Ciclone de poeira invade casas no RJ: 'Respiramos pó magnético há 20 anos'
Daniele Dutra
Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro
02/10/2023 04h00
A sujeira parece ter sido acumulada durante semanas, mas quem vive em Volta Redonda, município do sul fluminense, precisa varrer quase que diariamente a poeira preta que invade a casa.
O resíduo que circula pelo ambiente é uma queixa de décadas e prejudica a saúde, segundo os moradores.
O pó preto e a nuvem acinzentada, vista pela cidade e na casa das pessoas há 40 anos, são causados pela CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). Por meio de nota, a empresa disse que monitora a qualidade do ar e investe em equipamentos.
Alguns moradores sofrem mais do que outros, e a queixa vai além da sujeira: boa parte também diz ter problemas respiratórios por causa do "pó preto".
"Tenho rinite, alergia e inclusive tive de me mudar de bairro, para cuidar mais da minha saúde. Dependendo do local em que você mora e da direção do vento, recebe quatro vezes mais poluição por ano", afirma João Thomáz Costa, morador da cidade há 67 anos.
O engenheiro metalurgista é especialista em meio ambiente e trabalhou na CSN por 40 anos. Segundo ele, um vendaval de poeira atingiu a cidade há pouco tempo e assustou a população. "Tivemos um ciclone de pó no dia 13 de julho deste ano, foi o maior já visto."
A usina está no meio da cidade, e bairros como Conforto, Vila Santa Cecília, Belmonte e Retiro são os mais afetados, dizem os moradores.
O professor Leonardo Gonçalves conta que não consegue mais fazer churrasco no quintal e precisa varrer sua varanda, um espaço de oito metros quadrados, a cada três dias, devido ao acúmulo de pó preto. O chão, que era claro, está sempre coberto por uma camada de poeira cinza.
Ele diz que os moradores lutam há mais de 20 anos contra a poluição e cita fiscalização ambiental ineficaz.
Fico muito triste, pois este piso é novo, claro, mas vive cinza. Dá até tristeza comprar um imóvel, que é um sonho para todo o trabalhador. Somos proibidos de ter árvores frutíferas, e, nos últimos anos, nosso pulmão está se enchendo de pó metálico a cada respiração. No dia dos pais, no ano passado, estava fazendo um churrasco no quintal, mas tive de parar e fazer dentro de casa na churrasqueira elétrica, pois estávamos comendo pó magnético.
Leonardo Gonçalves, professor
Moradores dizem ter feito testes que mostram a poeira se movimentando quando aproximam um imã, o que sugere, segundo eles, que o pó tem resíduos de ferro.
Para José Maria da Silva, o Zezinho, do Movimento Ética na Política e que mora na cidade há mais de 60 anos, o prejuízo do pó vai além da poluição.
Há custo social grande, como saúde, estresse e gasto com limpeza, devido à constância do pó. Há dois meses houve uma grande movimentação na cidade nessa luta contra a poluição e, aos poucos, vemos uma mudança de postura, mas ainda há muito o que fazer.
José Maria da Silva
Os efeitos do pó preto para a população de Volta Redonda também são acompanhados pelo Legislativo. Na semana passada, uma audiência pública nas Comissões de Defesa do Meio Ambiente e de Saneamento Ambiental, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), foi marcada para discutir soluções diante das denúncias de poluição.
O que diz a CSN
A CSN diz que Volta Redonda tem estações de monitoramento automáticas que reportam esse dado em tempo real para o órgão fiscalizador. A empresa afirma que são monitorados todos os parâmetros que podem afetar a qualidade do ar e a saúde, incluindo partículas inaláveis.
A empresa afirma que, em 2023, "a qualidade do ar na cidade de Volta Redonda foi classificada como boa, 98,9% do tempo" e diz comprar filtros.
A CSN está investindo neste momento 700 milhões de reais em modernos equipamentos e filtros para aprimorar os seus controles ambientais e, até que as obras definitivas estejam concluídas, implementou diversas medidas que reduziram acentuadamente as emissões da poeira.
CSN, em nota
A empresa cita ações como a instalação de canhões de aspersão de névoa e o uso de "caminhões de aspersão com aplicação de polímero nas pilhas e vias para evitar os sólidos em suspensão". Também fala em "aumento do número de varredeiras" e uso de caminhões-pipa.
O que diz o Inea?
O Inea (Instituto Estadual do Ambiente) diz acompanhar a situação de emissão das partículas sedimentáveis na CSN e já multou a empresa em outros episódios de grande emissão dessas partículas. Segundo o instituto, foi emitida multa no valor aproximado de um milhão de reais pela poluição causada com o pó preto.
Em nota, afirma que uma equipe de fiscalização foi à CSN para acompanhar as ações para reduzir a emissão do pó preto. "A técnica acompanhada é a aplicação de um material, que reage formando uma camada por cima das pilhas, reduzindo o carregamento do material pelo efeito do vento."
O Inea avalia sistematicamente a qualidade do ar em Volta Redonda, por meio de uma rede de monitoramento, composta por estações automáticas e semiautomáticas, que transmitem dados diretamente para o Inea, que os audita diariamente. Adicionalmente, foi instalada uma estação com equipamentos operados e mantidos exclusivamente pelo Inea para medir a concentração de gases, material particulado e parâmetros meteorológicos, no município.
Inea, em nota
Segundo o órgão, o estado encontra-se, desde 2017, adequado aos padrões nacionais e às recomendações internacionais de padrões de qualidade do ar.
Novo decreto
A prefeitura diz que a fiscalização da poluição em Volta Redonda ganhou reforços com a regulamentação dos padrões de qualidade do ar no estado por meio de um decreto, de setembro. A nova legislação torna mais rigoroso o controle da qualidade do ar.
Segundo a prefeitura, antes da assinatura do decreto, "a CSN já havia anunciado medidas durante a reunião na prefeitura, e que já começaram a ser adotadas".
"No curto e no médio prazo, as ações devem surtir efeitos e serão mantidas até o cumprimento do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), que foi acordado com a empresa", diz a prefeitura, que também cita a aplicação de um produto que "impede que partículas se espalhem".