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Apesar do declínio, Obama pode aprender com antecessores para vencer eleições de 2012

Ted Widmer

24/12/2011 06h00

No inverno sombrio de 1946-1947, enquanto uma nova guerra fria estava tomando forma, Harry S. Truman saiu para caminhar pelos corredores escuros da Casa Branca, comungando com os espíritos de seus antecessores. Ele os conhecia melhor do que muitos; poucos presidentes tinham estudado história tão profundamente. Mas ele estava com um humor taciturno naquela noite, ciente de seu baixo índice de aprovação e da impossibilidade de um trabalho que se tornou tão grande que ninguém era capaz de dominá-lo. Ele estava particularmente atraído pelos fracassos daqueles que caminharam por aqueles mesmos corredores.

"O piso estalou e rangeu a noite toda", ele escreveu em seu diário. "Qualquer um com imaginação podia ver o velho Jim Buchanan andando de um lado para outro, preocupado com circunstâncias além de seu poder. E Van Buren, que herdou um problema terrível de seus antecessores, assim como o pobre James Madison. Andrew Johnson, é claro, foi o pior maltratado de todos. Eles todos andaram de um lado para outro nesses corredores, lamentando o que deviam ter feito e não fizeram. Bem, eu só citei alguns poucos. Aqueles que tinham biógrafos e historiadores da Nova Inglaterra estão ocupados demais tentando controlar o céu e o inferno para voltar para cá. Mas as almas torturadas que estiveram aqui e estão representadas de modo indevido na história são aquelas que voltam. Que local infernal."

Era possível dizer onde sua mente o estava levando: que coisa terrível se tornar presidente quando o sujeito antes de você arruína tudo! Truman tinha muito respeito pelo fantasma de Franklin Delano Roosevelt para proferir esse pensamento em voz alta, mas ele estava lá, perturbando.

Desde que deixou a presidência em 1953, Truman se tonou um santo padroeiro dos presidentes impopulares. Em seu último ano como presidente, seu índice de aprovação caiu para 22%, o índice mais baixo já registrado. Os eleitores estavam furiosos com uma guerra (na Coreia) que estava demorando demais para ser vencida, uma economia estagnada e a sensação de que o país não estava progredindo. Atualmente ele é considerado um dos presidentes mais populares do século 20 e figura regularmente nas listas dos 10 melhores presidentes que amamos compilar.

Ninguém culparia Barack Obama se ele também caminhasse pelos corredores da Casa Branca tarde da noite, xingando a confusão que herdou. A volta por cima de Truman poderia ser reconfortante para Obama. O terceiro ano é tradicionalmente um momento difícil para um presidente e Obama não é exceção. As pesquisas recentes mostram seu índice de aprovação despencando. Com um Congresso hostil bloqueando cada medida apresentada por ele, e com pouco alívio em vista para o desemprego, redução do déficit ou alguma "grande barganha", Obama adoto a posição de Truman de atacar o Congresso a cada passo. No ano que vem, nós ouviremos duas narrativas muito diferentes sobre a história americana. Cada lado atacará o outro como motivo para os problemas econômicos e é razoavelmente certo que Obama viajará um bocado para o exterior, para reforçar suas credencias na política externa, ao ingressar no ano eleitoral. Além disso, é muito bom sair de Washington quando todos estão atacando você.

Por que o terceiro ano costuma ser historicamente funesto? Os presidentes experimentam rotineiramente um declínio de popularidade à medida que o sonho impossível de uma mudança transformadora dá lugar à realidade do impasse, cinismo e ciclo insaciável de notícias que prefere, inerentemente, o extremismo em vez da moderação. Paradoxalmente, quanto mais um candidato inspira, mais terrível podem ser os maus tempos. Jimmy Carter prometeu tantas mudanças quanto qualquer outro quando foi eleito em 1976, com a promessa evangélica de que reinventaria a política americana após Watergate e o Vietnã. Em 1979, ele sofreu durante a Revolução Islâmica e a crise dos reféns no Irã, com a invasão soviética ao Afeganistão e ao famoso ataque por um "coelho assassino", enquanto remava uma canoa.

De muitas formas, Carter foi seu próprio pior inimigo e sua indignação diante das imperfeições do mundo nem sempre lhe serviram bem, no reino caótico da política externa (em seu registro no diário, datado de 25 de dezembro de 1978: "No dia de Natal, os egípcios rezaram pela cura de minhas hemorroidas, porque eu era um bom homem, e no dia seguinte elas estavam curadas"). Ao mesmo tempo suas realizações eram reais, no Oriente Médio e em outros lugares, mas a sensação de uma presidência remando em círculos persistiu até sua derrota para Ronald Reagan, em 1980.

