STJ rejeita recurso e mantém anulação do tribunal do júri da boate Kiss
A Sexta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) rejeitou, por 4 votos a 1, o recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul e manteve a anulação do tribunal do júri do caso da Boate Kiss, incêndio que matou 242 pessoas e feriu outras 600 em janeiro de 2013.
Com a decisão, as condenações dos quatro réus são anuladas. Ainda é possível recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal), mas o Ministério Público deverá avaliar junto das famílias das vítimas.
Isso porque, após a decisão do STJ, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pautou para o dia 20 de novembro a nova data do tribunal do júri.
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Entenda o julgamento
O STJ decidiu na tarde desta terça-feira (5) um recurso do MP gaúcho contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que anulou em agosto de 2022 o tribunal de júri do caso Boate Kiss e a condenação dos dois sócios da boate e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira.
A defesa dos réus alegou que houve irregularidades no júri. Os advogados viram problema na escolha dos jurados e em uma reunião reservada entre o grupo o juiz presidente do tribunal, Orlando Faccini Neto, sem a participação da defesa e do Ministério Público.
O relator do recurso no STJ, ministro Rogerio Schietti Cruz, votou em junho para acolher o recurso e restabelecer o tribunal do júri e as condenações impostas aos réus da Boate Kiss. Para ele, a defesa não apresentou elementos que mostrassem prejuízo causado aos réus.
Reunião sigilosa é criticada por ministros
O ministro Antonio Saldanha Pinheiro pediu vista e suspendeu o julgamento no último dia 13 de junho. Na sessão de hoje, o magistrado abriu divergência para manter a anulação do tribunal do júri. Durante o voto, Pinheiro viu que a reunião do juiz presidente com os jurados desperta "uma preocupada suspeita" de possível influência.
Uma opinião do magistrado traz uma influência que não tem como salvar o procedimento. A própria incomunicabilidade dos jurados fica comprometida
Antonio Saldanha Pinheiro, ministro do STJ
O desembargador convocado Jesuíno Rissato também criticou a reunião entre o juiz e os jurados. Para ele, o caso é de "extrema gravidade" e abriria um precedente "perigosíssimo".
"Neste caso não se sabe, ninguém sabe, o que foi tratado nesta reunião secreta. O fato de que o juiz, a certa altura da madrugada, resolveu suspender a reunião do júri e fazer essa reunião secreta com apenas com os jurados. O que foi dito nessa reunião? Ninguém sabe", disse.
Como essa Corte é uma Corte de precedentes, não podemos admitir que em qualquer comarca, em qualquer juízo deste país o presidente do tribunal do júri resolve suspender o júri para ter uma reunião a sós com os jurados sem participação das partes
Jesuíno Rissato, desembargador convocado no STJ
A ministra Laurita Vaz também votou para rejeitar o recurso, fechando o placar em 4 votos a 1.
Em nota, a AVTSM (Associação de Familiares das Vítimas da Tragédia de Santa Maria) criticou a decisão do STJ. Para a entidade, o resultado do julgamento é "mais uma decepção com o judiciário brasileiro".
Até quando a impunidade vai servir à injustiça? Foram 242 vidas roubadas, 636 jovens que sobreviveram àquela noite marcada pela ganância e horror. São famílias destruídas, pais e mães que 10 anos depois ainda lutam e esperam pela justiça.
Trecho de nota da Associação de Familiares das Vítimas da Tragédia de Santa Maria
Defesa dos réus comemora
Após o julgamento, o advogado Jader Marques, que representa Elissandro Spohr, conhecido como Kiko, sócio da Boate Kiss, afirmou em live nas redes sociais que a decisão do STJ "deu uma lição" a quem estuda e se dedica ao Direito, mesmo sendo um caso "rumoroso, doloroso e difícil".
[O STJ decidiu] que a regra que está lá no Código Processual Penal vale para todas as pessoas. Não há caso mais midiático, mais doloroso. Em todos eles será aplicada a regra do jogo, porque ela constitui uma garantia às pessoas que terão o devido processo legal.
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr.
Em nota, o escritório Cipriani, Seligman de Menezes e Puerari Advogados, que representa Mauro Hoffmann, sócio-investidor da Kiss, afirmou que considerou a decisão do STJ acertada ao reconhecer as "graves nulidades" no tribunal do júri.
"Temos e sempre tivemos a convicção de que esse era o único desfecho possível para esse julgamento. Esse é o resultado que representa o justo e o necessário para que um novo júri ocorra, com paridade de armas, dentro do que preconiza o devido processo legal", afirmou o escritório.
Boate Kiss: 10 anos sem solução
O incêndio na casa noturna deixou 242 pessoas mortas e mais de 600 feridas em janeiro de 2013 na cidade de Santa Maria (RS). As chamas tiveram início após o uso de fogos de artifício no interior do estabelecimento e atingiram espumas usadas no teto para isolamento acústico, se espalhando pelo ambiente.
O julgamento dos réus levou nove anos para acontecer e durou dez dias em dezembro de 2021. Foi o Tribunal do Júri mais longo da história do Rio Grande do Sul.
Na ocasião, dois sócios da boate e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira foram condenados por dolo eventual — quando, mesmo sem desejar o resultado, se assume o risco de matar.
As penas haviam sido definidas assim:
Elissandro Spohr, sócio da boate - 22 anos e 6 meses de prisão
Mauro Londero Hoffmann, sócio da boate - 19 anos e 6 meses de prisão
Luciano Bonilha, produtor da banda Gurizada Fandangueira - 18 anos de prisão
Marcelo de Jesus, vocalista da banda Gurizada Fandangueira - 18 anos de prisão.