Assassino de CEO virou 'símbolo contra a desigualdade', diz especialista
Desde a morte do CEO da United Healthcare, a figura de seu assassino foi glorificada e tratada como um herói das classes média e baixa. Nas redes sociais, usuários defendem o principal suspeito, Luigi Mangione, e pedem sua liberdade, argumentando que ele não fez nada errado.
Suspeito de assassinar CEO foi glorificado nas redes sociais
Web celebrou morte de CEO da UnitedHealthcare. O Instituto de Pesquisa sobre Contágio em Rede aponta que publicações elogiosas ao assassino ou contrárias a Brian Thompson alcançaram dezenas de milhões de impressões. Das dez postagens sobre o caso com o maior número de interações, seis expressaram apoio explícito ou implícito ao assassinato, ou renegaram a vítima.
Luigi Mangione é visto nas redes sociais como "vigilante contra a ganância corporativa". Para Ioana Literat, professora de comunicações e mídia da Universidade de Columbia, a popularidade de Mangione pode ser atribuída à frustração generalizada com o sistema de saúde dos Estados Unidos. Ao atacar um CEO de uma das maiores empresas do ramo, ele se tornou "símbolo de rebelião contra desigualdades sistemáticas".
As plataformas amplificaram sua história e permitiram que as pessoas criassem narrativas em torno dele que se adequassem às suas perspectivas ideológicas. Memes, hashtags e discussões o humanizaram ou o glorificaram em alguns círculos, retratando-o como um vigilante contra a ganância corporativa. Essas narrativas simplificadas geralmente ignoram as complexidades morais e éticas de suas ações, mas ressoam emocionalmente com os usuários, especialmente em espaços onde as frustrações com a saúde são frequentemente expostas. Ioana Literat, professora de comunicações e mídia da Universidade de Columbia
Americanos passaram a vender produtos com rosto de Mangione. Um camiseta na loja TeePublic, por exemplo, mostra Luigi Mangione como um santo. Outros produtos como canecas, moletons e até ursinhos de pelúcia carregam a frase "Free Luigi" (Libertem Luigi), e fotos dele.
Vaquinha para gastos jurídicos de Mangione acumulou mais de 160 mil dólares. Criada como Fundo Legal Luigi Mangione, vaquinha não busca "celebrar a violência", mas permitir que o suspeito tenha representação legal justa. Até o momento, mais de 5,6 mil pessoas doaram.
Glorificação de Mangione parte também da consciência de classe, analisa professora. Literat entende que o ódio contra o CEO da UnitedHealthcare e a adoração de seu assassino vêm de "queixas específicas sobre o sistema de saúde", mas também de um "elemento de consciência de classe emergente", mesmo que seja "limitada e específica".
É menos sobre uma crítica ampla ao capitalismo e mais sobre mirar em uma indústria específica que parece unicamente impessoal e predatória. A assistência médica toca todas as facetas da vida, e as frustrações com ela transcendem as divisões políticas tradicionais. Ioana Literat
Enquanto isso, muitos estão chocadas com morte de CEO por ser "inesperada". A professora entende que a morte de um CEO é um evento "grande e visível que parece raro e extremo", o que traz atenção das massas. "Ele desafia nosso senso de segurança e ordem, especialmente para aqueles que veem os líderes corporativos como símbolos de estabilidade ou sucesso", complementa.
Milhões de americanos não tem seguro e taxa de negação de pedidos é alta
Sistema de saúde nos Estados Unidos é baseado em planos privados. Os EUA são o único país desenvolvido que não tem cuidado universal de saúde. O serviço acaba sendo oferecido por empresas, que frequentemente recusam cobertura de cirurgias, medicamentos ou mesmo anestesia. Além disso, um levantamento do Centro Nacional de Saúde dos EUA publicado em julho deste ano aponta que 25 milhões de americanos, sendo 2,8 milhões de crianças, não tinham acesso pleno à saúde em 2023.
Indignação contra seguradoras de saúde une esquerda e direita nos EUA. "Quer você esteja à direita ou à esquerda, provavelmente já passou ou ouviu histórias de tratamentos inacessíveis, pedidos negados ou ruína financeira devido a despesas médicas", aponta Literat.
