Munição restrita e suspeito sem pólvora: morte de PM no Guarujá tem lacunas
Uma pistola enferrujada, um exame residuográfico que não indicou pólvora nas mãos do principal suspeito e a localização de munição de uso restrito são lacunas na investigação sobre a morte do policial Patrick Bastos Reis, 30, no Guarujá, litoral de São Paulo. Depois do assassinato do soldado, ao menos 24 pessoas foram mortas por policiais militares na Baixada Santista.
Os elementos reunidos pelo UOL fizeram o CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) cobrar uma apuração detalhada sobre a morte do soldado durante audiência pública sobre a chacina na região.
A morte de Patrick
O soldado Patrick morreu após ser baleado próximo ao ombro direito. O tiro atingiu ponto do corpo que não estava protegido pelo colete à prova de balas. Ele estava sentado no banco de trás da viatura da Rota número 91.112.
Ao lado do PM, no carro da polícia, estava o cabo Fabiano Oliveira Marin Alfaya, de 39 anos. Ele foi atingido na mão esquerda e passa bem. A reportagem entrou em contato com Fabiano, que não quis se manifestar sobre a ocorrência.
Os tiros que atingiram o soldado e o cabo da Rota foram disparados, de acordo com a versão apresentada pelos PMs que testemunharam o ataque, a uma distância de cem metros. A ocorrência foi por volta das 22h30 de 27 de julho de 2023, no cruzamento entre a avenida da Saudade e a rua Conceição Vendramin Bernardino, que fica próximo ao túnel do morro da Vila Júlia, no Guarujá.
Há muitas dúvidas sobre a morte do policial Patrick, o governo do estado se recusa a responder. É urgente que a gente responda as denúncias de tortura, execução sumárias em torno das mortes da Baixada. Os governos devem ser responsabilizados pelo desastre da operação Escudo
Dimitri Sales, presidente do Condepe
A polícia afirma que o atirador se chama Erickson David da Silva, de 28 anos, conhecido como Deivinho. O exame residuográfico, que poderia identificar a presença de chumbo nas mãos dele e, consequentemente, comprovar a tese de que ele foi o atirador, deu negativo. Ele está preso.
Reportagem da Globo News, exibida na manhã desta sexta, identificou que um cartucho encontrado no local do crime tinha rastreamento. Isso indica que se trata de uma munição que foi adquirida pelo Estado para forças de segurança. O UOL teve acesso ao mesmo laudo e confirmou a informação.
Os disparos que atingiram o soldado e o cabo são compatíveis com uma pistola semiautomática, da marca Taurus, calibre 9 milímetros. A venda desse tipo de arma foi liberada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2019, quando o governo afrouxou medidas restritivas de armamentos. Ela voltou a ser de uso restrito com o governo Lula (PT).
Com a restrição, esse tipo de armamento, controlado pelo Exército, que só pode ser utilizado pelas Forças Armadas, algumas instituições de segurança, além de pessoas jurídicas e físicas habilitadas. Portar uma arma restrita sem permissão é crime hediondo.
O UOL teve acesso a uma fotografia de uma pistola calibre 9 milímetros, que teria sido apreendida próximo ao local do crime e que, segundo o governo paulista, foi usada para atirar contra o soldado e o cabo da Rota. Apesar de muito enferrujada, o IC (Instituto de Criminalística) atestou que ela funciona.
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Por meio de nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que todos os casos que terminaram em morte no Guarujá são investigados pela Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) de Santos. As apurações têm o apoio do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), além da própria Polícia Militar.
Segundo a pasta, "todo o conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, tem sido compartilhado com o Ministério Público e o Poder Judiciário".
Ainda segundo a SSP, a designação das equipes para o apoio às ações na Baixada Santista "foi pautada por critérios técnicos e operacionais, de forma a garantir o policiamento preventivo em todo o Estado, e não pela disponibilidade de materiais ou equipamentos".
A pasta ainda afirmou que os laudos oficiais elaborados pelo IML (Instituto Médico Legal) "foram executados com rigor técnico, isenção e nos termos da Lei". E que "em nenhum deles foi registrado sinais de tortura ou qualquer incompatibilidade com os episódios relatados".
Essa última informação contrasta com relatos de moradores e com laudo revelado pelo UOL. A reportagem identificou que o laudo necroscópico de Felipe Vieira Nunes, um dos mortos pela polícia no Guarujá durante a operação, omitiu marcas similares a queimaduras de cigarro encontradas no corpo do rapaz.
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