianças.

Muitas destas crianças fizeram ou ainda fazem parte da casa administrada por ela no Rio de Janeiro e são filhos afetivos. Não se sabe ao certo quantos dos seus filhos, de fato, foram adotados oficialmente, mas, segundo inquéritos judiciais, grande parte destes não possuem situação regular e, por isso, são chamados de filhos afetivos.

Mas o que é isso?

Juridicamente falando, a filiação socioafetiva é o reconhecimento da maternidade e/ou paternidade, certificada pelos laços de afeto e apoio emocional, sem que haja, entre pais e filhos, uma ligação sanguínea. Ou seja, quando um homem e/ou uma mulher cria uma criança como se fosse sua, mesmo não sendo biológica. É o que explica a advogada e presidente da Comissão de Direito Civil da OAB de Campinas, Mariana Baroni.

"Agora o afeto, o instituto do afeto ganha relevância jurídica. Antes, o direito não olhava para o afeto nem lhe atribuía consequências, mas hoje isso se modifica. Por isso surge a ideia da parentalidade socioafetiva, que é justamente essa ideia de que o vínculo parental é baseado e criado por meio do afeto existente entre aquelas duas partes, que pode ser o pai, pode ser a mãe, independente de gênero. Para que se reconheça essa parentalidade socioafetiva, é preciso que haja afeto entre essas duas partes, mas não qualquer afeto, ele tem que ser suficiente para que aquele filho reconheça aquele pai como seu pai, e este pai, por sua vez, reconheça aquele filho como seu filho".

Uma das formas mais comuns de legalidade desse laço é a adoção, respaldada pela Constituição Federal de 1988, junto ao Código Civil. Esse modelo familiar busca, por meio das leis, reconhecer juridicamente a maternidade e a paternidade para a família em construção.

"O vínculo de parentalidade que tem origem na adoção, a criança já foi submetida a um processo que nós falamos de destituição do poder familiar ou de ambos os genitores que ela possuía, O poder familiar é o vínculo jurídico mais forte que um pai ou uma mãe tem com o seu filho. Então, quando você faz essa instituição do poder familiar, você vai colocar a criança ou em um abrigo ou em uma família substituta, que vai cuidar dessa criança até que alguma pessoa esteja apta adotá-la", define a advogada.

A formalização dos laços afetivos no âmbito legal se dá durante um processo em que o juiz observará se esse vínculo declarado, de fato se comprova como uma relação socioafetiva típica de uma relação filial. Caso seja aceito o reconhecimento da filiação, a Justiça realiza a alteração no registro de nascimento do filho ou da filha, com a inclusão do nome do pai e/ou mãe socioafetiva, assim como dos avós.

Vale lembrar, ainda segundo a advogada, que uma relação socioafetiva pode criar laços parentais e jurídicos, já que ela se constitui numa relação forte em que as partes realmente se entendem como pai e filho, sem que haja, necessariamente, uma relação jurídica prévia entre as partes. Após o pedido de reconhecimento da parentalidade socioafetiva, vai se criar um vínculo jurídico entre elas, que serão oficial e juridicamente reconhecidos como pais e filhos. Para que isso ocorra, a pessoa deve se fazer presente, cuidando da educação, lazer, cultura e cuidado do dia a dia da criança, ou seja, extrapola o simples gostar.

Um possível exemplo, é o da relação padrasto/madrasta, em que há o amor parental, sem documentos que efetivem esses laços. "Essa relação estabelecida com ares de pai e de filho então só a título, é como no caso, por exemplo, de padrastos que tem muito carinho, mas em que há esse distanciamento: 'olha, sou seu padrasto. Te amo, cuido de você, mas sou seu padrasto.'", explica.

Já na adoção legal, existe um processo de adoção que irá criar a parentalidade entre as partes. As crianças que estão vinculadas ao Sistema Nacional de Adoção e os adotantes também se inscrevem no cadastro para somente depois a adoção acontecer. Embora haja um período de convivência entre as partes, essa convivência é mais rápida até que ocorra a adoção. A adoção também gera vínculo de parentalidade entre os envolvidos.