Nós estamos entrando em uma zona de risco semelhante para Obama? Será que ele está acabado? Todos os presidentes experimentam desafios sérios no terceiro ano; alguns suportam as tempestades melhor do que outros. Bill Clinton sofreu com o atentado em Oklahoma City em 1995 e com a paralisação do governo em 1995-1996, mas sua recusa em ceder a Newt Gingrich foi o ponto de virada de sua presidência. Muitos que condenam a atual ruptura entre republicanos e democratas presumem que a política nunca esteve pior; mas o confronto entre Clinton e Gingrich foi uma disputa terrível entre partidos, que apenas aumentou a antipatia entre eles. Clinton prevaleceu não apenas por causa de sua habilidade política natural (e um oponente convenientemente impossível de ser amado em Gingrich), mas também por causa de uma mudança na maré econômica que criou milhões de empregos.

Clinton também pode ter se beneficiado com uma força da qual não nos lembramos tão rapidamente –seu imenso prazer pelo palco mundial. Apesar de alguns primeiros tropeços na Somália e no Haiti, ele encontrou seu passo em meados dos anos 90 e seu terceiro ano, 1995, foi um ano divisor de águas de muitas formas. Ele forçou um conjunto não muito obediente de aliados e beligerantes locais a entrarem em negociações de paz a respeito da Bósnia, iniciou um envolvimento sério na Irlanda do Norte e elaborou um resgate caro e complexo ao peso mexicano. Ele também passou a viajar cada vez mais ao exterior, levando sua abordagem bem-sucedida de política de varejo para a política externa. Em um país após o outro, ele aparecia ao vivo, fazia discursos ao ar livre e parecia apreciar genuinamente as chances de se misturar às massas. No final de 1993, em seu primeiro ano no governo, ele esteve em apenas três países –Canadá, Japão e Coreia do Sul. No final de 1995, ele tinha realizado 38 viagens ao exterior. Em um período agitado de seis semanas, em novembro e dezembro de 1995, Clinton discursou no enterro de Yitzhak Rabin em Israel, falou para multidões entusiasmadas na Irlanda do Norte e Irlanda, e assinou o tratado de paz bósnio em Paris. Seu conforto no palco mundial era óbvio e os eleitores respondiam.

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Mas a estratégia de viagens internacionais nem sempre funciona para um presidente em dificuldades. Ela ajudou surpreendentemente pouco George H.W. Bush. Após a primeira Guerra do Golfo de 1990-1991, seu índice de aprovação se aproximou de impressionantes 90%. Em um breve período no poder, ele já tinha enfrentado a queda do Muro de Berlim, a reunificação da Alemanha, o fim da União Soviética, a libertação do Leste Europeu, a queda de um ditador desagradável no Panamá, a conferência de paz de Madri que deu início ao processo de paz no Oriente Médio, a libertação de Nelson Mandela da prisão da Ilha Robben, na África do Sul. Poucos presidentes experimentaram tantas mudanças em dois mandatos, quanto mais em um. Apesar de ter sido mais ativo em algumas dessas frentes do que em outras, Bush liderou sabiamente os Estados Unidos pelo labirinto misterioso da Nova Ordem Mundial, como ele a chamava.

Mas se Truman é um herói para os presidentes impopulares, Bush pai oferece uma história de cautela para aqueles que têm o azar de serem populares no momento errado. Em 1991, uma recessão dolorosa após a Guerra do Golfo e a resposta ineficaz de Bush eliminaram grande parte de sua popularidade. De fato, seu apreço pela política externa pode ter acentuado o problema –ele viajava demais ao exterior. O ano de 1992 começou de modo inauspicioso quando Bush, perto do final de uma viagem de 12 dias à Ásia, vomitou durante um banquete cerimonial no Japão. É um absurdo permitir que uma desordem gastrointestinal tenha o peso que teve, mas algo naquele incidente mexeu com os americanos –se esta é a  palavra certa. Ele passou o restante do ano lutando pela sobrevivência, em todas as direções: contra uma extrema direita personificada por Pat Buchanan, que não gostava da obsessão dele pela política externa, um popular candidato de um partido menor em H. Ross Perot, e um oponente democrata carismático em Bill Clinton. Atacado pela direita e pela esquerda, ele não tinha para onde ir. Paradoxalmente, o senso de libertação que o mundo sentiu no início dos anos 90 levou à sua própria saída do poder, apesar de tudo o que ele tinha feito para contribuir para o início do novo mundo.

