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Como a boa governança transformou o Brasil em uma nação modelo

Vista do morro Cantagalo, no Rio de Janeiro - Rafael Andrade/Folhapress
Vista do morro Cantagalo, no Rio de Janeiro Imagem: Rafael Andrade/Folhapress

Erich Follath e Jens Gluesing

Da Der Spiegel

13/08/2012 06h00

O motorista de ônibus Luiz Bezerra costumava ter apenas um pensamento em mente enquanto subia as escadarias mal conservadas para o Cantagalo toda noite. Era esse pensamento que o incomodava, mais do que a umidade opressiva ou o suor escorrendo em sua testa: “Como a minha mulher, nossas duas filhas e eu sobreviveremos à noite?” O Cantagalo, uma favela em um morro acima das praias do Rio de Janeiro, só poderia ser considerado pitoresco se visto da distância segura de um helicóptero turístico. Ele é poético apenas em seu nome.

Em todos os cantos dessa favela, homens vendiam drogas e acertavam suas diferenças com armas automáticas. Gangsteres estupravam mulheres jovens, roubavam os idosos, controlavam o bairro e sufocavam qualquer forma de ordem pública com seus excessos violentos.

Atualmente, entretanto, Bezerra tem preocupações diferentes, que podem ser resumidas em duas frases: “coleta de lixo” e “código de endereçamento postal”. Agora sua vida gira em torno de pequenos sonhos, em vez de pesadelos.

“Eu sei que tudo isso não é muito empolgante para você”, diz este homem com cabelo grisalho. Ele está sentado em sua oficina, onde sua residência modelo, do tamanho de uma casa de boneca, com sofá em miniatura e cozinha embutida, aponta sua ascensão à classe média. “Também não é empolgante para mim. Mas, acredite, pela primeira vez em muito tempo, nós, pessoas comuns, estamos participando do boom do Brasil e, pela primeira vez, estamos experimentando esperança.”

O novo Cantagalo

Bezerra, 67 anos, atualmente aposentado do emprego de motorista de ônibus, foi eleito pelos moradores da favela para servir como presidente da associação de moradores. Juntamente com a prefeitura e a polícia, ele é responsável pelos aproximadamente 20 mil habitantes do Cantagalo. Ele cuida para que coletem seu lixo e não mais simplesmente o queimem. Ele os ajuda a registrarem suas casas, a maioria construída ilegalmente, e fornece os números para identificá-las, para guiar os carteiros que agora passam regularmente. Ele alerta seus vizinhos para não fazerem “gatos” elétricos ilegais, mas sim para pagarem pelos serviços municipais regulares, e ouve as queixas deles quando algo é roubado. Crimes violentos agora são raros no Cantagalo.

A Unidade de Polícia Pacificadora patrulha aqui. Essa unidade especial fez uso da força para conquistar o Cantagalo, expulsando os poderosos narcotraficantes e recolhendo rifles e pistolas. Agora a presença 24 horas da unidade na favela proporciona um tipo de calma tensa.

Ainda há um senso de desconfiança aqui entre as ruas estreitas, com seus muros cobertos de pichações. Muitas pessoas desaparecem dentro de suas casas quando veem os homens robustos em uniforme se aproximarem e apenas algumas poucas mulheres oferecem uma saudação cautelosa. Os pacificadores são respeitados, mas não necessariamente apreciados, e há uma sensação de que eles ainda estão sob condicional aqui. Com frequência demais no passado, funcionários corruptos do governo faziam acordos com os gângsteres. “A polícia virava as costas quando as gangues massacravam umas às outras aqui, e também matavam muitos de nós no ‘micro-ondas’. É como chamavam quando queimavam suas vítimas vivas”, diz um morador do Cantagalo, que pede para permanecer anônimo. A polícia, que trabalha sob o comando do capitão Renato Senna, está ciente disso e tenta neutralizar os conflitos com o máximo de moderação possível.

