'Parecia guerra': o resgate em Eldorado do Sul, que foi 100% evacuada
A paulistana Mariana Menezes, 47, escolheu Eldorado do Sul (RS) para ser o local em que iria se aposentar e passar o resto de sua vida. Ao lado do marido e dos três filhos, a ideia era construir uma casa em um terreno recém-comprado. "Queria viver lá para sempre", conta ao UOL.
Assim como a maior parte da população, Mariana foi obrigada a deixar a casa depois da evacuação total da cidade, que foi completamente tomada pelas águas.
Com outras 40 pessoas, ela conseguiu abrigo em um prédio de dois andares localizado no "ponto mais alto" da cidade. O grupo foi resgatado no domingo (4) de helicóptero e barco.
'Subimos em telhado para pedir ajuda'
Quando a água começou a subir mais do que esperava, Mariana resolveu ir para um prédio localizado perto de onde mora. Lá, mais pessoas foram aparecendo para pedir ajuda. Ao todo, eram 40 pessoas, com bebês, crianças e idosos, além de mais de 20 cachorros.
A enchente chegou, no sábado (3), ao primeiro andar, enquanto o grupo estava no segundo. A situação começou a deixar todos apreensivos. Eles já estavam fazendo racionamento de comida e água —e de ração para os cachorros.
Resolvemos subir no telhado do prédio, segurando panos vermelhos, para pedir ajuda. Nossa preocupação era que os helicópteros conseguissem ver que tinha gente ali precisando de resgate.
Mariana conta que algumas pessoas ainda tinham pouca bateria e um leve sinal nos celulares — a energia já estava cortada na cidade. Com isso, resolveram falar com amigos que vivem em Porto Alegre para pedir ajuda da Defesa Civil.
No domingo, a situação já estava estressante: a água começou a acabar. Chegamos a pegar água da chuva para ajudar. A coisa realmente ficou tensa. Mas à tarde, um helicóptero do Comando de Aviação do Exército parou no telhado. Saímos correndo. Consegui entrar com meu marido e três filhos, além de outros idosos.
A outra metade do grupo conseguiu ajuda com os barcos de voluntários. Os cachorros ficaram e, depois, os moradores se uniram para resgatá-los de lá.
'Situação surreal'
Mariana explica que, assim que o helicóptero pousou, as pessoas foram deixadas em uma estrada. Lá, voluntários com carros "grandes" levaram os resgatados até Porto Alegre.
A entrada da cidade estava caótica porque só tínhamos um caminho para chegar até ali. Havia muita gente chegando de resgate, gente saindo com barco, buscando cachorro. Parecia uma cena de guerra. Uma situação surreal.
A paulistana, que trabalha com comunicação, está vivendo em um apartamento alugado em Porto Alegre "no improviso", sem saber quando as coisas voltarão ao normal.
Há vários pontos da cidade sem água e, para tomar banho, conseguimos encontrar vagas em clubes que ainda têm água. Conseguimos algumas roupas de doação. Quando fui tentar comprar meia, calcinha e cueca para as crianças, não achei em nenhum supermercado. A situação de desabastecimento está ruim, mas, aos poucos, as coisas vão melhorando.
A família já morou no Texas, nos Estados Unidos, onde presenciaram a passagem de um furacão, o que trouxe alguns ensinamentos, principalmente na hora que tiveram de deixar a casa.
Peguei um pouco de roupa e dividi nas mochilinhas dos meus filhos, além de comida, água e ração para cachorro. Coisas mínimas para sobreviver. Estamos realmente vivendo um dia de cada vez. Sabemos que será uma situação prolongada, pois estamos há duas semanas longe de casa. Sinto receio de nossas coisas que estão lá, pois sabemos dos roubos.
'Não imaginávamos que a água iria subir tanto'
Morando em Eldorado do Sul há cerca de três anos, Mariana disse que ninguém imaginava que a água iria atingir o nível que chegou — mesmo depois de enchentes na região.
A gente sabia que era uma região suscetível a enchentes, mas não neste nível. A água chegou em lugares que não chegava nunca. Pensamos que estaríamos seguros no momento da chuva, que era impossível o que aconteceu, mas foi um dilúvio.
Só na quinta-feira (2) à noite que Mariana e o marido perceberam que não iria dar mais para ficar em casa: "A água estava ocupando toda a rua perto da nossa casa", lembra.
Quando chegaram ao prédio de dois andares, ela decidiu pegar alguns itens e, só na sexta de manhã, com um barco, conseguiu pegar os cachorros e mais alimentos.
Foi quando entendi que iríamos ficar ilhados (...) Tinha uma correnteza na rua. No sábado mesmo, não dava para sair do prédio, a água estava na altura das cercas do edifício. Para dormir, era difícil porque tinha um barulho de correnteza logo ao lado.