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Erro histórico do jornalismo brasileiro, caso Escola Base completa 30 anos

A casa de um dos acusados no Caso Escola Base em 1994, foi alvo de depredação pela massa ensandecida Imagem: Jusbrasil

Do UOL, em São Paulo

28/03/2024 04h00

No dia 28 de março de 1994, uma denúncia de um suposto abuso sexual na Escola Base, no bairro Aclimação, na região central de São Paulo, mudaria para sempre a vida dos donos do local e entraria para a história como um dos maiores erros do jornalismo brasileiro.

O caso Escola Base

Os proprietários da Escola Base foram denunciados injustamente. Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, a professora Paula Milhim e o esposo, o motorista Maurício Alvarenga, foram acusados de abuso sexual de crianças de quatro anos, alunos do local.

Havia também queixas de que os quatro aproveitavam o horário escolar para levar os estudantes para moteis, onde seriam filmados e fotografados nus.

Mesmo sem mandado, a polícia foi acionada e fez buscas tanto na escola, quanto na casa de uma das crianças citadas na denúncia. Como voltaram sem provas, as mães denunciantes telefonaram para a TV Globo, pedindo ajuda.

A mídia, à época, reproduziu a história, mesmo com a falta de provas. Jornais de grande circulação, programas de TV e rádio passaram a acusar os donos e funcionários da escola de pedofilia, provocando uma comoção contra os envolvidos, que precisaram se esconder. O local, inclusive, chegou a ser atacado por vândalos.

Em entrevista ao UOL em 2022, Ricardo Shimada, 44, filho de Icushiro e Maria Aparecida, relembrou uma fala de Hebe Camargo, em que a apresentadora teria pedido a morte de seus pais.

Eu não sei se não acharam todo o arquivo original, mas ela pediu a morte dos meus pais. Nesse dia que a Hebe falou disso, a minha mãe sofreu um derrame no olho por todo o estresse que já estava passando e ela estava num oftalmologista. Logo que a Hebe falou isso, foi lançada a prisão preventiva dos meus pais. Na hora, eu liguei para eles e mandei eles irem embora porque seriam presos.
Ricardo Shimada

No entanto, tudo era mentira. Investigações posteriores confirmaram que nenhum dos acusados participou de abusos sexuais contra os alunos.

O estrago, porém, já estava feito. Icushiro e Maria Aparecida precisaram fechar a escola e mudar de São Paulo para recomeçar a vida. Apesar do amor pelo ofício, eles não voltaram a trabalhar na área da educação.

Fachada da Escola Base, que foi vandalizada após as denúncias infundadas Imagem: Reprodução

Mea culpa

O mea culpa da imprensa começou ainda em 1994. Jornais da época frisaram em notícias e manchetes a falta de provas contra os acusados e o pesadelo vivido por cada um deles.

O pedido de desculpas mais contundente foi o de Valmir Salaro, ex-repórter da Rede Globo. O jornalista, autor da primeira reportagem sobre o tema na época, lançou na Globoplay, em 2022, o documentário "Escola Base - Um Repórter Enfrenta o Passado".

A produção esmiúça os fatos e explica o lado de Valmir na história. Em entrevista ao "Fantástico" (TV Globo) na época de lançamento do documentário, o jornalista destacou a importância de alertar as próximas gerações sobre os erros cometidos naquela época.

A maioria dos jornalistas que cobriram o caso nunca quis falar sobre o erro. As pessoas, obviamente, preferem falar sobre os seus acertos e as grandes reportagens que fizeram. Eu não. Eu acho importante falar sobre o erro da Escola Base em todos os aspectos para alertar, não só os colegas, mas também os novos jornalistas
Valmir Salaro

Valmir Salaro foi o primeiro a noticiar sobre o caso da Escola Base Imagem: Divulgação/ Globo

Para Emílio Coutinho, autor do livro "Escola Base", de 2016, o documentário foi uma boa forma de recuperar imagens. Segundo o jornalista e escritor, muitos registros da época haviam "sumido". "Acho importante que a Globo tenha aceitado falado desse caso, mesmo que tanto tempo depois", pontua Coutinho.

Salaro disse ao UOL, também em 2022, que se arrepende de ter feito a primeira reportagem sem insistir no contato pessoal com os donos da escola e com os outros investigados que tinham sido denunciados pelas mães. "Ao ouvi-los, eu poderia ter desconfiado mais, poderia ter tido uma outra impressão daquela história que, num primeiro momento, me pareceu muito verdadeira".

O jornalista também prefaciou o livro "O filho da injustiça", publicado por Ricardo Shimada em 2023.

O perdão

Mesmo com os traumas e as lembranças dos momentos ruins, Ricardo disse ao UOL que não tem mais mágoa dos envolvidos - principalmente de Valmir Salaro.

Por mais que ele tenha errado, a gente já conversou e ele já me pediu perdão pelo que aconteceu. Afinal, ele foi a única pessoa de caráter que quis conversar, não foi nem só para pedir perdão, mas falar conosco. Tem muitas pessoas envolvidas, não só as mães e os delegados, há vários repórteres, diz Ricardo.

Valmir Salaro e Ricardo Shimada, filho do casal de proprietários da Escola Base, já falecidos Imagem: Globo/Bob Paulino

Valmir contou ao UOL como se sentiu ao retornar à história para a produção e encarar as pessoas ligadas à Escola Base. "A todo momento, antes dos encontros, eu me perguntava como os envolvidos no caso me receberiam, se aceitariam minhas desculpas, se entenderiam o que me fez fazer aquela primeira reportagem. Então foi um processo difícil, de muita angústia", explica.

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