O Cantagalo mal se parece com sua antiga versão. Novos bares e lojas surgiram, oferecendo de tudo, de detergente até preservativos. As pessoas aqui também têm mais dinheiro para gastar desde que o programa nacional “Bolsa Família” foi implantado. Segundo o programa, as mães pobres recebem um benefício mensal equivalente a algo entre 10 euros e 60 euros, dependendo de sua renda e número de filhos, e de condições cuidadosamente monitoradas –as mães precisam enviar seus filhos para a escola e fazer com que sejam vacinados regularmente.

Conseguindo uma trifeta rara

Será que o Rio, a caótica cidade do samba que estava quase desesperadamente tomada pelo crime e em decadência há uma década, um lugar que os turistas eram alertados a evitar, agora está a caminho de se tornar um modelo para outras cidades? Que a famosa lascívia da cidade esteja dando lugar a um senso de ordem a um estilo quase alemão –aqui dentre todos os lugares, na capital das tangas e do salto alto do Carnaval brasileiro?

Essas mudanças impressionantes não estão acontecendo apenas no Rio, apesar de estarem sendo aceleradas por dois futuros eventos importantes, a Copa do Mundo de 2014 de futebol e os Jogos Olímpicos de 2016. O Brasil há muito tempo é considerado um país com grande potencial –mas condenado para sempre a apenas sonhar com essa possibilidade, devido aos governos caóticos do país parecerem nunca conseguir se organizar ou serem mais eficientes. Agora todo o país está em ascensão. O maior país da América do Sul é um dos chamados países “BRICs” –Brasil, Rússia, Índia e China– que foram agrupados por serem considerados regiões de crescimento com potencial econômico particular. E muitos acreditam que o Brasil já está a caminho de se tornar uma potência global.

O país conta com um orçamento quase equilibrado, pouca dívida e quase pleno emprego. Ele está em processo de superar a França e o Reino Unido, e deve se tornar uma das cinco maiores economias do mundo. Apesar de ser um país recém-industrializado, o Brasil fornece ajuda para desenvolvimento, e suas reservas de dólares acima de US$ 350 bilhões o tornam um dos países com potencial de ajudar a salvar a União Europeia.

O especialista em globalização Nicholas Lemann resume o milagre brasileiro na revista “The New Yorker”: “Entre as maiores potências econômicas do mundo, o Brasil conseguiu uma trifeta rara: crescimento elevado, liberdade política e diminuição da desigualdade”. O primeiro fator contrasta muito com os Estados Unidos e a Europa, o segundo fator contrasta com a China e o terceiro com quase qualquer outro lugar no mapa.

Os altos elogios de Lemann ao Brasil fazem parecer que os líderes globais em busca do segredo para a boa governança deveriam peregrinar à Amazônia. Organizações internacionais como o Banco Mundial e políticos do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, também se mostram cheios de admiração.

Tornando-se uma potência global

Como exatamente o governo conseguiu isso? Como ele transformou o Brasil em um dos países recém-industrializados mais bem governados do mundo?

O Brasil tem 22 vezes o tamanho da Alemanha, e com 192 milhões de habitantes, também tem mais que o dobro da população alemã. O país também carrega fardos históricos pesados. A sociedade brasileira está longe de ser homogênea, a economia não é bem desenvolvida e o país não tem tradição de democracia.

Na verdade, durante grande parte de sua história, o Brasil foi tratado como peão por potências estrangeiras. Os conquistadores portugueses foram brutais em seu tratamento aos povos indígenas da região. Eles também trouxeram milhões de escravos da África e exploraram o Brasil do modo como quiseram do século 16 ao século 19. No século 20, o país se arrastou de um golpe até outro, e por duas décadas, a partir de 1964, foi governado por uma ditadura militar que Washington às vezes tolerava e às vezes apoiava ativamente.

No início dos anos 90, a economia do Brasil atingiu o fundo do poço. A criminalidade violenta nas grandes cidades atingiu níveis de pesadelo, máfias de madeireiros promoveram uma exploração impiedosa das florestas tropicais, e enquanto algumas poucas pessoas se tornavam absurdamente ricas, os bebês nas favelas morriam de desnutrição. O governo não fornecia nem mesmo os serviços mais rudimentares, e a hiperinflação devorava mais do que aumentos salariais podiam compensar.

