Enfraquecida, esquerda tem chances de eleger prefeito em só quatro capitais
Do UOL, em São Paulo
15/09/2024 05h30Atualizada em 17/09/2024 15h28
Nas eleições deste ano para prefeito, a esquerda disputa a liderança em apenas quatro capitais, segundo pesquisas de intenção de voto. É franca favorita em apenas uma delas: Recife. Na capital pernambucana, o atual prefeito João Campos (PSB) pode se reeleger no primeiro turno.
O que aconteceu
O único candidato da esquerda favorito a vencer já no primeiro turno é João Campos. Pesquisa Datafolha mostra o candidato com 74% das intenções de voto, o que lhe daria vitória no primeiro turno. Outros três candidatos aparecem empatados no segundo lugar: Gilson Machado (PL), com 9%; Daniel Coelho (PSD), 5%; e Dani Portela (PSOL), 4%. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou menos.
Em São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) aparece tecnicamente empatado no primeiro lugar em algumas das pesquisas. Junto dele estão o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB).
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Em Goiânia, a candidata do PT aparece empatada na liderança com um candidato do PSD. A delegada Adriana Accorsi tem 22,8% e Vanderlan Cardoso (PSD) 21,1%, segundo o Instituto Serpes (veja arte abaixo).
O PT também divide a liderança das pesquisas em Porto Alegre. Maria do Rosário tem 31%, empatada no limite da margem de erro — três pontos percentuais para mais ou menos — com Sebastião Melo (MDB), com 36%, diz a Quaest.
Já o centrão e PL lideram as pesquisas em 21 das 26 capitais. Somados, os candidatos do centrão — MDB, PSD, União Brasil, Republicanos e Progressistas — são líderes em 16 capitais, enquanto o PL está na frente em cinco. O Avante — que não faz parte do centrão, da direita e da esquerda, mas se apresenta como centro clássico — lidera em uma das capitais.
Caso as pesquisas se confirmem, a esquerda vai perder espaço nas capitais em comparação às últimas eleições.
No pleito municipal de 2020, partidos de esquerda chegaram ao segundo turno em 9 capitais. Ao fim da eleição, ganharam em Fortaleza (PDT), Recife (PSB), Maceió (PSB), Aracaju (PDT) e Belém (PSOL). Disputaram o segundo turno e perderam em quatro: São Paulo (PSOL), Vitória (PT), Rio Branco (PSB) e Porto Alegre (PCdoB). Em Salvador (PT), perderam no primeiro turno.
Já nas eleições de 2016, a esquerda venceu em duas capitais já no primeiro turno e foi para o segundo turno em outras nove. No primeiro turno, levou em Rio Branco (PT) e Palmas (PSB). No segundo, venceu em São Luís (PDT), Fortaleza (PDT), Natal (PDT), Recife (PSB), Aracajú (PCdoB) e Macapá (Rede). E perdeu em segundo turno em Goiânia (PSB), Belém (PSOL) e Rio de Janeiro (PSOL)
Direita avança e esquerda não reage
O desempenho da esquerda reflete "um avanço do conservadorismo" no Brasil. "Bolsonaro perde por pouco em 2022, mas tem uma vitória avassaladora do Congresso, o mais conservador da história. Isso se deve a essa onda conservadora na sociedade", afirma Cláudio Couto, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) em São Paulo.
A presença maior da direita no plano local é natural, diz Couto. "Ela tem mais partidos e está mais espalhada pelo país. Depois da crise de 2015, a esquerda não se recuperou localmente e esse espaço foi ocupado pela direita."
Esse avanço da direita se traduziu em mais dinheiro para eleições municipais por meio do Fundo Eleitoral. "Se somar todos os partidos da direita, eles têm a maior parte dos recursos eleitorais", diz Couto. O "fundão", como é conhecido, é uma verba pública dividida entre os partidos com representação no Congresso para financiar as campanhas eleitorais. Quanto maior a bancada de uma sigla, mais dinheiro ela recebe. Este ano, o valor é recorde: R$ 4,9 bilhões.
