Ele foi pescar e quase morreu eletrocutado: 'Acharam que eu tinha morrido'

A virada de 2017 para 2018 foi no hospital. Ao lado da esposa, o procurador jurídico municipal Maykel Angelo Galvão, 36, viu pela janela o clarão dos fogos de artifício, que anunciavam a chegada do novo ano e o seu renascimento, após um grave acidente.

A virada do ano foi um momento triste. Nosso filho longe, o primeiro ano novo e natal dele, e só ela comigo. Passamos nós dois sozinhos. As enfermeiras do período noturno nos levaram para outro quarto, onde era possível ver os fogos de artifício,
Maykel Angelo Galvão

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"Milagre ter sobrevivido"

15 de novembro de 2017, feriado da Proclamação da República. Maykel, a esposa, o filho de seis meses, o sogro e a sogra foram aproveitar o dia em um pesqueiro da cidade onde residem, em Mamborê, no estado do Paraná. O passeio em família tinha tudo para terminar bem, mas foi interrompido bruscamente.

Peguei a vara que a minha esposa estava pescando, tinha uns três metros, e a isca caiu do anzol. No que levantei, e ergui a vara para colocar uma nova isca, passava um fio de alta tensão exatamente em cima do banco onde estávamos sentados, a vara tocou o fio. Foi como um raio caindo em mim, passando pelo meu corpo e saindo pelos meus pés até chegar a terra.

Maykel ficou desacordado por alguns instantes, após o choque de 13 mil volts. Segundo relatos que ouviu depois, foram momentos de apreensão e desespero à espera do socorro. Sem pulsação e respiração aparente, achavam que ele havia morrido.

Eles achavam que eu havia morrido. Depois de certo período, soltei o ar e comecei a respirar novamente. Só que estava sem consciência, sem saber o que estava acontecendo. Me recordo muito pouco do exato momento, apenas de uma moça segurando um guarda-chuva, fazendo sombra para mim.

Já na ambulância, em meio a dores intensas, o paranaense teve lapsos de consciência, mas sem noção do que ocorreu. Ele foi transferido para o posto médico de Mamborê e, em seguida, para a UTI do Hospital de Campo Mourão, cidade vizinha. Os médicos relataram à família a gravidade do acidente. Ter sobrevivido à intensa descarga elétrica foi considerado um 'milagre'. Maykel teve 48% do corpo queimado.

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Os médicos falaram que foi um milagre ter sobrevivido. O pessoal da companhia elétrica acreditou que eu havia morrido, porque dificilmente situação que passei ali consegue sair vivo. Foi uma tensão muito alta que passou pelo meu corpo. Só me dei conta da gravidade no dia seguinte, quando foram trocar os curativos e não conseguia me levantar de tanta dor.

Após cinco dias na UTI do Hospital de Campo Mourão, Maykel foi transferido de avião para o Hospital Evangélico de Curitiba, onde permaneceu internado por dois meses e passou por 21 cirurgias, entre raspagem, reconstituição e enxerto. Foi preciso amputar dois dedos do pé direito e um do esquerdo.

Maykel ficou internado por dois meses e passou por 21 cirurgias
Maykel ficou internado por dois meses e passou por 21 cirurgias Imagem: Maykel Angelo Galvão/Arquivo Pessoal

"Graças a deus essas foram apenas as sequelas que tive do acidente, fora as marcas que carrego na barriga totalmente cheia de enxerto. A perna também tem a cicatriz, mas, graças a Deus, foi dos males o menor", disse Maykel.

O apoio da família e a resiliência foram essenciais para Maykel superar a situação. Por passar muitos dias deitado, ele também teve que reaprender a andar.

Eu tinha muita dificuldade de voltar a andar, tive que fazer muitas fisioterapias para voltar a ter uma vida normal. Durante todo esse período, o apoio veio da minha fé e da minha família, que sempre esteve ao meu lado, desde o momento do acidente, e depois, prestando todo apoio para eu voltar à vida normal.

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Em conversa com a família, o procurador jurídico decidiu não processar o pesqueiro pelo que lhe aconteceu, apesar da exposição ao risco, já que o fio passava por local inadequado e não havia sinalização de prevenção. Após o acidente, a fiação foi removida do local.

"Optei em não mover ação, pois a graça maior já havia recebido em minha vida, e nada muda o que aconteceu, não faz voltar o que era antes. Também evitar o desgaste, o pessoal lá não tinha condições de arcar com indenização", ressalta o procurador.