Essas circunstâncias poderiam ter fornecido terreno fértil para radicais, facilmente dando origem a uma revolução. Mas o indivíduo que assumiu para mudar as coisas foi um social-democrata moderado, Fernando Henrique Cardoso, atualmente com 81 anos. Em 1993, na época no cargo de ministro da Fazenda, ele reuniu as mentes mais brilhantes do país. Ele criou uma nova moeda, o atual real, reestruturou o crédito externo e suspendeu as barreiras tarifárias. Alguns setores protegidos não sobreviveram às mudanças drásticas, mas a nova abordagem trouxe um retorno da confiança e o consumo começou a crescer.

A abordagem de Fernando Henrique ao governo aplicou ferramentas que poderiam ter saído diretamente do manual da boa governança –e de fato, o Banco Mundial começou a publicar esse manual em 1996, na forma de seus “Indicadores Mundiais de Governança”. Fernando Henrique nomeou tecnocratas em vez de seus próprios seguidores políticos. Ele abriu o país, criando laços econômicos internacionais, e foi recompensado por seus esforços quando o Brasil o elegeu presidente em 1994 e de novo quatro anos depois.
‘O político mais popular da Terra’

Mesmo assim, Fernando Henrique fracassou em uma das metas centrais da boa governança: uma distribuição justa da riqueza. Esse esforço foi realizado por seu sucessor, que se tornou presidente em 2002: Luiz Inácio Lula da Silva, o líder do Partido dos Trabalhadores de esquerda. Um ex-engraxate, metalúrgico e líder sindical, o próprio Lula foi membro da classe baixa do Brasil. Sua primeira esposa e filho não nascido morreram porque a família não dispunha dos recursos para o atendimento médico necessário. Em 2003, como presidente, ele primeiro viajou para se encontrar com os líderes econômicos do mundo em Davos, Suíça, e dois dias depois participou do Fórum Social Mundial, uma contrainiciativa alternativa realizada em Porto Alegre, Brasil. “Em ambos os encontros”, ele refletiu posteriormente com orgulho, “eu fiz o mesmo discurso sobre a fome e como combatê-la”.

Lula teve sucesso em aliviar a situação desesperadora dos não privilegiados em seu país com programas de bem-estar social como o Fome Zero, que ele implantou contrariando o parecer expresso de seus próprios assessores, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Ele foi acusado de “assistencialismo”, uma forma de alívio da pobreza limitado a ajuda dada com pouco potencial de promover mudança a longo prazo. Mas Lula foi bem-sucedido. Mais de 20 milhões de pessoas saltaram da classe baixa para a média em seu mandato, e a proporção de brasileiros vivendo na pobreza absoluta caiu 50%.

“Governo responsivo” é o nome que cientistas políticos e sociólogos usam para um estilo de liderança que age mais ou menos prevendo as questões e preocupações de seu eleitorado, integrando as pessoas de várias classes e criando um senso compartilhado de identidade. Para milhões de brasileiros, Lula personificou esse princípio simplesmente por meio de sua história pessoal, e o recompensaram com índices de popularidade e resultados eleitorais únicos nos países do Ocidente. Ele venceu com 61% dos votos contra seu rival social-democrata em 2006, e seu índice de aprovação era de mais de 80% quando deixou a presidência em 2010. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que dois anos antes era festejado como se fosse o Messias por seu feito de ter conquistado 53% dos votos na eleição presidencial americana, chamou seu par brasileiro de “o político mais popular da Terra”.

Os eleitores do país certamente teriam dado a Lula um terceiro mandato e outros políticos com seus índices de aprovação ficariam tentados. Mas a Constituição do Brasil estipula um limite de dois mandatos, e o Congresso do país bloqueou as tentativas de mudar esse limite. Cumprir o devido processo da lei é outro princípio universal da boa governança, mas um que nem todos os países recém-industrializados observam.

