'Virou negócio': igreja aluga estádio em SP para Ano Novo e gera polêmica
Ranieri Costa
Colaboração para UOL
27/11/2024 05h30
A Primeira Igreja Batista da Lagoinha em Alphaville (SP) prepara um grande evento para a virada do ano: o "Vira Brasil 2025". Na descrição do evento há uma frase convidativa: "Faça parte de uma virada histórica!". Com previsão de diversas apresentações de cantores gospel e de conhecidos pregadores, a organização divulgou as atrações: André Fernandes e Quezia Cadimo (os pastores da igreja), Alpha Music, Ana Nóbrega, Isaías Saad, Eli Soares, FHOP, Victor Hugo, Ronny Oliveira, Sued Silva, Banda Morada, Fernandinho, Richard Gordon, Camila Vieira e Paulo Vieira.
O que é o réveillon da Lagoinha em Alphaville
O "Vira Brasil 2025" acontecerá no Allianz Parque e promete reunir mais de 40 mil pessoas. "Vamos transformar o Allianz Parque em um palco de avivamento, onde cada nota, cada palavra e cada voz ecoará com o poder de uma nova era!", diz a campanha do evento.
Nas redes sociais, o evento tem dividido opiniões. Entre os fãs dos músicos e dos pastores famosos, percebe-se apoio ao evento; por outro lado, há muitas críticas de pessoas que ficaram sabendo do "Vira Brasil" pela força do algoritmo ou de posts patrocinados. Uma jovem comentou, decepcionada com a cobrança de ingressos: "Acredito que esse não seja o evangelho de fato!". Outra escreveu "mais uma agenda de fim de ano para encher bolsos"; e também houve quem lamentasse: "triste ver como o evangelho virou negócio".
As críticas se devem, principalmente, devido ao preço dos ingressos, que podem passar de R$ 3.500 para a área "VIP Experience". O ingresso com menor preço, vendido a R$ 55 (com taxas), esgotou nos primeiros dias de divulgação. A igreja também promete oferecer um serviço de transporte de ônibus que sairá da sede da Lagoinha Alphaville até o Allianz Parque.
A realização de cultos durante a virada do ano é uma prática comum na tradição evangélica, com igrejas promovendo batismos, ceias e jantares nessa data. Contudo, a proposta oferecida pela Lagoinha Alphaville parece caminhar em outra direção, afastando-se dos moldes convencionais de celebração comunitária e focando em um evento de grandes proporções.
Críticas de líderes religiosos
Para alguns líderes religiosos e estudiosos, a proposta revela tendências preocupantes sobre o uso de estruturas religiosas para fins que parecem distantes do propósito original do Evangelho. O pastor Milton Paulo Silva, da Igreja Vineyard em Mogi das Cruzes, critica o evento, que ele considera uma expressão de uma igreja "megalomaníaca" e distanciada da vocação de Jesus.
Milton questiona o alto valor dos ingressos e o que vê como uma busca por lucro em detrimento do cuidado com os necessitados. "Eu não tenho problema com show, gosto de show e entendo que artistas precisam receber. O problema, para mim, é quando a igreja, que deveria ser um lugar de acolhimento e cuidado, se dedica a eventos visando lucro próprio e não para dividir com os pobres. Isso não é o Evangelho", afirma.
Ainda na perspectiva do pastor Milton, o problema não está no uso de dinheiro, mas, como condenou Jesus, no acúmulo de riqueza. "Quando a igreja começa a se preocupar em acumular, perde seu foco, direção e vocação, envergonhando o Evangelho de Jesus", conclui.
O pastor batista e doutor em ciências da religião Kenner Terra também reflete sobre a tradição dos cultos de virada de ano e aponta que o "Vira Brasil 2025" se diferencia dos cultos tradicionais pela dimensão e pelo caráter comercial. O culto público sempre foi gratuito, e essa obviedade talvez precise ser dita hoje por conta de alguns absurdos, declara Kenner.
Ele ressalta que, embora a Bíblia não proíba diretamente eventos pagos, ela valoriza a solidariedade, o amor e a simplicidade. Segundo ele, o evento, por seu preço elevado, cria um recorte social que exclui muitos fiéis e distancia-se dos princípios bíblicos de empatia e simplicidade.
As discussões em torno do "Vira Brasil 2025" expõem o crescente debate sobre os rumos de algumas igrejas evangélicas brasileiras, que, para críticos, estariam cada vez mais próximas de eventos de entretenimento do que de espaços de acolhimento e prática comunitária. Para muitos, o evento de virada de ano transcende uma celebração religiosa e revela a face de um cristianismo que, ao invés de servir, pode acabar sendo mais um negócio lucrativo.
Evento em Orlando
O evento organizado pela igreja de Alphaville segue os moldes do que foi anunciado pela igreja pastoreada por André Valadão, em Orlando, nos EUA. Para quem quiser participar da virada da Lagoinha em solo americano, os ingressos podem custar até R$ 5 mil. Entre os participantes já confirmados estão: Deive Leonardo, Camila Barros, Jefferson e Suellen e Maria Marçal.
O UOL fez contato com a assessoria de imprensa da Igreja Batista da Lagoinha, que disse que responderia à demanda, mas, até a data desta publicação, não obteve retorno. O espaço permanece aberto.