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Ele é pastor e também da Umbanda: 'No meu corpo habitam Jesus e Exu'

Alexandre na umbanda Imagem: Arquivo pessoal

Daniele Dutra

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

17/10/2023 04h00

Aos domingos, Alexandre Marques Cabral, 45, realiza os cultos religiosos na Igreja Reformada Ecumênica, com pregação e leitura da Bíblia Sagrada para 50 membros. A cada 15 dias, ele vai para as giras de umbanda no terreiro de Vovó Cambinda do Cruzeiro das Almas, em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro.

No meu ser, no meu corpo, habitam Jesus, Exu, Krishna, Oxum, Martin Luther King, irmã Dulce, dentre outros e outras que sincreticamente me penetram os poros da vida.
Alexandre Marques Cabral

O que é o ecumenismo?

A principal expressão desse movimento iniciou-se no Conselho Mundial de Igrejas (CMI), uma das mais importantes organizações ecumênicas do mundo, fundada em 1948. Desde então, várias outras iniciativas surgiram em diferentes partes do mundo, todas com o objetivo de promover a compreensão, cooperação e unidade entre diferentes tradições religiosas.

Alexandre é professor do departamento de filosofia da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) desde 2012, e pastor de tradição presbiteriana há 22 anos, mas há 16 foi consagrado como pastor da Igreja Reformada Ecumênica. Ele conta que os cultos acontecem aos domingos e, entre as atividades realizadas pela congregação, estão trabalhos sociais com pessoas em situação de rua e prostitutas em situação de vulnerabilidade.

"A Igreja Reformada Ecumênica busca desempenhar uma fé e uma espiritualidade plurais, se inspirando na vida e nas práticas de Jesus e se alimentando de outras formas de exercício da espiritualidade, nascidas em culturas distintas com a finalidade de potencializar modos belos, justos e amorosos de existir e coexistir no mundo. Lemos a Bíblia como livro que conjuga sabedorias e espiritualidades nascidas de contextos culturais, históricos e econômicos diversos. Como a Bíblia não é maior que a vida, é esta que funciona como termômetro qualificador das nossas leituras e práticas", explica ao UOL.

Alexandre na igreja Imagem: Arquivo pessoal

O pastor da igreja ecumênica explica que eles são formados por mesclas. Porém, segundo ele, mesclar é diferente de homogeneizar, ou seja, a ideia não é transformar todas as doutrinas em uma coisa só:

Ser vira-lata é mais bonito do que ser de raça pura. Isso vale para as nossas religiosidades. A vida é muito mais ampla que suas doutrinas. Se a interseção de religiosidades nos ajudar a viver o nosso 'viralatismo' de forma mais plena, que seja então praticado por nós.

Além da Bíblia, ele explica que a vida de Jesus inspira o grupo a uma leitura crítica e responsável dos textos sagrados. Alexandre também destaca que a religiosidade nasce da espiritualidade, e não o contrário. Por isso, importa mais a espiritualidade que cultivam do que os símbolos religiosos aos quais aderem.

Iniciação na umbanda

Alexandre participa de diversas celebrações e ritos do candomblé há cerca de 20 anos, mas foi só em julho de 2022 que ele fez sua iniciação na umbanda, devido a sua relação literária e acadêmica com a temática. A iniciação é uma forma de se integrar de fato ao culto e é composta por diversos rituais e fundamentos.

"Em 2019 escrevi um livro sobre um malandro de Umbanda chamado 'Malandrinho da Estrada'. Não o escrevi porque tive vontade, mas porque ele me pediu para escrevê-lo. A escrita desse livro acabou me transformando por inteiro. Em 2022, publiquei outro livro que trata do feminismo das Pombagiras, livro que resultou em quatro anos de entrevistas com as entidades. Por isso, para experimentar melhor esse universo mágico, extremamente bonito e enriquecedor dos terreiros de Umbanda, resolvi ser iniciado no terreiro de Mãe Viviane de Oxum", conta.

Amizade entre pastor e mãe de santo

Alexandre e a mãe de santo Viviane Imagem: Arquivo pessoal

Viviane, 44, é mãe de santo de Alexandre e administra o Terreiro Vovó Cambinda do Cruzeiro das Almas desde 2006. Além disso, ela é pastora na Igreja Ecumênica desde 2017 e foi eleita como vice-presidente da instituição. A amizade surgiu quando eles se conheceram em uma palestra sobre intolerância religiosa em um colégio público.

"Ele mencionou uma experiência boa que teve em um terreiro que foi visitar, e eu falei sobre a minha experiência na igreja evangélica. Eu mencionei o fato de sempre ser convidada a ir em cultos cristãos, mas quando eu convidava os pastores para virem assistir uma gira em meu terreiro, era sempre negado por eles, alegando que minha religião pertence ao diabo. Alexandre, ao ouvir minha fala, fez imediatamente um convite para eu ir visitar a igreja dele e se ofereceu para ir ao meu terreiro. Foi então que começou nossa história", conta Viviane.