Disposição de experimentar e capacidade de aprender

  • Roberto Stuckert Filho/Presidência da República

    Dilma tem usado estratégias como profissionalização do trabalho político e disposição de experimentar

A sucessora de Lula, a ex-guerrilheira Dilma Rousseff, assumiu a presidência em 2011. De muitas formas, ela é o oposto polar do carismático Lula: séria, atenta aos detalhes e extremamente envolvida em seu trabalho. Ela deixou claro desde o início que esperava que as pessoas à sua volta levassem seu trabalho tão a sério quanto ela, marcando reuniões ministeriais nas tardes de sexta-feira e apresentações às 7h30 da manhã nas segundas-feiras, e proibindo frases como “impossível” ou “talvez amanhã”.

Diferente de Lula, atualmente com 66 anos e se recuperando de um câncer, Dilma foi rápida em extirpar o menor indício de corrupção, afastando sete ministros em seu primeiro ano de mandato. A nova presidente devora os documentos que passam por sua mesa e tem uma memória extraordinária para estatísticas. Ao ser perguntada por um repórter da “Newsweek” se sabia quantos empregos seu governo tinha criado, Dilma respondeu, “1.593.527 nos primeiros seis meses”.

As estratégias que Dilma está implantando são aquelas que despontaram no início do debate global sobre boa governança: profissionalização do trabalho político, disposição de experimentar e capacidade de aprender.

O que a atual presidente aprendeu com suas experiências durante os anos Lula, durante os quais ela foi ministra de Minas e Energia e ministra-chefe da Casa Civil, contrasta das lições que outros tiraram da globalização. Diferente dos republicanos nos Estados Unidos ou de muitos neoliberais europeus, Dilma acredita no envolvimento do governo, em políticas industriais ativas e impostos que são aplicados de modo inteligente e aumentados quando necessário. As transações financeiras agora estão sujeitas a taxas elevadas, e um imposto especial de 1,5% no salário de cada pessoa é destinado ao apoio às artes do país. Enquanto as verbas para artes são cortadas em outros lugares, o modelo único do Brasil resultou em um aumento anual de 10% nos recursos para o teatro, música e artes visuais.

Uma das maiores histórias de sucesso da globalização

Apesar da impiedosa intervenção, regulamentação e taxação pelo governo, as empresas brasileiras não têm do que se queixar. As principais empresas do país se tornaram algumas das mais importantes produtoras agrícolas do mundo. Nenhuma outra empresa produz tanta soja quanto o Grupo Amaggi, com sede em Rondonópolis, no Centro-Oeste do país. A gigante do etanol Cosan, em São Paulo, superou a produtora alemã Südzucker AG como líder nesse campo. A multinacional belga-brasileira InBev agora é a maior produtora de cerveja do mundo. E o Brasil está ganhando nome em áreas além de bens de consumo, como no setor de alta tecnologia. A fabricante de compressores Embraco detém uma participação de 22% no mercado mundial de refrigeração, e a Embraer é a terceira maior fabricante de aviões, atrás da Boeing e da Airbus.

O país modelo da América do Sul é sem dúvida uma das maiores histórias de sucesso da globalização, emergindo da crise financeira global de 2008 mais forte do que antes. Ainda assim, a sustentabilidade a longo prazo depende de fatores além daqueles decididos no palácio presidencial do Brasil.

O real brasileiro agora é considerado uma das moedas mais fortes do mundo, o que pode ser um pesadelo, e não apenas para os turistas. “Ultimamente, os investidores brasileiros que me visitam no meu escritório em Londres andam dizendo que estão achando Londres barata”, diz Jim O’Neill, cujo estudo em 2001 sobre nações industrializadas emergentes cunhou o termo “BRICs”. O’Neill atualmente é presidente da Goldman Sachs Asset Management.

O Brasil está cada vez mais sendo inundado por produtos de plástico baratos, a maioria vindo da China, o que sufoca as pequenas indústria domésticas, de trabalho intensivo. Três quartos de todos os produtos vendidos no Carnaval brasileiro, por exemplo, vêm do Leste da Ásia. O país também está tomado por especulação. Apesar de uma série de reduções nas taxas de juros, mais recentemente no início de junho, a 8,5%, a taxa básica de juros do Brasil ainda é atraente demais para afugentar o afluxo de fundos estrangeiros não produtivos.

