Clarinha: a paciente misteriosa que viveu 24 anos em coma e espera enterro
Ela venceu a pandemia da covid-19, não teve a doença, nem gripe, dengue ou qualquer tipo de infecção desde quando entrou no Hospital da Polícia Militar do Espírito Santo, há quase 24 anos. Clarinha descansou, de vez, no último dia 14 de março. Até hoje, a Polícia Civil capixaba tenta descobrir onde estão os parentes da paciente, que, segundo os médicos, deve ter 64 anos. A busca agora é para que a idosa possa ser sepultada —a equipe não quer que ela seja enterrada como indigente.
Quem é Clarinha?
Um acidente grave, no Centro de Vitória, quase tirou a vida da mulher que foi socorrida sem qualquer tipo de documento. Clarinha foi atropelada por um ônibus e imediatamente entubada pelos enfermeiros do serviço de emergência. O acidente aconteceu no Dia dos Namorados, em 12 de junho de 2000. Ela entrou no hospital já desacordada, ficou na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e nunca mais retomou a consciência.
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Em 2016, o médico que até então cuidava da paciente, o coronel Jorge Potratz, resolveu apelidar ela de Clarinha, por causa da cor da pele. Antes, pelos corredores, eles a chamavam de "não identificada". Potratz passou a ser o melhor amigo de Clarinha, um carinho sem igual.
Acredito que Deus tenha um propósito, não sei qual ainda especificamente, mas para mim, para minha vida, e talvez até para dela também, não sei. Alguma situação mais espiritual que possa estar envolvida, mas assim, só o tempo vai me mostrar isso. Sempre tive um carinho enorme por ela, algo indescritível. Jorge Potratz.
"Ela nunca teve nada, nunca tomou um antibiótico"
A notícia da partida dessa paciente pegou muita gente de surpresa. Clarinha não resistiu e morreu durante o dia 14 do mês passado, depois de uma complicação respiratória.
Pra mim, foi uma grande surpresa porque, de fato, nesses 24 anos, foi a primeira vez que ela teve um problema efetivo de saúde dentro do hospital. Ela nunca teve nada, não teve gripe, covid, não teve pneumonia, nem infecção urinária. Ela nunca tomou antibiótico enquanto esteve internada lá. Então, é assim, um fato até inusitado isso, porque é muito comum pessoas dentro de hospital pegarem infecção, por conta de estarem debilitadas e tudo mais, contou o coronel Jorge ao UOL.
A busca pelos familiares
Desde o início do caso, a Polícia Civil tentou fazer de tudo para conseguir localizar os parentes da idosa. O caso tomou proporção nacional, e mais de 100 famílias procuraram o órgão, mas não a reconheceram. Com o avanço da tecnologia e da medicina, a Polícia Científica começou a fazer exames de compatibilidade.
Até o momento, foram realizados doze testes, oito por digitais que deram negativo, e outros quatro no formato de DNA. Faltam dois resultados que devem sair nos próximos dias.
Nós fizemos um comparativo de materiais genéticos para testar se há algum tipo de grau parentesco para ver se encontramos algum parente da Clarinha. Tivemos materiais do Espírito Santo, São Paulo e Brasília e estamos aguardando o resultado. Se der positivo, nós vamos comunicar a família para que ela possa fazer todo o processo de reconhecimento e sepultamento da idosa, explicou o chefe do Departamento Médico-Legal, Wanderson Lugão, ao UOL.
Corpo congelado a -10?°C
Enquanto o resultado dos últimos exames não ficam prontos, o corpo de Clarinha segue congelado em uma geladeira específico do DML (Departamento Médico Legal) de Vitória.
"A temperatura chega a ser -10°C, de forma que o corpo fica altamente conservado sem qualquer tipo de dano, fica preparado depois para todo o trâmite para a funerária e também para o enterro", contou Lugão.
Clarinha ainda não tem uma data final para ser sepultada, aguarda o resulta dos últimos exames. Por outro lado, Jorge já está preparado para dar entrada em todo o processo para formalizar o nome de Clarinha. Em um procedimento normal, um corpo sem identificação depois de 30 dias no DML, é enterrado como indigente.
Sem data para o sepultamento
Um dia antes dela morrer, a justiça deu a Jorge, uma autorização pra registro tardio de nascimento, que autoriza, por exemplo, ele a fazer o registro dela em cartório de nascimento. Só que o documento vai somente com o nome de Clarinha, sem sobrenome e sem data de nascimento.
Se o DML informar que não tem mais exames para fazer e que o corpo está liberado, darei entrada no registro dela de nascimento tardio. Devo levar essa documentação no órgão para emitirem a declaração de óbito com o nome registrado e ela fica liberada para sepultamento. Isso não depende da justiça mais, isso depende apenas do DML finalizar lá, a autorização já está dada, contou Jorge.