Dois PMs da Rota se tornam réus por uma das 28 mortes da Operação Escudo
Dois policiais militares da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) se tornaram réus por envolvimento em uma das 28 mortes que ocorreram durante a Operação Escudo, entre julho e setembro deste ano, no Guarujá (SP).
A vítima, Rogério Andrade de Jesus, foi morta dentro de casa, às 7h47 de 30 de julho de 2023, no Morro do Macaco Molhado, na Vila Zilda. A investigação identificou que o rapaz era inocente.
O Ministério Público denunciou os policiais Eduardo de Freitas Araújo e Augusto Vinícius Santos de Oliveira pelo crime de homicídio duplamente qualificado. A 3ª Vara Criminal de Justiça do Guarujá recebeu a denúncia e determinou que os PMs sejam notificados.
A acusação aponta que os PMs alteraram a cena do crime, incluindo de maneira forjada um colete balístico e uma pistola atribuída à vítima, além de terem obstruído propositalmente as câmeras corporais.
De acordo com a denúncia, Araújo foi o autor do disparo, enquanto Oliveira "previamente obstruiu a câmera corporal para que a citada conduta ilícita do colega não fosse filmada, bem como simulou arrecadar a pistola que estaria com a vítima".
Em interrogatório, os dois PMs afirmaram que já se envolveram em outras ocorrências que terminaram em morte antes da Operação Escudo.
O MP requisitou a suspensão do exercício da função pública, assim como o afastamento imediato dos dois policiais, medida que foi determinada pela Justiça.
A reportagem pediu entrevistas aos dois policiais militares por meio da assessoria de imprensa da SSP (Secretaria da Segurança Pública), mas os pedidos não foram atendidos.
Câmeras corporais salvaram PMs
Graças às câmeras corporais que mantinham na farda, a suspeita sobre os policiais militares Vitor Nigro Vendetti Pereira e José Pedro Ferraz Rodrigues Junior, que estavam na retaguarda de Araújo e Oliveira, caíram por terra.
As imagens demonstraram que Pereira e Rodrigues Junior não tiveram qualquer participação antes, durante ou depois da morte de Rogério.
Por meio das câmeras desses policiais foi possível saber a dinâmica da ocorrência:
- 7h26: PMs entram no Morro do Macaco, na Vila Izilda;
- 7h30: PMs abordam três homens, mas, em seguida, os liberam;
- 7h42: PMs observam a movimentação de suspeitos em uma viela;
- Em seguida, os PMs chegam até o local, conversam com um morador e continuam a incursão;
- PM Eduardo de Freitas Araújo vai até a casa de Rogério e tenta, durante um minuto, entrar na residência;
- PM Augusto Vinícius Santos Oliveira se posiciona atrás de Araújo, formando uma célula militar;
- 7h45: PM Eduardo de Freitas Araújo abre a porta da casa de Rogério sem tentar chamá-lo antes;
- 28 segundos depois: PM Eduardo de Freitas Araújo dispara um tiro de fuzil;
- Passados mais alguns segundos: PM Augusto Vinícius Santos Oliveira obstrui sua câmera corporal e entra dentro da casa;
- 07:47: PM Augusto Vinicius Santos Oliveira deixa sua câmera corporal sobre um armário, com imagem obstruída, recolhe um colete balístico, uma pistola e coloca ao lado do corpo de Rogério.
As imagens das câmeras corporais mostraram que o colete balístico estava escondido debaixo da capa que Araújo usava desde o momento que entrou na favela "com o objetivo de 'montar' o cenário do confronto, após realizar o disparo e colocar o colete balístico fraudulentamente na casa", narra a acusação.
Assim como ocorreu nas outras mortes da Operação Escudo, não houve a devida preservação do local do crime. Segundo a denúncia, o projétil que atingiu Rogério não foi encontrado. "O crime de homicídio consumado teve motivação torpe, porque os denunciados visaram vingar a morte do colega de Rora Patrick Bastos Reis", afirma a Promotoria.
Segunda operação mais letal
Ao todo, 28 pessoas foram mortas e outras três foram feridas por disparos de arma de fogo feitos por policiais militares na Baixada Santista durante os 40 dias da Operação Escudo, que começou no final de julho e terminou no começo de setembro de 2023 após a morte de um soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) no Guarujá.
A Operação Escudo foi a segunda ação mais violenta da história da PM paulista, atrás apenas do massacre do Carandiru, quando PMs da capital paulista mataram pelo menos 111 detentos em outubro de 1992. Dados do governo estadual, obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação) pelo UOL, demonstram que 23 batalhões da PM participaram da operação.
O governo paulista não revela quanto custou a operação, assim como também não informa a relação e a quantidade de armamentos e munições utilizados por PMs durante a Operação Escudo.
Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), o caso está sendo apurado pelo Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) de Santos, com apoio do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa). Em paralelo, o Ministério Público iniciou um PIC (Procedimento Investigatório Criminal) para cada morte.
"A pasta reforça que a existência da denúncia não desqualifica a operação, que em 40 dias prendeu 976 suspeitos, dos quais 388 eram procurados da Justiça, apreendeu 119 armas e quase uma tonelada de drogas. Sobre afastamento dos policiais citados, a SSP vai cumprir a determinação judicial", disse a SSP em nota enviada ao UOL.
"É importante salientar que a própria força-tarefa do MP já se pronunciou contrária a outras denúncias contra policiais que participaram da mesma Operação Escudo."
O que diz a Secretaria da Segurança
Por meio de nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que Sobre cumpriria a determinação judicial de afastar os PMs mencionados.
"A pasta entende que a promotoria exerce seu papel legal de apresentar uma denúncia-crime mesmo que baseada em indícios, que podem ou não ser confirmados ao final do processo legal. Contudo, é importante salientar que a própria força-tarefa do MP já se pronunciou contrária a outras denúncias contra policiais que participaram da mesma Operação Escudo", disse a SSP.
A secretaria relatou, contudo, que a existência da denúncia "não desqualifica a operação, que em 40 dias prendeu 976 suspeitos, dos quais 388 eram procurados da Justiça, apreendeu 119 armas e quase uma tonelada de drogas."