O governo brasileiro freou o crescimento deliberadamente no ano passado, por temer que sua economia poderia superaquecer, deixando o Brasil atrás dos demais BRICs, com uma taxa de crescimento de apenas 3%. Agora, entretanto, a presidente está tentando reacender o boom de seu país.

Jorrando petróleo

  • Yann Arthus-Bertrand/Divulgação

    Vista da Baia de Guanabara no Rio de Janeiro, plataforma de petróleo e ao fundo a cidade

O petróleo, o mesmo recurso que prova ser mais uma maldição do que uma bênção para tantos países e frequentemente leva a “má governança” –para desigualdade, corrupção e derramamento de sangue– pode ter um papel decisivo no estabelecimento do futuro curso do Brasil.

O Brasil é um país com muitos recursos naturais. O país tem florestas tropicais enormes, que estão sendo ilegalmente desmatadas por máfias que nem mesmo o governo Rousseff ainda conseguiu controlar. O Brasil também conta com mais da metade das terras agrícolas férteis da América do Sul, assim como energia hidrelétrica e minerais em abundância –e grandes quantidades de gás natural e petróleo. Há apenas seis anos, depósitos adicionais de petróleo foram descobertos além da costa do sul do Brasil, escondidos nas profundezas do mar a 300 quilômetros da costa do Rio de Janeiro. Esses depósitos são de difícil acesso, mas têm o potencial de ser enormemente lucrativos.

A empresa petrolífera brasileira Petrobras, da qual o governo é o acionista majoritário, detém o monopólio da extração desse petróleo. Com uma receita acima de US$ 120 bilhões, a Petrobras é uma das maiores empresas do mundo –e seus melhores tempos ainda virão. Atualmente o Brasil exporta apenas cerca de 800 mil barris de petróleo, nem um décimo do que a Arábia Saudita exporta.

O centro de pesquisa da Petrobras parece algo construído por extraterrestres com inclinações ambientais. Os domos brancos do prédio e corredores de vidro, que isolam tanto do calor quanto do ruído, são construídos segundo os mais recentes padrões ambientais e usam quase exclusivamente energia solar e eólica. “Combustíveis fósseis são valiosos demais para algo assim”, diz o engenheiro José Fagundes Netto do deck panorâmico da empresa, no campus universitário nos arredores do Rio.

A Petrobras planeja investir US$ 225 bilhões –“o maior investimento do mundo”– em seus campos em alto-mar até 2015. Alguns dos depósitos estão localizados em profundidades de mais de 5 mil metros, com os últimos 2 mil metros até o recurso cobiçado consistindo de uma camada de sal. Os desafios técnicos são imensos, mas os engenheiros da Petrobras acreditam que podem superá-los. “Nós estamos à frente globalmente em exploração em águas profundas”, declara Netto confiantemente. Mas o Brasil também enfrentou um vazamento em águas profundas em janeiro, suspendendo temporariamente as operações no Carioca, seu quinto maior campo de petróleo.

A Petrobras planeja estar extraindo de todos seus campos em águas profundas até 2017. Poucos anos depois disso, se tudo correr bem e não ocorrer nenhum acidente, a empresa brasileira poderá se tornar a Nº1 do mundo em termos de valor no mercado de ações e produção. Uma nova refinaria está sendo construída no momento, enquanto outras estão sendo planejadas. Isso possibilitará não apenas a exportação de matéria-prima, mas também de produtos refinados. Essa visão a longo prazo também distingue o Brasil de países ricos em petróleo, como o Irã, Iraque ou Venezuela, que extraem petróleo há décadas, mas às vezes acabam tendo que importar gasolina e diesel.

Evitando o ‘mal holandês’

O quão importante a Petrobras é para a presidente do país pode ser visto na escolha de Dilma para nova presidente-executiva da empresa: Maria das Graças Foster, 58, que é tanto uma especialista em energia amplamente reconhecida quanto mais outra história de sucesso de tirar o fôlego no Brasil. Graça Foster veio das favelas do Rio e trabalhou para chegar à faculdade, criando uma filha ao mesmo tempo. Com trabalho árduo, no espaço de 30 anos ela ascendeu na carreira, passando de estagiária a técnica de plataforma de petróleo e então para a supervisão da divisão de gás natural da empresa.

