'Teve gente chorando, passando mal': barrados em cruzeiro se desesperam
Maurício Businari
Colaboração para o UOL
24/03/2025 17h31
O embarque em um cruzeiro no porto de Santos virou confusão depois que passageiros que compraram ingresso não conseguiram viajar.
O que aconteceu
O problema aconteceu no dia 20 de março, durante o embarque do cruzeiro temático "Energia On Board", no terminal marítimo Giusfredo Santini, em Santos (SP). Dezenas de pessoas ficaram sem acesso ao navio, mesmo com pagamentos confirmados. A assessoria do evento Energia On Board disse que houve falhas operacionais e técnicas.
O cruzeiro, com destino a Angra dos Reis (RJ), foi fretado pela On Board Entretenimento e promovido em parceria com a Rádio Energia FM. A bordo do Costa Pacifica, estavam programados shows de artistas dos anos 1980 e 1990, como Paulo Ricardo, Sandra de Sá, Double You e Snap. O navio tem capacidade para cerca de 3.780 passageiros e conta com 1.540 cabines, incluindo 28 para pessoas com deficiência.
'Capitão disse que ninguém mais embarcaria'
O autônomo Alessandro Joda, 41, e o influenciador Wallace Santos Soares, 47, conhecido como Pulga, estão entre os passageiros impedidos de embarcar. Pulga comprou um pacote para duas pessoas por R$ 2 mil e convidou Joda. Ambos relataram filas quilométricas, ausência de estrutura no terminal, falhas no sistema de check-in e promessas de que todos conseguiriam entrar —o que não se concretizou. A espera chegou a 14 horas, em pé, na fila, segundo contam.
Joda gravou vídeos que circulam nas redes, incluindo o momento da negativa. "Eu cheguei a encostar na porta do navio, o contratante mandou liberar, mas o comandante não deixou a gente entrar", contou. Segundo ele, os atendimentos passaram a ser feitos manualmente em planilhas do Excel, com apenas duas pessoas operando. "A partir dali começou a confusão."
Fazer embarque de cruzeiro manualmente, com duas pessoas preenchendo planilha, é despreparo demais.
Alessandro Joda
Pulga foi levado à entrada do navio por agentes da Polícia Federal. "Faltavam dois metros para eu entrar. O capitão, falando em outro idioma, barrou. Disse que ninguém mais embarcaria." Segundo afirmam, outras pessoas impedidas de embarcar chegaram a pagar até mais do que eles —os amigos ouviram relatos de pessoas que gastaram de R$ 5 mil a R$ 12 mil.
Os dois estimam que entre 300 e 400 pessoas ficaram de fora. Muitos aguardaram mais de 12 horas no terminal, sem acesso a comida, água ou cadeiras. "Liberaram cadeiras só às 21h", contou Pulga. "Era um mar de gente desesperada."
Eles dizem que não havia representantes da empresa com autoridade para esclarecer a situação. "Ninguém tinha crachá, ninguém assumia responsabilidade. A rádio sumiu, a On Board sumiu, só o pessoal do navio parecia saber de algo", disse Pulga.
Pulga afirma que a vendedora que lhe vendeu o pacote embarcou no navio após sumir durante o caos. "Ela disse que ia me ajudar, depois desapareceu. E depois me mandou mensagem de dentro do navio."
'Um pesadelo atrás do outro'
Após o caos, parte dos passageiros foi levada ao hotel Ibis, em Santos, com hospedagem e alimentação pagas pela organização. No entanto, os valores foram controlados pelo hotel e limitados a itens básicos, segundo eles. "Na sexta, cortaram tudo. No sábado, liberaram de novo. Um pesadelo atrás do outro", disse Pulga.
Eles dizem que representantes da On Board "fugiram" do hotel após prometerem soluções. Segundo Pulga, dois deles embarcaram depois em Angra. "Foram embora escondidinhos, sem dar satisfação."
A crise mobilizou a Polícia Civil, a Polícia Federal, a Guarda Portuária e a segurança interna. "A delegada veio me buscar no hotel. Ela disse que nunca tinha visto algo desse porte no Porto de Santos", disse Pulga.
'Saí destruído'
Joda, que já havia sido vítima de uma situação semelhante no ano anterior, afirmou que o abalo psicológico foi grande. "É um sonho para o brasileiro. Teve gente chorando, passando mal. Eu mesmo sou tranquilo, mas saí destruído."
Pulga, que saiu de Belo Horizonte rumo ao cruzeiro, teve febre e dor de garganta. "Era o sonho da minha vida. Me destruiu. Não tenho palavras", desabafou.
O que dizem as empresas
O terminal Concais informou, por nota, que oferece apenas a infraestrutura para as operações das armadoras. Segundo a administração, todas as informações relativas ao embarque são de responsabilidade da empresa afretadora, e o terminal está cooperando com as autoridades.
A On Board Entretenimento disse em nota que "vem adotando todas as medidas necessárias para minimizar os impactos causados aos passageiros". Também afirmou que vai "realizar o reembolso integral dos valores pagos pelos passageiros".
A empresa providenciou, de forma imediata, transporte, alimentação e acomodação em hotel para cerca de 90 passageiros que não conseguiram embarcar e permaneceram no porto. O suporte foi mantido durante todo o período da viagem marítima.
On Board Entretenimento
A Costa Cruzeiros e a Rádio Energia 97 FM foram procuradas, mas não responderam aos questionamentos até a publicação deste texto. A reportagem também entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) e com a Polícia Federal, mas não obteve retorno.
Prática ilegal
Se confirmada, a comercialização de cabines acima da capacidade do navio configura prática ilegal e pode resultar em sanções civis, administrativas e até penais. Segundo o advogado Fernando Fendler Costamilan, especialista em direito do consumidor, o episódio tem características típicas de overbooking, vedado pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor).
A jurisprudência brasileira tem reconhecido o overbooking como falha na prestação do serviço, o que gera dever de indenizar por danos materiais e morais.
Fernando Fendler Costamilan
Os passageiros podem buscar reparação por despesas emergenciais. Elas incluem alimentação, transporte e hospedagem, além de compensações por danos morais —em alguns casos, fixadas em até R$ 8 mil.
A ausência de vouchers também pesa contra a empresa. "Isso afronta o direito à informação, previsto no artigo 6º do CDC. A responsabilidade é objetiva —não depende de culpa", explica.
Se comprovada má-fé, reincidência ou omissão, as empresas podem responder também na esfera administrativa e penal. "As indenizações podem aumentar, o Procon pode aplicar multas, e os responsáveis podem ser processados criminalmente."