Ódio de muitos usuários parte de recusas de tratamento. Comentários e publicações relatavam experiências pessoais de clientes da UnitedHealthcare que tiveram pedidos para cirurgia, exames e medicamentos negados. "Segundo a companhia dele, a parada cardíaca do meu marido não era uma emergência e ficamos com 3 mil dólares em dívidas", aponta uma usuária. Já outro publicou um documento mostrando como a empresa negou que seu filho, com paralisia cerebral, utilizasse uma cadeira de rodas por não ser "medicamente necessário".
Mais de 100 milhões de americanos têm dívidas relacionadas a saúde. A dívida conjunta dessas pessoas ultrapassa os 220 bilhões de dólares, segundo o Gabinete de Proteção Financeira do Consumidor. O custo é considerado o maior problema do acesso à saúde para 23% dos americanos, e 79% deles se dizem insatisfeitos com o valor desembolsado para cuidarem da própria saúde.
51% dos americanos consideram cobertura de saúde negativa. Pesquisa conduzida pelo instituto Gallop aponta que 23% veem que a indústria da saúde é bastante negativa, e 28% acreditam que é parcialmente negativa; 31% dos entrevistados considera a cobertura positiva, com 11% acreditando ser muito positiva e 20% parcialmente positiva.
UnitedHealthcare é a seguradora de saúde que mais nega pedidos de pacientes. Um levantamento publicado pela Forbes e pelo Boston Globe mostra que a UnitedHealthcare nega 32% dos pedidos de seus pacientes. A média nacional dos Estados Unidos é de 16%.
"Dificuldades dos clientes da UnitedHealthcare são tão comuns que se tornaram quase invisíveis". Literat acredita que os problemas dos clientes não chegam aos noticiários porque acontecem com muitas pessoas silenciosamente, ao longo do tempo, em vez de acontecerem juntos. "É mais fácil ignorar o sofrimento cotidiano quando ele parece ser apenas 'o jeito que as coisas são'", explica.
Relembre o caso
Brian Thompson, 50, estava em frente ao Hilton de Midtown, onde uma conferência de investidores era realizada. Ele faria uma apresentação no evento, mas foi atingido pouco antes das 7h (9h, no horário de Brasília) do dia 4 de dezembro.
Policiais tentaram reanimar Thompson e o levaram a um hospital, onde a morte foi confirmada. "Estamos profundamente tristes e chocados com o falecimento de nosso querido amigo e colega Brian Thompson, diretor-executivo da UnitedHealthcare", disse a empresa em comunicado.
Suspeita de crime premeditado. O chefe dos detetives da Polícia de Nova York, Joseph Kenny, informou que o atirador chegou a pé cinco minutos antes de Thompson, que aparentemente caminhava sem seguranças em frente ao hotel. A esposa dele afirmou à TV NBC que o marido tinha recebido ameaças recentes.
Arma utilizada é semelhante às usadas por fazendeiros para abater animais. O Departamento de Polícia de Nova York indicou que se trata de uma pistola de 9 milímetros comumente usada para abater animais em silêncio. Diferente do que se pensava, o assassino provavelmente não usou um silenciador.
FBI ofereceu recompensa de 50 mil dólares (R$ 300 mil) por informações sobre paradeiro de assassino. Após matar o CEO da UnitedHealthcare, ele teria ido de bicicleta ao Central Park. Em seguida, pegou um táxi até a estação de ônibus da ponte George Washington, que oferece viagens para Nova Jersey, Filadélfia e Washington D.C.
Mochila abandonada foi encontrada no Central Park na última sexta-feira (6). A polícia acredita que a bolsa era do responsável pela morte de Brian Thompson, mas não informou o que havia dentro dela. Um oficial disse à CNN que a mochila continha uma jaqueta e dinheiro do jogo Monopoly.
UnitedHealth Group faturou 100 bilhões de dólares no terceiro trimestre de 2024. A UnitedHealthcare, administrada pela vítima, é um braço da companhia que administra produtos de saúde, como Medicare e Medicaid, para pessoas idosas e de baixa renda, financiados pelos orçamentos estatais.