Supremo Tribunal e células temáticas: os cargos do 'modelo maçônico' do PCC
Abinoan Santiago
Colaboração para o UOL
15/07/2024 04h00Atualizada em 15/07/2024 08h10
Dominante em vários estados e com mais de 100 mil membros em todo o país, o PCC (Primeiro Comando da Capital) estabeleceu um protocolo que mescla ao adotado por empresas e pela maçonaria para organizar a sua estrutura. A prática tem chamado atenção de acadêmicos, que têm publicado livros e pesquisas recentes sobre o tema, além das forças de segurança pública.
A organização do PCC tem um modelo de gestão que se estrutura em células, sendo a SGF (Sintonia Geral Final) a mais importante. Ela é formada por membros com autoridade dentro da facção. É o que aponta o livro "A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime", de Camila Dias Nunes e Bruno Paes Manso.
PCC tem seu próprio 'STF'
As células, também chamadas de "sintonias", são diversas e funcionam de forma colegiada e horizontalizada entre elas, em acordo com o princípio de igualdade defendido pelo PCC.
Uma sintonia, contudo, se sobressai em relação às demais, a SGF. Cabe a ela a tomada de decisões estratégicas que podem refletir no PCC como um todo, como ataques a forças de segurança, mortes de criminosos rivais ou até mesmo de seus pares. "A Sintonia Geral Final é o STF" do PCC, apontou um preso aos autores Camila Nunes e Bruno Paes Manso.
A Sintonia Final Geral é composta por doze ou catorze posições políticas. Casos mais localizados podem ser decididos por células regionais do PCC, mas demandas maiores impostas pelo crime cabem à SGF.
"A SGF tem pessoas com uma história no PCC nesses 30 anos da facção, que tem uma confiança de um vínculo na estruturação dessa máquina. Ela é a mais importante por dar a palavra final sobre o que pode ou o que não pode em determinados casos", disse ao UOL, Bruno Paes Manso, pesquisador do NEV (Núcleo de Estudos de Violência) da USP.
Recentemente, um racha na SGF veio à tona. Uma investigação do MPSP (Ministério Público de São Paulo) apontou um desentendimento na sintonia final, culminando na maior crise do PCC em 30 anos, devido ao atrito entre Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, com outros três membros da cúpula: Roberto Social, o Tiriça, Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka, e Wanderson Nilton de Lima, o Andinho.
O trio acusou Marcola de ser delator e decretou a morte dele. Em contrapartida, aliados do criminoso na SGF excluíram os três da facção e os juraram de morte.
'Maçonaria do crime'
Segundo Gabriel Feltran, pesquisador da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), a SGF e as demais células funcionam como se fosse a maçonaria, pois, embora existam relatos jornalísticos e de policiais sobre a cúpula do PCC, ainda há diversas pontas soltas passíveis de confirmação sobre o seu funcionamento devido ao comportamento de camuflagem desse grupo seleto.
"Nada pode ser confirmado por se tratar de uma sociedade secreta dentro do próprio grupo", diz ele, no livro "Irmãos: uma história do PCC".
Paes Manso concorda com analogia, ressaltando a semelhança com a maçonaria não apenas pelo mistério que cerca a facção, mas pela conceito de irmandade, que tem como mote a ajuda mútua entre os irmãos da organização.
"O PCC é horizontal, tem uma ideia forte de que o crime fortalece o crime e que trabalham no crime precisando respeitar as regras desse universo, além de ganhar dinheiro e reduzir os conflitos", sintetizou.
Você tem uma ideia central e diversas células espalhadas por vários lugares, que permitem que essa regra e que essa ordem sejam respeitadas. Bruno Paes Manso
Sintonias de comando
Abaixo da SGF estão grupos que no mesmo nível hierárquico entre si: Sintonia de São Paulo, Sintonias locais de São Paulo (interior), Sintonia dos Estados e Países e Sintonias Estaduais.
Todas possuem funções de primeira instância na tomada de decisões do ponto de vista geográfico. Cada estado possui a sua sintonia — a exceção é São Paulo, que tem a sua sintonia estadual e outras nove, uma para cada região de DDD. Abaixo delas, há células menores comandadas por um "representante" do PCC no presídio ou no bairro comandado pela facção, sendo o responsável por conduzir os negócios no âmbito mais local e por intermediar eventuais conflitos menores.
Se a estrutura da rede do PCC fosse uma pirâmide, no topo ficaria a SGF. Abaixo as Sintonia de São Paulo, Sintonias locais de São Paulo (interior), Sintonia dos Estados e Países e Sintonias Estaduais. Já a base seria composta pelas células dos bairros e prisões capitaneadas pelos "representantes".
Sintonias temáticas
Já para operacionalizar a sua estrutura do ponto de vista de negócios, o PCC funciona com sintonias temáticas, com tarefas específicas dentro da facção. Embora todos sejam vinculados à SGF, esses grupos funcionam independentes entre si, ao ponto de um membro de determinada sintonia não saber como opera outro departamento.
Sintonia dos Gravatas: contrata e paga advogados para atuar para membros do PCC;
Sintonia da Ajuda: operacionaliza auxílios a familiares de presos, como compra e entrega de cestas básicas ou quantias em dinheiro;
Sintonia Financeira: considerada uma das mais importantes no organograma, é responsável por cuidar do caixa da facção, inclusive por liberar verbas para outras sintonias;
Sintonia do Cadastro: é o "RH" do PCC, pois tem como função gerir dados sobre membros batizados, excluídos, punidos e relatórios de penalidades aplicadas aos membros da facção;
Sintonia do Progresso: responsável por gerir o mercado de tráfico de drogas sob o domínio do grupo;
Sintonia da Cebola: recolhe a mensalidade dos membros do PCC que estão fora da cadeia;
Sintonia da Rifa: tem como finalidade a organização de prêmios;
Sintonia do Cigarro: opera no mercado contrabandista e comercialização de itens dessa origem ilegal;
Sintonia do Bob: responsável pelo comércio de maconha;
Sintonia da 100%: opera a venda de cocaína para o grupo;
Sintonia das FMs: é o colegiado que atua com a operacionalização das bocas de fumo dominadas pelo PCC;
Sintonia das Ruas: tem abrangência nos bairros e nas chamadas 'quebradas' onde o PCC atua;
Sintonia do Paiol: administra o arsenal da facção;
Sintonia Restrita: responsável como um comando militar dentro da facção, que organiza resgates e promove execuções.
Ascensão a cargos de comando
De acordo com Feltran, em seu livro, "todas as responsabilidades — ou seja, todos os quadros da facção — seriam potencialmente rotativas". Além disso, uma característica é o poder de voz de todos os membros.
"Os mais conceituados são chamados para compor os quadros mais altos na hierarquia de posições da irmandade. A mesma conduta irretocável é esperada, entretanto, de qualquer irmão. A mesma voz seria ofertada a todos, para debater qualquer problema, o mesmo braço seria estendido a qualquer irmão no caso de necessidade. A conduta é o que importa", concluiu.
Paes Manso acrescenta que a ascensão a cargos cada vez maiores dentro de sintonias do PCC depende do grau de comprometimento da pessoa dentro dos preceitos da facção.
"O cargo e a função são mais importantes que os nomes ocupantes desses lugares. O PCC já tem essa estrutura que não depende do nome, mas que estabelece funções para máquina funcionar. Porém, é claro que vai ter que ser uma pessoa competente, compromissada para exercer o papel. Isso vai depender da confiança e da história dentro da facção para assumir responsabilidades maiores".