A mãe de santo explica que, tanto no candomblé quanto na umbanda, para ser devoto dos orixás, é preciso seguir alguns fundamentos, como ter boa índole e fazer o correto perante a sociedade; ter respeito pela natureza e sua preservação, pois eles cultuam divindades através da natureza; respeitar a si mesmo e ao próximo; entre outras características. Todas elas fazem parte de um conjunto de virtudes que são a base da conduta moral na cultura dos orixás.

Alexandre e a mãe de santo Viviane Imagem: Arquivo pessoal

"Não fazemos discriminação das pessoas que sentem vontade de fazer parte da nossa comunidade de terreiro. Somos a religião que mais acolhe, independente de cor, orientação sexual, classe social e credo. Sobre a Igreja Ecumênica, não há uma mistura, exercemos as liturgias, cada uma em seu momento, em datas diferentes. Cada uma dentro de seus ensinamentos e práticas", pontua.

Quem gera conflitos somos nós, seres humanos, em nome da religião. Através disso, muitas pessoas são perseguidas e até mortas em nome de um fanatismo religioso, sobretudo as de religiões que surgiram a partir de pessoas pretas, o que já envolve o racismo religioso.
Viviane

"Respeito deve ser absoluto"

Por ser considerado como um pastor progressista, Alexandre conta que ainda hoje sofre preconceito, mas que isso não o atinge mais.

"Faço casamentos homoafetivos desde os anos 2000, quando se falava LGBT. Me chamavam de pastor viado. Fiquei um bom tempo sendo chamado assim. Depois, começaram a me chamar de pastor macumbeiro".

"Mas, eu quero deixar claro que, apesar disso, eu sou uma pessoa branca. Eu sou uma pessoa com mais de um doutorado. Sou uma pessoa com dois concursos públicos de instituições de certo renome, com publicação de livros. Então, o preconceito acontece, mas muito diferente do que acontece com outras pessoas, porque eu estou num lugar diferente. Então, eu percebo que o desdobramento disso é outro. O preconceito, de alguma maneira, se dissipa. Se dissipa no exotismo, às vezes na curiosidade, ou às vezes dizendo assim: 'não, é maluquice de um intelectual', coisas do gênero, entende? Eu aprendi a jogar com isso e a me impor no meio disso, entende?".

Na Igreja Ecumênica, Viviane explica que é preciso entender que cada religião tem o seu dia de fala. "Quando falamos sobre Jesus, todos têm o discernimento de que estamos falando sobre a doutrina cristã. Quando falamos sobre os Orixás, estamos falando da cultura africana. Quando falamos sobre a umbanda, entendemos que estamos trazendo sabedoria de espíritos que representam nossos antepassados e ancestrais brasileiros. Com este entendimento, lidamos de forma natural absorvendo essas sabedorias milenares", explica.

Pastor Israel Belo de Azevedo Imagem: Arquivo pessoal

Já para o pastor evangélico Israel Belo de Azevedo, há 24 anos na Igreja Batista Itacuruçá na Tijuca, zona norte do Rio, tanto no ecumenismo como no sincretismo, é preciso que haja uma clara distinção entre o credo e os valores teológicos de cada uma das religiões —assim como um Batista dialoga com outra religião cristã, como luterana, católica ou presbiteriana, pois há muitos pontos em comum entre elas.

"Cultos de outras religiões, como as de matrizes africanas, são muito diferentes. Por exemplo, o cristianismo segue as escrituras sagradas, enquanto essas religiões seguem outras escrituras e tradições. Não vejo como pode haver uma união ou fusão, mas isso não dá direito de atacar ou vandalizar outros credos. O respeito deve ser absoluto de um lado e de outro, a todas as tradições, sem imposições", considera Israel, que é mestre em teologia, doutor em filosofia e autor de dezenas de livros religiosos.

Portanto, enquanto na visão evangélica existem diferenças e particularidades de uma religião para a outra, na ecumênica é pregado que mesmo sendo diferentes, as divindades não possuem conflitos entre elas.

Quem faz separações e diz que divindades de religiões diferentes não podem conviver juntas é o ser humano. Na Igreja Ecumênica, acreditamos que tudo que é benéfico dentro das religiões e nas divindades que oramos e cultuamos só nos ajudam a ser pessoas melhores. Aprendemos de fato a respeitar e amar o próximo, fazendo isso estamos exercendo o Iwá (bom caráter) doutrina Yoruba, e amar ao próximo como a nós mesmos, um mandamento de Deus que é doutrina cristã. E com isso você já percebe que nós da Ecumênica conseguimos andar de mãos dadas com todos os segmentos religiosos. Acreditamos que todos os caminhos que praticam o bem levam a Deus, não importando como ele é chamado, se Jesus, Oxalá, Buda ou Zambi.
Viviane

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