PMs condenados por morte de 2008 nunca foram presos, mas receberam promoção

Seis policiais militares condenados pela morte de um jovem forçado a beber lança-perfume em 2008, em Itaquera, zona leste de São Paulo, continuam em liberdade mesmo após condenações e recursos negados. Todos foram promovidos e nenhum chegou a ser preso.

O que aconteceu

PMs receberam penas entre 14 e 18 anos de prisão por obrigarem dois jovens a beberem tricloroetileno —material usado na fabricação de solventes. Marcos Paulo Lopes de Souza, 18, morreu após ingerir o líquido, que era, segundo a polícia, lança-perfume.

Crime já tem 16 anos e condenados nunca foram presos. Os policiais Rafael Vieira Júnior, Edmar Luiz da Silva Marte, Jorge Pereira dos Santos, Carlos Dias Malheiro, Rogério Monteiro da Silva e Cláudio Bonifazi Neto receberam penas por homicídio qualificado e constrangimento ilegal.

Justiça não emitiu mandado de prisão mesmo com trânsito em julgado

Policial Militar
Policial Militar Imagem: Folhapress

Os seis policiais foram condenados à prisão e perda dos cargos. Em 2015, quando foram ao júri em primeira instância, os acusados receberam penas de reclusão, todas em regime fechado. No entanto, logo entraram com recursos e continuaram em liberdade. O processo segue em sigilo de justiça.

Rafael e Edmar foram condenados a 18 anos de reclusão. Eles foram apontados como os responsáveis por obrigarem os jovens a ingerir a substância. Os demais foram condenados a 14 anos de reclusão, por presenciarem o crime e não fazerem nada.

Último recurso foi negado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em julho deste ano. Os policiais solicitaram habeas corpus alegando falhas nas provas do crime, mas o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, declarou falta de fundamentação para os argumentos e expediu a declaração de trânsito em julgado —mantendo a decisão da Justiça paulista. O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) também foi contrário à anulação da condenação.

Todos os envolvidos permanecem em liberdade desde a data do crime. Não existem mandados de prisão em nome dos policiais, mesmo com a manutenção das condenações e os recursos esgotados. O UOL consultou o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) para questionar sobre os pedidos de prisão, mas o órgão informou que não comenta casos em segredo de justiça. O MP-SP, por sua vez, "que os réus permaneciam soltos em virtude da possibilidade de interposição de recursos contra a condenação".

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"Esse caso pode estar descendo para a comarca de origem, para a vara de execuções penais, para expedir o mandado [de prisão]. Mas já houve tempo para isso", disse um jurista, que preferiu não se identificar. A SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) informou que nenhum dos condenados deu entrada no sistema prisional paulista.

Condenados seguiram atuando como policiais e foram promovidos

Três dos agentes seguem com registros ativos no Portal da Transparência do governo de São Paulo como policiais militares: Rafael, Rogério e Cláudio. Eles têm remunerações que variam entre R$ 9 mil e R$ 11 mil.

Ainda durante a investigação da morte, os réus foram promovidos na polícia. Malheiro era tenente, se tornou capitão. Jorge saiu de 3º sargento para 1º. Os demais foram promovidos de soldados para cabos.

Uma testemunha relatou ao UOL que, até a condenação em primeira instância dos policiais, era comum que viaturas da polícia rondassem sua casa. De acordo com ela, que prefere não se identificar por medo, sempre houve o interesse, por parte dos policiais, de intimidarem familiares das vítimas e testemunhas.

A reportagem buscou posicionamento da Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo mas não obteve resposta. A Ouvidoria das Polícias, por sua vez, disse que os policiais continuaram na ativa por tantos anos pois ainda tinham recursos em aberto e que aguardam nova manifestação da Justiça.

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A SSP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) enviou nota após publicação da reportagem. A pasta informou que dos seis policiais, "dois se aposentaram e os demais seguem em funções administrativas até o cumprimento da sentença".

Eu não tenho em memória um caso como esse. Mas uma decisão condenatória, em tese, deve ser concretizada. Salvo os recursos, que foram todos negados, uma guia de emissão de pena deve ser emitida. E, claro, a Corregedoria deveria se manifestar, pois se um caso como esse é transitado em julgado, eles [os policiais] não devem seguir na corporação. Há uma sentença que deve ser respeitada.
Jurista ouvido pelo UOL em condição de anonimato

Como foi o crime

Os jovens, de 18 e 19 anos, estavam em uma viela de uma comunidade em Itaquera, na zona leste de São Paulo, quando foram abordados pelos policiais militares. Questionados se eram traficantes, ambos negaram, relatando que estavam apenas fazendo uso de maconha. Os agentes, então, obrigaram os dois a comer o cigarro. Após o episódio, policiais vistoriaram um terreno e encontraram frascos do líquido indicado como lança-perfume.

Os PMs fizeram os jovens beberem a substância, mesmo após eles implorarem para serem presos, segundo depoimento do sobrevivente. Os agentes, contudo, apontaram armas para os jovens e os ameaçaram de morte, caso não ingerissem o líquido. O depoimento da testemunha foi obtido pelo UOL.

Marcos engoliu o líquido enquanto o amigo fingiu beber e cuspiu em seguida. De acordo com o inquérito policial, Marcos começou a passar mal e começou a sentir vontade de vomitar, mas os agentes diziam que, se isso acontecesse, eles teriam que lamber o chão. Durante a ação, os policiais ainda jogaram spray de pimenta contra os jovens e os golpearam com tapas. Ao fim, os agentes mandaram a dupla correr.

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O laudo necroscópico apontou que a morte foi causada pela ingestão da substância somada ao esforço físico feito por Marcos após os policiais mandarem eles correrem. A alguns metros da abordagem, a vítima caiu. Policiais civis de uma delegacia próxima à ocorrência foram chamados por moradores. Eles chegaram a encaminhar o jovem para o hospital, que não resistiu e morreu.

Outro lado

A defesa dos policiais alega que houve erro na decisão. Segundo a advogada Flávia Bonifazi, em manifestação após a publicação da reportagem, a condenação deveria ser anulada pois foi baseada em "informações inverídicas que foram dadas aos jurados", referente ao laudo divulgado. Após encerrados todos os recursos, a defesa ainda tenta revisão criminal.

A advogada foi questionada pela reportagem sobre a tentativa de revisão da pena e sobre o fato de os policiais seguirem em liberdade, contudo, informou que não ia se manifestar. Por fim, a defesa disse que a família dos policiais está sofrendo ameaças por conta da repercussão do caso.

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