Retirada da água pode levar 2 meses: o que falta para RS voltar ao normal?

Mais de um mês após as enchentes que mataram 172 pessoas e deixaram 570 mil pessoas desalojadas, o Rio Grande do Sul ainda lida diariamente com situações emergenciais causadas pelas chuvas. E, segundo especialistas, esse cenário vai se prolongar. Bairros de Porto Alegre e municípios da região metropolitana ainda têm pontos de alagamentos.

Inundações e drenagem

A completa drenagem das águas na região pode demorar pelo menos mais dois meses. A estimativa é do hidrólogo André Silveira, especialista da Rhama Analysis Consultoria Ambiental e professor aposentado da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

O sistema contra enchentes de Porto Alegre, que falhou na última chuva, se complementa com um sistema de esgotamento da chuva. Essa água só sai com bombeamento, não pode ir por gravidade por causa de um sistema de aterros e diques. Sem isso, a água vai se acumular na cidade.
André Silveira, hidrólogo

Atualmente, Porto Alegre tem 18 estações de bombeamento em funcionamento. No auge da crise, apenas 4 das 23 funcionavam na cidade. Todas essas bombas devem ser recuperadas para concluir a limpeza e refazer a parte elétrica danificada das cidades.

Ventanias podem retardar a drenagem. Não há previsão de novas chuvas fortes para as próximas semanas.

Mudança em todo o sistema

Depois dessa etapa, o sistema contra inundações deve ser repensado, segundo o professor aposentado da UFRGS. "De forma geral, tudo vai ter de ser revisto para os parâmetros climáticos do futuro. É um caminho sem volta."

Gaúchos vão ter de se acostumar com um "novo normal", segundo especialistas. O monitoramento dos níveis dos rios e lagos deve acompanhar a rotina da população. É o que afirma André Silveira, especialista em hidrologia e drenagem.

Bairro na região das Ilhas do Guaíba, que ficou submerso após enchentes em Porto Alegre
Bairro na região das Ilhas do Guaíba, que ficou submerso após enchentes em Porto Alegre Imagem: Evandro Leal
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Estamos vivendo uma situação de trauma, as pessoas ficarão ligadas em previsão de chuvas e níveis de rios por um tempo. Mas acredito que este serviço de monitoramento deve ser permanente. Além da meteorologia, a medição hidrológica, como chuvas, vazão e nível de água, passa a ser muito importante.
André Silveira

Sistemas de alertas devem funcionar permanentemente, segundo Silveira. "Estamos em uma era de incertezas, em função das mudanças climáticas que têm efeito na aceleração das chuvas. É uma variável mais difícil de ter um padrão."

Sustentabilidade

Em médio e longo prazo, será necessária a reestruturação das áreas inundáveis, com incentivo à regeneração urbana e ambiental, diz o urbanista Eber Pires Marzulo, professor da faculdade de arquitetura da UFRGS.

A orla e muitos arroios foram canalizados. Vai ser necessária maior arborização, criar o que chamam de 'cidades esponjas'. É fundamental diminuir a alimentação asfáltica. O asfalto não drena, faz a água se deslocar mais rapidamente.
Eber Pires Marzulo

Enchente em Canoas, no Rio Grande do Sul
Enchente em Canoas, no Rio Grande do Sul Imagem: 7.mai.2024-Nelson Almeida/AFP
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As cidades não podem voltar ao "normal", do ponto de vista do planejamento urbano, na opinião da engenheira civil Kátia Melo, cofundadora da consultoria de impacto socioambiental Diagonal. "Se quisermos falar em reconstrução, um aspecto importante é justamente reconstruir de forma diferente."

Os planos de reconstrução das cidades gaúchas devem adotar medidas de prevenção a tragédias e sustentabilidade —pavimentos permeáveis, parques urbanos, arborização, corredores ecológicos, tetos verdes, lagoas urbanas e priorizar programas para recuperar áreas degradadas.

Para que possamos de fato reconstruir de forma diferente, é preciso respeitar a natureza. Isso significa, na prática, que não devemos reocupar áreas de proteção permanente, por exemplo, as margens do rios; e não ocupar os fundos do vale.
Kátia Melo, engenheira civil

Será preciso repensar a ocupação da orla. "É fundamental entender que as áreas sujeitas a inundações não devem ser ocupadas. Isso vai requerer um olhar para a totalidade das áreas do município para entender onde são os melhores locais para a reocupação de parte da população", diz Kátia.

Habitação e moradia

Um grande desafio para a reconstrução do estado é a habitação. O Rio Grande do Sul ainda contabiliza cerca de 20 mil pessoas em abrigos. Parte dos abrigos enfrenta a desmobilização de voluntários e a necessidade de fechamento.

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Cenário de colchões e roupas no abrigo da Sede Moinhos do Grêmio Náutico União
Cenário de colchões e roupas no abrigo da Sede Moinhos do Grêmio Náutico União Imagem: Carlos Macedo/Folhapress

O problema da moradia obviamente se concentra na população de baixa renda, que foi a mais atingida, particularmente na região metropolitana.
Eber Pires Marzulo

Uma saída razoável, segundo o especialista, seria fazer um levantamento dos imóveis públicos disponíveis imediatamente.

Mobilidade e transporte

Mobilidade e transporte também estão na lista de impactos no estado. Na semana passada, ainda havia 58 trechos em 36 rodovias com bloqueios totais ou parciais, entre estradas, pontes e balsas, segundo o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem. Já o Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, só deve voltar a operar em dezembro.

Aeroporto Internacional Salgado Filho, destruído pelas chuvas
Aeroporto Internacional Salgado Filho, destruído pelas chuvas Imagem: Carlos Macedo/Carlos Macedo/Folhapress
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Há condições tecnológicas de fazer pistas de emergência para uma operação provisória, na opinião de Marzulo."É óbvio que não pode ficar para dezembro como é a promessa, tem de ser algo de semanas. As pessoas seguem viajando e fazendo epopeias para sair do estado."

Fora o impacto para a economia da cidade e do estado. É o único aeroporto internacional e temos um polo industrial e de serviços relevante que passa por ali. Não é possível ficar sete meses fechado.
Eber Pires Marzulo

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