Deputados e senadores também contam com cada vez mais dinheiro de emendas parlamentares: R$ 44,6 bilhões este ano. "Eles articulam com vereadores e prefeitos de suas bases eleitorais para enviar emendas, beneficiando as candidaturas locais", afirma o professor. "Depois, o sentido é inverso: aqueles que se elegem prefeito e vereador têm uma máquina que vai ajudar na eleição para deputado dois anos depois."
Além disso, a direita se adaptou melhor às redes sociais. "A esquerda não consegue responder à altura. O Marçal é um exemplo da força desses movimentos", diz César.
A direita, que já era poderosa, se fortaleceu depois da crise de 2015 e agora passa por um ciclo de grande poder que se reflete nas eleições municipais.
Cláudio Couto, cientista político
Por que João Campos é favorito
Campos tem alta popularidade. De acordo com o Datafolha, 73% dos entrevistados a classificam a gestão do prefeito como boa ou ótima, 22% acham regular e só 4% avaliam como ruim ou péssima.
O candidato do PSB também é herdeiro político do pai, Eduardo Campos, ex-governador pernambucano. Eduardo morreu no auge da carreira em um acidente de avião em 2014, quando disputava a eleição presidencial.
"O João Campos é diferente dos outros candidatos da esquerda" porque tem "história familiar oligarca", diz César. "Ele é filho do Eduardo, bisneto do Arraes. É algo para além da esquerda".
João Campos herdou o traquejo político da família. "Assim que o avião do pai caiu, ele assumiu com desenvoltura o projeto da família", diz o cientista político. Assim como fazia Eduardo, João não abre mão dos conselhos da mãe, Renata Campos, que prefere atuar nos bastidores.
Juventude também conta. Eleito prefeito pela primeira vez aos 27 anos, hoje, aos 30, é o mais jovem a comandar uma capital. "Ele é bonito, namora a candidata a prefeita de São Paulo Tabata Amaral (PSB), que é também jovem", diz o cientista político. "Isso ajuda nas redes sociais, que não é o forte da esquerda."
Sua desenvoltura nas redes é outro capital político. Campos viralizou no último Carnaval, quando platinou o cabelo em desafio de internautas. É tão popular no Instagram que acumula 2,4 milhões de seguidores. Seus concorrentes nem se aproximam. Gilson Machado tem 488 mil seguidores, Daniel Coelho tem 71 mil e Dani Portela 52 mil. Campos tem mais seguidores do que os 2,3 milhões de Guilherme Boulos, que já foi candidato a presidente.
João Campos é um caso à parte. Na contabilidade, você diz que a esquerda é favorita em Recife. Mas o favoritismo é do clã [Campos].
André César, cientista político
O Clã Arraes
O pai de João, Eduardo Campos, que presidia o PSB no ano em que morreu, também herdou o capital político do avô, Miguel Arraes. Arraes iniciou sua hegemonia em Pernambuco em 1960, quando se elegeu prefeito do Recife. Em 1962, foi eleito governador pela primeira vez, cargo que voltou a ocupar em 1986. Em 1990, migrou para o PSB, em 1993 virou presidente do partido. Em 1994, foi eleito pela terceira vez governador de Pernambuco. Arraes só deixou a presidência da sigla ao morrer, em 2005. Eduardo herdou o cargo. Em 2010, o pai de João se elegeu governador evocando Arraes, consolidando a hegemonia do PSB no estado.
A influência da família, centrada no governo do Estado com Arraes e Campos, chegou à prefeitura pernambucana em 2013. Naquele ano, o PSB voltou ao poder com o afilhado político de Eduardo Campos, Geraldo Júlio. Reeleito em 2016, apoiou João Campos na campanha de 2020, quando o filho de Eduardo venceu a prima Marília Arraes (PT), que também disputava o espólio de Miguel Arraes, seu avô.
Os primos João e Marília protagonizaram uma das eleições mais disputadas de 2020. Os dois estavam empatados com 50% dos votos válidos até o dia anterior à eleição, segundo o Datafolha e o extinto Ibope. Quando a apuração de votos começou, João Campos assumiu a ponta e acabou vencendo por 56,1% a 43,7%.