OPINIÃO
Liso, Nunes se esquivou de perguntas sobre apagão, Bolsonaro e sigilo
Matheus Pichonelli
Colunista convidado
15/10/2024 00h52
Como esperado, o apagão de energia elétrica que atingiu (e atinge mais de 300 mil moradores de) São Paulo desde sexta pautou o primeiro debate deste segundo turno entre Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB), promovido pela Band nesta segunda (15).
Coube ao mediador, Eduardo Oinegue, trazer o assunto à baila, logo na primeira pergunta, e deixar os postulantes se atracarem. Cada um tinha dois minutos para falar sobre o tema e apresentar suas armas. Mas a conversa durou bem mais.
Boulos tentou a todo custo manter a crise no colo da prefeitura. Ele já abriu a fala lamentando pelas milhares de famílias que não assistiriam ao debate porque não tinham eletricidade em casa. E manteve o bom que já havia usado em diversas postagens nas redes, acusando o prefeito de omissão, incompetência e lembrando da dificuldade de acessar serviços de poda de árvores da prefeitura (sobre o modelo de privatização de serviços básicos, nenhuma palavra).
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Nunes se esquivou, culpando as mudanças climáticas e o governo federal. Nesta ordem.
O apagão seguiu no centro do debate quando os candidatos podiam trocar perguntas (e ofensas) durante 12 minutos do banco de tempo no primeiro bloco.
Boulos e Nunes concordavam em um ponto: a Enel, empresa italiana responsável pela concessão da energia elétrica na capital, não tinha condições de seguir operando. O debate virou, então, uma guerra para mostrar quem desprezava mais a empresa.
O candidato do PSOL acusou o prefeito de nada fazer a respeito desde o temporal do fim do ano passado, quando a Enel já tinha deixado milhares de paulistanos às escuras após um temporal.
E o prefeito acusou o deputado de omissão por não ter apresentado, em seu mandato na Câmara, nenhum projeto para alterar a lei federal de concessões. Ele ainda atribuiu ao governo federal o impasse para romper o contrato com a Enel.
"Você não faz poda de árvore, e o culpado é o Lula?", respondeu o desafiante.
Boulos lembrou da dificuldade para acessar o serviço de poda da prefeitura, e Nunes respondeu dizendo que cabe à empresa de energia elétrica fazer o serviço quando as árvores derrubadas encostam em fios de alta tensão.
Nunes parecia ter feito a lição de casa para se desviar das acusações e responder aos questionamentos que certamente viriam. Tinha em mãos, por exemplo, dados sobre o aumento de funcionários responsáveis pelas podas em relação a gestão de Fernando Haddad, do PT (2013-2016).
Aos poucos, outros temas entraram em campo. Nunes acusou o rival de livrar a cara do colega André Janones (Avante-MG) em uma acusação de rachadinha no Conselho de Ética da Câmara. E Boulos trouxe ao debate as suspeitas em contratos da creche.
A certa altura, o deputado quis saber se o prefeito seria capaz de abrir mão de seu sigilo bancário para provar inocência. Nunes desconversou como pode.
E, para quem estava com saudade do clima de tensão dos tempos em que Pablo Marçal (PRTB) dominava os debates, houve quase um momento "te pego lá fora" no segundo bloco. Foi quando Nunes acusou o rival de participar de invasões e o viu deixar o púlpito e se aproximar.
A tensão foi quebrada quando o prefeito perguntou se Boulos estava bem e ofereceu um abraço sem graça — as risadas de alívio cômico de uma plateia ainda traumatizada com a beligerância do primeiro turno pareciam efeito sonoro de programas tipo Chaves ou Friends.
Nunes selou o momento tragicômico dizendo que era da quebrada e não se deixaria intimidar.
No fim do programa, Nunes acusou Boulos de não gostar da polícia e, sendo assim, não tinha direito de acusá-lo de corrupção. E se esgueirou de perguntas sobre o que achava da atuação de Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia.
Nunes evitou defender o aliado. E disse que orgulho mesmo ele tinha das campanhas de vacinação promovidas por Bruno Covas (PSDB), seu antecessor, na prefeitura.
O drible acontece no momento em que aliados de Nunes defendem que ele mantenha distância segura de Bolsonaro durante a campanha (há um ato entre eles marcado para a próxima semana). Nunes prefere que seja algo "discreto" para não afugentar os eleitores na cidade onde o ex-presidente foi derrotado em 2022.
O aliado melindrado, caso estivesse acordado àquela hora, não deve ter gostado nada da deferência.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL