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'CSI brasileiro': ela ajuda a desvendar homicídios na maior cidade do país

Telma Rocha trabalhando em campo Imagem: Arquivo Pessoal

Do UOL, em São Paulo

05/01/2024 04h00

Telma Rocha é um dos principais nomes da perícia criminal de São Paulo. Hoje com 50 anos, ela dedica mais de metade da sua vida a ajudar a desvendar homicídios na maior cidade do país: são 29 anos como fotógrafa pericial do DHPP.

Ao UOL, ela fala sobre o trabalho, casos midiáticos em que atuou e curiosidades da profissão. A (falta de) rotina pode até ter um quê de CSI e outras séries investigativas, mas não deve ser glamourizada: é preciso muita atenção e responsabilidade para fazer o trabalho com excelência.

Eu preciso transportar pessoas muito importantes [para a cena do crime] e que não estão presentes: o juiz, o promotor, o defensor. Vendo minhas fotos, ele vai ter uma melhor leitura do laudo pericial. A narrativa consegue te levar para dentro da cena.
Telma Rocha, fotógrafa pericial

Dia a dia intenso

Função: deixar o lugar 'bem amarrado'. "Tem uma pegada. Essa pegada estava onde? Na entrada da porta do quarto. Esse quarto estava onde na casa? No piso superior. Como era o acesso ao piso superior? Por uma escada. Como era essa escada?", exemplifica ela. Todo esse trabalho deve ser feito em plena conexão com o perito, que é quem escreve o laudo técnico - tudo o que estiver lá deve ser encontrado em fotos também.

Telma Rocha esteve presente em cenas de crimes emblemáticos de SP Imagem: Arquivo Pessoal

Fotografia em primeiro lugar. O fotógrafo pericial é a primeira pessoa da equipe a entrar em uma cena de crime, porque precisa registrar tudo da forma mais fiel possível ao momento que tudo aconteceu. Nem sempre isso é possível, porque a equipe do DHPP pode demorar a ser acionada - isso só acontece quando a autoria do ato é desconhecida.

Infelizmente, a perícia é a penúltima a chegar no local. Antes já chegou o curioso, o familiar, a primeira viatura acionada. E aí vai o delegado, que vê se é autoria conhecida ou não. Só então ele volta para a base e aciona o DHPP. Todo mundo já circulou ali, mas não deveria.
Telma Rocha, fotógrafa pericial

Equipe reforçada em campo. Quando o DHPP é acionado, uma equipe reforçada se desloca para o local: vai o delegado, de dois a três investigadores, o perito, o fotógrafo e de dois a três papiloscopistas — quando necessário, vai também o desenhista técnico especial. O escrivão fica na base já adiantando trâmites.

Em busca de provas

Comprovando as teorias. Enquanto a equipe do DHPP vai até o local da ocorrência, existe toda uma estrutura atuando nos "bastidores" para que o crime seja solucionado. O Instituto de Criminalística é responsável por receber os vestígios coletados na perícia e submetê-los a diversos testes - são eles que vão provar ou não que diferentes manchas de sangue são da mesma pessoa, por exemplo.

Tudo o que a gente supõe que seja um norte para a investigação, a gente precisa provar cientificamente. [No Instituto] tem laboratório de toxicologia, de física, de química, a parte de investigação de produtos eletrônicos, de balística, laboratórios de DNA.
Telma Rocha, fotógrafa pericial

Setas podem ajudar peritos a mensurarem tamanhos de objetos Imagem: Arquivo Pessoal

Instrumentos de trabalho. Por vias de regra, tudo o que o fotógrafo precisa levar para o campo é uma câmera e sinalizadores de mensuração de tamanho. No entanto, a experiência - e as dicas do pai, também fotógrafo pericial - fizeram Telma andar preparada. Ela carrega tudo o que pode ser útil a um perito.

Fotógrafa não precisa 'só fotografar'. "Eu entendo que a minha função não é só fotografar. A minha função é fazer parte de uma equipe de perícia criminalística. Então, eu quero que aquilo funcione. A minha mala, às vezes, é mais pesada que as dos peritos."

O que você pensar que um perito precisa, eu tenho. Luminol? Eu tenho. Água destilada? Eu tenho. Swab para coleta de material biológico? Tenho. Espelho para conseguir fotografar em ângulo? Eu tenho. Esqueceu de pegar o tubo falcon? Tenho.
Telma Rocha, fotógrafa pericial

Uma pitada de sorte

Telma reconhece que é uma boa profissional, mas também muito sortuda. "Tem uma frase de efeito: 'nunca foi sorte, sempre foi trabalho'. Não, eu tive sorte. Eu tive sorte de estar de plantão quando determinados crimes aconteceram em São Paulo. Podia não ser meu plantão e eu nunca ter passado por eles."

Eu passei por Maníaco do Parque, reconstituição da morte de Celso Daniel, Maníaco da Cantareira, assassinato da PM Juliane, caso Pesseghini, Marcos Matsunaga. O único que eu não estava de plantão foi dos Richthofen.
Telma Rocha, fotógrafa pericial

Prática leva a experiência, mas cada caso é um caso. Para Telma, o profissional precisa saber "ouvir" o que a cena de um crime quer dizer - a posição de um ferimento, as manchas de sangue. Para isso, noções de vitimologia, para compreender a vítima, e criminologia, para tentar entender a cabeça do criminoso, são essenciais para fazer uma leitura do que aconteceu. No entanto, essa análise é apenas mais uma aba em um leque de possibilidades.

Cada caso vira uma "pasta de arquivo" na caixinha das experiências pessoais. "Quando você pegar outra situação semelhante àquela, você vai ter uma linha para pensar. Se você estudou um pouco e chega num local munido de muita informação, você consegue abrir esse leque e vai ventar bem mais", explica.

Como tudo começou

Fotógrafa perita por acaso, mas nem tanto. Apesar de não ser seu sonho, a profissão sempre esteve presente no seu dia a dia: o pai era fotógrafo pericial, assim como a prima e o tio. Outros dois primos são peritos. "Cresci em um ambiente pericial. Fiz magistério e vi no jornal de concursos uma vaga aberta. Pensei em fazer uma surpresa para o meu pai", conta ela.

Telma Rocha entrou no DHPP em 1994 Imagem: Arquivo Pessoal

Pai ficou 'feliz e triste' ao mesmo tempo. Telma acredita que o misto de sentimentos se deu por ela ser mulher e a filha caçula, e ele saber que o ambiente de trabalho seria hostil. Mesmo assim, fez questão de ensiná-la segredos da profissão - desde a composição da película fotográfica, o manejo de máquinas analógicas, até o processo de revelação dos filmes.

Telma entrou no DHPP em 1994, com pouco mais de 20 anos. Sua primeira ocorrência estava relacionada ao Maníaco das Dentistas. "Eu era só sorriso dentro da viatura porque o barulho da sirene me fazia entrar em um estado de nervo tão grande que eu ria. Era muito específico, um serial killer", lembra.

Invertida do delegado. "Lembro de o delegado chegar para mim e perguntar se eu estava feliz. 'Então, chupa um limão, porque tem familiares no local e você está sorrindo', ele disse. Aquilo me marcou por eu começar a entender onde eu estava trabalhando - e que eu estava trabalhando com vidas. É uma coisa que me marca muito."

Profissão não tem glamour. Telma conta que, ao entrar para as redes sociais para falar do seu trabalho, ficou surpresa com uma certa glamourização da profissão. "É uma área que você tem que valorizar, não glamourizar, porque temos uma experiência de qualidade", aponta.

É um trabalho que traz muita tristeza, porque você pega locais com crianças, e precisa aprender a lidar com isso. Mas também traz muita satisfação quando você se empenha e, dias depois, vem o resultado de que o seu trabalho surtiu efeito ao ponto de a investigação conseguir prender o autor.
Telma Rocha, fotógrafa pericial

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