Com hospitais alagados, voluntários criam abrigo para tratar câncer no RS

Com ruas e estradas bloqueadas e hospitais inundados, médicos receberam centenas de ligações de pacientes preocupados com interrupção de tratamentos de câncer. Diante do problema, um abrigo foi criado para resolver os gargalos.

O que aconteceu

Foram 810 demandas até a quarta-feira. Havia casos de tratamentos interrompidos por falta de acesso aos hospitais, revelou o professor e médico de oncologia Rafael José Vargas Alves.

Os pacientes relataram também perda de receitas, falta de medicamentos e dificuldade de contato com hospitais. Muitas unidades de saúde foram inundadas e trabalhavam com pessoal reduzido porque a casa dos funcionários foi atingida, declarou o professor.

O principal motivo para interromper os tratamentos foi a falta de transporte. "A gente tenta reconstruir essa ponte entre o paciente e a instituição que fazia o tratamento", contou Rafael José.

Voluntários usam seus próprios carros para levar os pacientes aos hospitais. Reunir todas as pessoas que precisam de tratamento num único lugar facilita a logística, afirmou o professor.

O abrigo abriu na quarta-feira (15), mas na noite anterior já havia paciente chegando. "A gente está fazendo a procura desses pacientes, a busca ativa", disse o professor.

Ele conta que o prejuízo é maior para quem não começou o tratamento. Nos casos que as sessões começaram existe uma janela de até 15 dias em que não há problemas.

OS pacientes recebem um kit com produtos de higiene pessoal e passam por triagem
OS pacientes recebem um kit com produtos de higiene pessoal e passam por triagem Imagem: Felipe Pereira/UOL

Cuidado em tempo integral

O recém-chegado passa por uma triagem. Profissionais de saúde montam uma espécie de prontuário com a rotina de sessões de tratamento, medicamentos que o paciente toma, receitas necessárias e limitações alimentares.

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Uma equipe de nutricionistas garante que as refeições respeitem as particularidades dos pacientes. Muitas pessoas que estão no abrigo especializado em oncologia têm comorbidades como hipertensão e diabetes.

O abrigo tem um médico e uma grupo de estudantes de medicina 24 horas por dia. Eles trabalham como voluntários e há uma lista de 60 pessoas que se organizam por WhatsApp para não faltar gente na escala.

A Santa Casa e médicos de Florianópolis enviaram remédios. Há medicamentos contra efeitos colaterais da quimioterapia, radioterapioa e imuniterapia. O organismo pode reagir com enjoo, dor, cansaço e outros incômodos.

O foco é garantir um espaço o mais confortável possível para o paciente. "Um abrigo comum não consegue dar atenção individual", resume a estudante de medicina e voluntária Ana Carolina Rocha.

A capacidade de atendimento vai de 15 a 30 pacientes. A variação ocorre porque existe a preocupação de não afastar a pessoa em tratamento dos filhos, o que pode aumentar o número de acompanhantes.

Até o momento, o abrigo especializado em oncologia tem somente três pessoas. Há a previsão de outros 15 chegarem na segunda-feira. O número de sessões varia conforme o protocolo de tratamento e por isso a quantidade de pacientes é bastante flutuante.

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Miguel estava dormindo no estacionamento de hospital para não parar o tratamento
Miguel estava dormindo no estacionamento de hospital para não parar o tratamento Imagem: Felipe Pereira/UOL

Apoio emocional

Muitos pacientes de câncer ficam sem perspectiva sobre o futuro, afirma Rita Lupion, uma das psicólogas do abrigo. Ela fala que a enchente reforça este sentimento e por isso o foco das conversas com os recém-chegados foi mensurar esta situação.

Rita ressaltou que manter os filhos próximos é crucial para vencer esta situação. Estar num abrigo especializado ajuda porque é possível cuidar de cada caso de forma individual. "Eles querem que uma pessoa olhe para eles, entenda o que eles passam".

A psicóloga conta que foi chamada de deusa e de anjo. Ela explicou que declarações desta natureza revelam o tamanho da sensação de desamparo que o risco de interrupção nos tratamentos causa .

A situação dos pacientes podem ser surpreendentes. Astelio Miguel dos Santos, 47 anos, estava dormindo num carro no estacionamento da Santa Casa. Morador de Campo Bom, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre, ele conseguiu um colchão e agora tem algum conforto entre um sessão de radioterapia e outra.

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