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Privatizar praia é proibido no Brasil e até Luciano Huck já foi multado

Boias tentam evitar que qualquer embarcação aporte nas ditas "praias privadas" da região de Paraty (RJ) Imagem: Carlos Cecconello - 07.mai.2013/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

09/06/2024 04h00

Praias podem ser privatizadas? Segundo a Constituição brasileira, não. O tema ganhou visibilidade nesta semana após uma PEC que propõe transferir parte dos "terrenos de marinha" para estados, municípios e até particulares virar tema de discussão entre Neymar Jr. e Luana Piovani.

O que diz a Constituição?

O artigo 20, inciso VII, da Constituição estabelece que as praias são bens da União. Segundo Fabio Tavares Sobreira, especialista em Direito Constitucional e mestrando em Gestão e Políticas Públicas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), a determinação visa "proteger o meio ambiente e garantir o acesso público a esses espaços, evitando o uso indiscriminado, que poderia comprometer a integridade ecológica e o bem-estar social."

Por meio da Lei nº 7.661 de 16 de Maio de 1988, o Estado ainda determina que "as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido."

A única ressalva são "os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica."

A lei ainda diz que não é permitida "a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso" assegurado à população.

Nem mesmo condomínios fechados têm direito a limitar o acesso às praias.

O que acontece quando a lei é descumprida?

Responsável por limitar acesso às praias pode sofrer penalidades. Elas são tanto de origem administrativa quanto civis e penais, como explica Sobreira:

Sanções Administrativas: aplicadas pela União, estados ou municípios. Essas sanções podem incluir multas e a ordem de remoção de qualquer barreira ou obstáculo que impeça o acesso público.

Sanções Civis: pode ser ajuizada uma ação civil pública ou ação popular visando à proteção do patrimônio público e ambiental. O responsável pode ser obrigado judicialmente a remover qualquer obstrução e a reparar eventuais danos causados.

Sanções Penais: dependendo da situação, o responsável pode ser enquadrado em crimes ambientais previstos na Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), que prevê sanções para condutas lesivas ao meio ambiente, incluindo a obstrução de acesso a áreas públicas.

O apresentador Luciano Huck já foi multado por tentar limitar acesso à praia. Em 2011, Huck foi condenado por instalar um cerco de boias em frente à sua casa na Ilha das Palmeiras, em Angra dos Reis. Na ocasião, o valor da multa foi de R$ 40 mil e mais R$ 1 mil pelos dias que não cumprisse com as determinações.

À época, o apresentador disse em nota que: "em agosto de 2017 foi comprovado, em juízo, o depósito da quantia atinente à condenação em danos morais". As boias "relacionadas à maricultura", segundo o texto, foram retiradas em outubro de 2010.

O cidadão que encontrar dificuldades de acessar a praia pode denunciar situação às autoridades. São elas: o Ministério Público e a Secretaria Municipal ou Estadual do Meio Ambiente. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) também pode ser acionado, caso a situação esteja envolvendo danos ambientais. Sobreira adverte que, para realizar a denúncia, é necessário que o denunciante reúna provas que demonstrem a obstrução de acesso, como fotos, vídeos e testemunhos.

O que diz a PEC?

A PEC propõe transferir a posse integral dos terrenos de marinha sob responsabilidade da União para estados, municípios ou ocupantes particulares. Para ocupantes particulares, a transferência é feita mediante pagamento. Já a transferência de áreas ocupadas por estados e municípios será gratuita.

Com a extinção do terreno de marinha, o proprietário passaria a ser o único dono, podendo transformar a praia em espaço particular.

A PEC afirma que a transferência dos terrenos seria feita mediante uma venda — mas não dá mais detalhes. O negócio precisaria ser feito com a União. Ainda de acordo com texto, o poder público é quem deverá tomar providências — por exemplo, criar uma nova lei de regulamentação da PEC — em dois anos.

A proposta não prevê diretamente a privatização das praias em si, mas pode, sim, abrir brechas para privatizar o acesso a elas. Ou seja, empresas poderiam cercar o terreno e impedir a passagem de banhistas na faixa de areia — como já acontece em alguns resorts.

A SPU (Secretaria de Gestão do Patrimônio da União) listou 12 problemas que a PEC pode causar. Por exemplo: a proposta sobrepõe o interesse privado ao público, favorece a privatização e o cercamento das praias, ameaça os ecossistemas costeiros, diminui a arrecadação da União e põe em risco a sobrevivência de povos e comunidades tradicionais.

A PEC das Praias propõe transferir a gestão dessas áreas para estados e municípios, argumentando que uma administração local seria mais eficiente e sensível às particularidades regionais. Para que essa proposta seja constitucionalmente válida, seria necessário observar o princípio da supremacia do Interesse Público, ou seja, demonstrar que o interesse público será melhor atendido sob a administração local, sem comprometer o acesso público e a preservação ambiental, conforme previsto nos artigos 225 e 231 da CF/88. Acredito que esse seja o ponto mais sensível, pois não identifico a presença do interesse público. Somente interesses privados dos exploradores de atividades econômicas regionais (nas praias) se fazendo presente, o que torna a PEC inconstitucional.
Fabio Tavares Sobreira, especialista em Direito Constitucional, professor de Direito Constitucional, pós-graduado em Direito Público e mestrando em Gestão e Políticas Públicas pela FGV

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