Após alguns anos, a esposa de Maykel voltou a pescar. Ele não. "A minha esposa ficou com trauma, mas, no final do ano passado, foi pescar com o pai dela e o meu filho. Ela falava que pensava em pescar e sentia o cheiro de pele queimada ainda. Não tenho interesse em voltar a pescar não", relata.

No ano passado, mais de dois mil acidentes envolvendo choque elétrico, incêndio e descarga atmosférica foram registrados no Brasil
No ano passado, mais de dois mil acidentes envolvendo choque elétrico, incêndio e descarga atmosférica foram registrados no Brasil Imagem: Maykel Angelo Galvão/Arquivo Pessoal

Café e reflexão nas redes sociais

Pouco antes de sair do hospital, Maykel teve a ideia de unir a paixão pelo café ao momento que estava vivendo. Abriu um perfil no Instagram para publicar diariamente mensagens de reflexão que escrevia para ele mesmo.

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"São pequenos bilhetes diários que escrevo pensando sobre a vida, quão maravilhoso é poder viver. A felicidade está no presente, no agora, nos pequenos momentos que a gente vive, na troca de conversa com um familiar, com um amigo, tomar um café. São esses momentos que fazem a vida grande e realmente feliz", conta o paranaense.

Atualmente, o Café Proseado acumula mais de 500 mil seguidores. A maioria não sabe que por trás das mensagens está alguém que 'nasceu de novo'.

Fé, devoção e presente

Embora Maykel tenha voltado à rotina anterior ao acidente, o procurador jurídico passou a valorizar o presente e as oportunidades que o hoje oferece.

O Maykel de antes achava que tinha todo o tempo do mundo para viver ou fazer aquilo que tinha vontade, como deixar a viagem dos sonhos para daqui a cinco anos. Hoje vejo o Maykel mais compreensivo, que vê a vida com outros olhos. O que realmente importa é quem está ao nosso lado, o que a gente vive e não o que tem. O que a gente conquista de bens materiais é importante para ter uma vida digna e confortável, porém o que se leva dessa vida são os momentos ao lado de quem amamos

Católico e devoto de Nossa Senhora Aparecida, o paranaense não sabe o porquê de ter sobrevivido, mas credita a uma força superior à graça do renascimento e de poder ver o filho, atualmente com sete anos, crescer.

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O sentimento foi de gratidão, principalmente por pensar que a minha família estava começando a se formar. Coincidentemente sou devoto de Nossa Senhora Aparecida, e o pesqueiro onde aconteceu o acidente se chama Nossa Senhora Aparecida. Tenho uma ligação muito forte com ela. Sempre em minhas orações peço a interseção junto a Deus, e tenho recebido muitas graças. Essa, com certeza, foi a maior que recebi em minha vida.

Acidentes com descargas elétricas

A chance de sobrevivência em casos como o de Maykel é pequena, segundo Edson Martinho, diretor-executivo da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel) e especialista na área de Engenharia Elétrica e Segurança do Trabalho.

Um acidente dessa magnitude, de 13,8 mil volts, que é o que chamamos de média tensão, que são os fios que estão acima dos postes, a pessoa raramente sobrevive. Acontecem alguns milagres, a corrente passa pelo corpo e vai para a terra e faz queimaduras, mas, normalmente, deixa sequelas. Se ele está bem, foi uma sorte gigantesca. Ele nasceu de novo,
Edson Martinho, diretor-executivo da Abracopel

O especialista reforça sobre a importância de as construções atenderem às normas: "Não é permitido rede de energia embaixo de locais de movimentação de pessoas ou ambiente de lazer. Vinte ou trinta centímetros de proximidade já pode ocorrer uma descarga. O caso específico relatado é uma condição perigosa. Esse tipo de acidente acontece e, infelizmente, leva a óbito".

Segundo dados da Abracopel, no ano passado, mais de dois mil acidentes envolvendo choque elétrico, incêndio e descarga atmosférica foram registrados no Brasil. "Os acidentes por choque elétrico aumentaram. Acontecem por descaso, e, na maioria das vezes, desconhecimento. É preciso sempre estar atento e entender que qualquer tensão, até tomada de 110 volts, é perigosa e pode matar."

1 comentário

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Bernardo Degê

Ninguém morre de véspera. Boa sorte nessa nova jornada que se inicia a cada manhã. Eu agradeço por estar vivo a cada manhã, mas é porque sou muito consciente e humilde. O Maykel e eu somos exemplos de vida. 

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