Outro presidente com um retrospecto impressionante na política externa foi Richard Nixon. Talvez não tenha ocorrido maior jogada de mestre nos últimos 50 anos do que a abertura das relações entre americanos e chineses em 1972. Facilmente reeleito, ele iniciou seu segundo mandato à procura de novas realizações na política externa. Em junho e julho de 1974, ele visitou a Rússia. Em um país onde severidade era obrigatória para os líderes, os russos o consideraram encantador e sua recepção calorosa deve ter oferecido uma breve fuga para as revelações diárias do escândalo Watergate. Foi a última viagem de sua presidência. Pouco mais de um mês depois, ele renunciou.

Hoje, ao entrarmos em outro período eleitoral, Ronald Reagan certamente será mencionado pelos republicanos fiéis. Os candidatos republicanos alegarão ser os herdeiros de seu legado, mesmo sem saberem ao certo que legado é esse. O defensor de altos gastos da defesa ou dos cortes dramáticos nos arsenais nucleares? O líder carismático do Ocidente ou o intrometido confuso no escândalo Irã-Contras? Um olhar para seu terceiro ano mostra uma abundância de problemas –um caminhão-bomba que matou 221 militares americanos em Beirute, em outubro de 1983, o aumento do índice de pobreza, índices de aprovação em queda e várias gafes embaraçosas, incluindo um ataque aos 10 Mandamentos do comunismo de Lenin (eles não existem) e uma história fictícia sobre um recebedor de Medalha de Honra, provavelmente tirada do filme "A Wing and a Prayer" de 1944. Mas Reagan conseguiu superar esses problemas com seu otimismo persistente e uma capacidade de surpreender seus oponentes e, às vezes, até mesmo seus seguidores. Tip O’Neill, o presidente da Câmara que liderou os democratas em muitas das negociações com Reagan, frequentemente elogiava o relacionamento de trabalho com ele. Mesmo o líder estrangeiro que poderia ser o primeiro a criticar Reagan, François Mitterrand, percebeu algo essencial quando encontrou qualidades importantes das quais gostar: "Este é um homem sem ideias e sem cultura. Uma espécie de liberal, certamente, mas sob a superfície você encontra uma pessoa que não é estúpida, que tem enorme bom senso e intenções profundamente boas. O que ele não percebe com sua inteligência, ele sente por natureza".

E, é claro, os eleitores ouvirão sobre o homem que Obama sucedeu, George W. Bush. É provável que ele seja mencionado mais pelos democratas do que pelos republicanos, como o presidente que deixou um tesouro vazio e duas guerras para Obama limpar. Seu terceiro ano, em 2003, pareceu mais triunfante na época do que agora, e poucos querem reviver a invasão ao Iraque, o "Missão Cumprida" ou o que veio depois disso.

Mas há um ciclo eterno de reputação e renovação e é provável que Bush recupere um pouco sua reputação no futuro, à medida que a lembrança de seus erros diminua e ao começarmos a perder algumas das certezas morais de sua época.

Uma onda de nostalgia envolvendo Clinton tomou conta dos Estados Unidos nos últimos meses, incitada por um anseio pela criação de empregos, mas também devido a um ciclo natural que parece exigir que a nostalgia se estabeleça a cada 10 anos, depois que séries de TV populares, canções e presidentes concluem seus encontros com o destino. Isso faria Bush voltar à popularidade por volta de 2018. Com pequenos gestos –um repúdio de Bush ao extremismo de Dick Cheney e seu apoio a vítimas de desastres naturais– e uma recusa em se juntar aos críticos no ataque a Obama, Bush se posicionou bem para uma eventual recuperação.

Obama depende de si mesmo em seu próprio relacionamento com a história. E a história tem um jeito enlouquecedor de não se repetir, para frustração eterna dos historiadores de toda parte. Nenhum desses paralelos se encaixa perfeitamente. Mas um estudo da forma como seus antecessores lidaram com seus problemas do terceiro ano oferece algumas ideias sobre medidas corretivas em casa e no exterior. Alguns viajam ao exterior, mas não demais. Uma habilidade persistente de projetar confiança, mesmo quando os fatos dão pouco apoio. Algumas iniciativas de paz audaciosas. Um espírito incansável de inovação, uma recusa em ser intimidado, e um amor pelas multidões como candidato em campanha, em casa e no exterior. Uma capacidade de confundir os franceses (Reagan era um liberal?). E, acima de tudo, uma forte cautela com pratos japoneses crus.

* Ted Widmer é um historiador, escritor premiado e diretor da Biblioteca John Carter Brown, da Universidade Brown. Ele foi redator de discursos e alto assessor do presidente Bill Clinton.