Além de ser uma especialista em combustíveis fósseis e diretora da empresa, Graça Foster tem grande conhecimento de futebol e é torcedora do Botafogo, um time da primeira divisão do Brasil. Mas ela não tem paciência com funcionários que ficam para trás. Quando isso acontece, assim como sua amiga a presidente, Graça Foster pode se tornar bastante desagradável.

Um grande desafio para o Brasil é como evitar o “mal holandês” –um termo econômico que trata da diminuição da competitividade do setor manufatureiro de um país à medida que aumenta sua exploração de recursos naturais. O país também quer impedir o clientelismo que tende a atormentar os países produtores de petróleo e, em vez disso, assegurar que as pessoas tenham uma participação justa no lucro obtido com os recursos naturais do país.

Até o momento, a Noruega forneceu a melhor solução para esse problema, por meio de um fundo soberano que canaliza parte dos lucros do petróleo do país para investimentos. A Petrobras considera o exemplo da Noruega como seu ideal declarado. Ainda assim, equilibrar as especificações do governo, que detém a participação acionária majoritária na Petrobras, com os interesses dos acionistas minoritários provavelmente provará ser consideravelmente mais difícil no Brasil recém-industrializado do que na democracia escandinava bem estabelecida.

Sem churrasco em Copacabana

De volta ao Rio, à beira do centro da cidade e perto do edifício preto da prefeitura, fica uma nova construção quadrada com paredes de vidro. Se o exterior do prédio parece futurista, o interior parece ainda mais com um centro de controle de missão de um filme “Star Wars”.

Quase um quarto de todos os 6 milhões de cariocas vive em favelas, e apenas um pequeno número dessas favelas foi pacificado como o Cantagalo. Muitas favelas também correm risco de deslizamentos de terra, quando começam as chuvas torrenciais da região a cada ano. Todos esses fatores contribuíram para a decisão da prefeitura em 2010 de estabelecer um novo centro de comando.

Aqui, homens em macacões brancos ficam de olho em uma enorme parede de monitores exibindo um fluxo constante de novos dados, que representam um Rio virtual em tempo real. De toda a cidade, 560 câmeras transmitem imagens de alta resolução de cruzamentos, estações de metrô, praças públicas e praias. Um satélite meteorológico fornece dados atuais sobre a formação de tempestades. Sirenes instaladas em 66 favelas localizadas em pontos críticos fornecem alerta de risco, e 400 funcionários disponíveis 24 horas registram crimes e acidentes, incêndios e apagões, repassando imediatamente os dados para a polícia, bombeiros e ambulâncias. Em breve, o centro de controle planeja tornar essa informação disponível para todos online, fornecendo alertas sobre quais áreas da cidade devem ser evitadas em um determinado momento.

A multinacional americana de computadores IBM criou este centro, ao custo de 11 milhões de euros, e espera que outras grandes cidades encomendem centros semelhantes caso o sistema do Rio prove ser eficaz.

Mas a ideia não nasceu na empresa americana. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, 42, informou seus desejos precisos para a gigante de informática. Hoje, ele diz com orgulho: “Minha visão é de uma cidade com menos desigualdade. Nós ainda podemos carecer de alguns poucos dos aspectos que precisamos para conseguir isso, mas estamos no caminho certo. Nós queremos transformar o Rio em um modelo para outras cidades do mundo”.

Paes governa o Rio da mesma forma que Dilma governa o país –com rigor quase alemão. Fazer churrasco é proibido no famoso bairro de Copacabana, por exemplo, e futebol não é jogado antes das 17h. Mas Paes reconhece que não seria possível aplicar todas essas políticas o tempo todo e sob todas as circunstâncias. “Nós não queremos que nossa cidade se transforme em Lausanne ou Zurique”, ele diz de forma tranquilizadora.

Certamente as noites caóticas e exuberantes nas favelas da cidade oferecem pouco motivo para temer que esse risco em particular venha a se concretizar tão cedo. A germanização do Brasil ainda não foi tão longe.