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OPINIÃO

Fraude à cota de gênero: nova caça às candidaturas fictícias no legislativo

Urna eletrônica para Eleições 2024 Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Delmiro Campos

Colunista convidado*

18/10/2024 05h30

Passadas as eleições municipais, as novas composições das câmaras de vereadores começam a se formar, e com elas vem um movimento já conhecido e esperado: a busca, principalmente por parte de suplentes e candidatos derrotados, por possíveis fraudes em candidaturas femininas.

A tentativa de identificar cenários de candidaturas fictícias se intensifica especialmente quando há a possibilidade de atrair a queda de Demonstrativos de Regularidade de Atos Partidários (DRAPs), documento necessário ao registro das candidaturas de um partido político, coligação ou federação, instruído por dados referentes a essas entidades. O deferimento do DRAP é requisito para a análise dos requerimentos de registro de candidatura, cuja aprovação pressupõe a aprovação do DRAP, podendo, em caso de irregularidade, levar à cassação de chapas completas.

Desde 2016, essa questão tem se tornado protagonista no cenário eleitoral. O debate em torno da fraude à cota de gênero, que consiste no descumprimento do percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas, ganha força a cada ciclo eleitoral. A cota prevista no art. 10, §3º, da Lei das Eleições (Lei n. 9.504/1997) é um instrumento essencial para promover a representatividade das mulheres nos espaços de poder, mas infelizmente tem sido alvo de manipulação, com partidos registrando candidatas fictícias apenas para cumprir formalmente a exigência legal.

Fraudes na cota de gênero levaram à cassação de mais de 230 vereadores desde 2020, e só no estado de São Paulo, algo em torno de 15% desse número foi afetado.

Diante desse cenário, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apresentou a Súmula nº 73 com a finalidade precípua de uniformizar a jurisprudência e dar maior segurança jurídica sobre o tema. O texto da súmula esclarece que a fraude à cota de gênero pode ser configurada pela presença de elementos como: votação zerada ou inexpressiva, ausência de movimentação financeira relevante na prestação de contas e falta de atos efetivos de campanha por parte das candidatas.

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Em tais situações, os atos são caracterizados como fictícios, ou seja, candidaturas lançadas apenas para preencher requisitos legais, mas sem qualquer intenção de disputar o pleito de forma efetiva.

A primeira norma criada com o objetivo de aumentar a participação feminina na sociedade foi a Lei 9.100/95, que, em seu artigo 11, § 3º, estabelecia o percentual mínimo de 20% do total das vagas para as candidaturas de mulheres. Em 1997, a Lei 9.504 elevou o percentual para 30%, mas exigia apenas a reserva das vagas. Somente em 2009, com a edição da Lei 12.034, é que a obrigatoriedade do preenchimento de ao menos 30% das vagas para cada gênero passou a vigorar.

O reconhecimento dessa fraude pode levar a severas consequências, como a cassação do DRAP da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, sem a necessidade de prova de participação ou ciência dos beneficiários. Essa cassação tem o efeito de derrubar a chapa completa, o que pode alterar significativamente o cenário das casas legislativas.

A criação da súmula decorre exatamente do número expressivo de casos em que chapas inteiras foram cassadas. Podemos citar alguns processos como fonte de consulta, a exemplo do último julgamento no TRE/PE, no tema 0600620-22.2020.6.17.0117 (117ª Zona Eleitoral - Olinda -PE), ou ainda da Câmara de Belém do Pará pelo TSE, no enfrentamento do Agravo no Respe 0600001-02.2021.6.14.0098.

Além disso, a Súmula nº 73 reforça que aqueles que praticaram ou anuíram com a conduta podem ser declarados inelegíveis, ampliando o espectro de responsabilidade sobre a fraude. A decisão do TSE visa impedir que essa prática siga se perpetuando, garantindo que as mulheres ocupem verdadeiramente o espaço político que lhes é devido e não sejam utilizadas como peças de um jogo eleitoral fraudulento.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que a súmula traz maior segurança jurídica, é fundamental que se freiem os ímpetos de judicialização sem a correta adequação às orientações trazidas pelo Tribunal. A jurisprudência não deve ser utilizada de forma oportunista por candidatos que, na tentativa de obter um novo resultado nas urnas, buscam atacar chapas adversárias sem que haja provas robustas ou indícios que preencham os requisitos estabelecidos pela súmula. A judicialização indevida apenas contribui para sobrecarregar o Judiciário e subverte o propósito de garantir a integridade do processo eleitoral.

Com o fim das eleições municipais, os tribunais eleitorais devem estar atentos a essa nova "caça às candidaturas fictícias", garantindo que as ações propostas estejam realmente alinhadas aos parâmetros estabelecidos pela Súmula nº 73. A segurança jurídica oferecida pela súmula é uma resposta clara às tentativas de manipulação e garante que o processo democrático seja respeitado, valorizando a importância da cota de gênero como ferramenta de inclusão.

Essa atuação não apenas protege a integridade do processo eleitoral, mas também reafirma o compromisso com a igualdade de gênero na política, um tema que tem se mostrado central desde as eleições de 2016. Com a jurisprudência agora uniformizada, o Brasil dá um passo importante na consolidação de um sistema eleitoral mais justo e representativo.

*Delmiro Campos é advogado, presidente da Comissão Especial de Estudos da Reforma Política do Conselho Federal da OAB e coordenador-institucional da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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