'Faxineira' de cena de crime vai onde ninguém quer e revela seu maior medo
Uma pessoa é encontrada morta depois de dias sem contato com a família. Outra foi vítima de um homicídio depois de ter sua própria casa invadida — o local indica que houve luta corporal e resultou em muito, muito sangue.
Em casos de mortes violentas, o cadáver é recolhido e levado para necropsia no Instituto Médico Legal (IML). Mas, e o que acontece depois? Quem limpa aquela casa?
"Fui treinada para fazer todos os tipos de limpeza: decomposições, óbito provocado, de acumuladores, desinfecção e desodorização de ambientes. As situações são muito parecidas e, onde tem risco biológico, a gente vai", explica Clícia Mulet, de 32 anos.
Ela trabalha em uma empresa especializada na limpeza de ambientes que oferecem risco biológico em São Paulo. São serviços que vão muito além de água, sabão e esfregão.
"Limpamos o que outros não devem, não podem ou não querem fazer", define a frase no perfil da Biodecon nas redes sociais.
Serviços a partir de R$ 4 mil
Clícia foi cabeleireira por oito anos e chegou a fazer curso para ser comissária de bordo, mas não atuou na área. Ela logo foi trabalhar com o pai, que na época tinha uma empresa de conserto de instrumentos cirúrgicos e desinfecção hospitalar.
Uma morte na família, em que o corpo foi encontrado dias depois, chamou a atenção do empresário e sua filha para outro nicho: a falta de empresas especializadas no serviço de limpeza pós-óbito no Brasil.
"Foi uma luta para a gente limpar", lembra ela, que logo em seguida foi aos Estados Unidos para fazer um curso especializado que incluía a limpeza depois da morte, de cena de crime, de traumas e acidentes e de acumuladores compulsivos.
Ela explica que, na maioria das vezes, os serviços são contratados por parentes da pessoa morta ou pelo condomínio onde ela morava — principalmente se o caso aconteceu em alguma área comum do prédio. E não existe uma demanda fixa por mês.
A empresa cobra, em situações pós-óbito, a partir de R$ 4 mil — incluindo limpeza, desinfecção e desodorização. Mas o preço varia a depender de quanto tempo o cadáver ficou no local, o tipo de piso da casa, entre outros fatores.
'Cheiro é muito forte'
A decomposição do corpo humano começa quase imediatamente após a morte: não é incomum que fluidos como urina e fezes sejam liberados pelo cadáver.
Newsletter
PRA COMEÇAR O DIA
Comece o dia bem informado sobre os fatos mais importantes do momento. Edição diária de segunda a sexta.
Quero receberBastam apenas dois ou três dias para que a fase de putrefação comece. Bactérias do intestino se alimentam de outros microrganismos, liberando gases.
Quem já presenciou uma cena de crime, ou um cenário após morte violenta, garante que a visão — e o odor — não são nada agradáveis. A depender de como aconteceu, partes do corpo podem ser encontrados a metros de distância, até mesmo em outros cômodos.
"O cheiro é muito difícil [de descrever], mas é muito pior do que o de um animal morto. Se a pessoa tomava muitos remédios, é um cheiro muito mais forte", relata ela.
A profissional também destaca que nunca trabalha sozinha: os serviços são feitos, pelo menos, em dupla e podem demorar até 10 horas para serem concluídos. Seu maior medo na função não é da sujeira pesada: na verdade, ela faz de tudo para evitar deixar algum vestígio para trás e traumatizar a família que contratou a limpeza.
É difícil a gente deixar, de repente, alguma coisa e um parente entrar na casa e ver. Se isso acontece, quer dizer que a gente não cumpriu o nosso trabalho direito. A pessoa acabou tendo um trauma do mesmo jeito.
Limpeza cuidadosa
Na limpeza, Clícia se veste com macacão, luvas e máscara respiratória. Pode parecer excesso de zelo, mas não é: mesmo que a morte seja natural, o processo de decomposição é visto como um fator de risco biológico.
Se você jogar água e sabão em cima do sangue e passar o rodo, você vai espalhar o líquido para outros ambientes e contaminá-los. É igual lixo hospitalar: você não pode descartar em lixo comum. Esse tipo de resíduo tem de ser contido ao máximo.
"No início, a gente faz uma limpeza a seco para remover o sangue, gordura e pedaços do corpo. Só depois vem a desinfecção, onde utilizamos produtos hospitalares, diferentes dos encontrados em mercado", explica Clícia.
Por último acontece o processo de desodorização, feito com uma máquina que libera um gás capaz de "queimar" as partículas de odor que ainda restaram no ambiente.
Ela detalha que existem alguns fatores que podem dificultar a limpeza. No caso de lugares com piso de madeira, que é muito poroso, é necessário retirar os tacos que absorveram sangue.
"A gente usa um indicador biológico se tivermos dúvidas se tem sangue infiltrado na madeira. Aplicamos o reagente e, se tiver, ele borbulha. E é preciso remover [o taco] porque, por mais que a gente limpe, não vai sair", diz.
O mesmo acontece com colchões, estofados e outros móveis ou roupas que aparecem pelo caminho. O descarte deles, quando necessário, e dos EPIs usados por Clícia é feito por uma empresa especializada em incineração de resíduos infectantes.
'Olhei e vi fotos da família'
Na profissão desde 2019, Clícia relata que já viu praticamente de tudo — alto volume de sangue, partes de corpo, pele muito decomposta. Mas alguns casos a marcaram mais, como um que aconteceu na região central de São Paulo.
"Era um homem que morava com a irmã, que desceu para passear com o cachorro. Ele ficou sozinho, assistindo à TV na cama, quando um homem entrou pela janela para assaltar. Houve luta corporal, golpes de faca e muito sangue", lembra.
Eu estava limpando, olhei para cima e vi uma prateleira com várias fotos da vida inteira do rapaz. Fotos dele, com os pais, com os amigos, com os irmãos, ele criança. Aquilo me marcou muito. Ele viveu igual qualquer pessoa, teve seus altos e baixos, teve memórias, e aí alguém simplesmente foi lá e decidiu tirar a vida dele.
Deixe seu comentário