Contra a esquerda, polarização e ataques à democracia: política na Polônia se parece à nossa

Apesar dos mais de 10 mil quilômetros de distância e das muitas diferenças que separam brasileiros e poloneses, as duas sociedades vivem debates políticos parecidos: rejeição à esquerda, discussão sobre livre mercado, renovação política, separação de religião e Estado e acolhimento a imigrantes são alguns exemplos.
Com 38 milhões de habitantes, a Polônia anunciou na última semana o resultado das eleições regionais, que consagraram a expansão do polêmico Lei e Justiça (PiS, na sigla em polonês), partido conservador de direita. No governo desde 2015, a agremiação tem grande apelo popular, mas é alvo de críticas por parte da União Europeia e de observadores internacionais, que apontam algumas medidas antidemocráticas do governo.
À diferença do Brasil, porém, na Polônia discursos extremos são menos bem recebidos.
“Na Europa, Bolsonaro seria chamado de neonazista, dados seu histórico militar e sua declarações homofóbicas e de apologia da tortura", diz Monika Sawicka, do Instituto de Estudos Americanos da Universidade Jaguelônica, em Cracóvia, na Polônia.
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O que se passa na Polônia?
A Polônia é uma democracia desde 1989, quando começaram as eleições livres. A abertura política ocorreu depois de 40 anos de comunismo e repressão política e foi seguida de um crescimento de modelos políticos e sociais conservadores, com aumento do peso da igreja católica.
Um dos resultados dessa transição é o nascimento da chamada “cidadania religiosa”: a valorização do “bom e devoto cristão católico”, diz a brasileira Thaís Wenczenovicz, pós-doutora em Ciências Humanas pela Universidade de Varsóvia, na Polônia.
Com o Plano Balcerowicz, a transição para a democracia foi brusca, e os anos 1990 foram muito difíceis para uma população que não estava preparada para o mercado livre e suas regras.
“O governo optou pela terapia de choque em 1989, e a sociedade teve que aprender a se virar sem apoio do Estado. Vieram problemas graves de desemprego e desvalorização da moeda, e houve novas mudanças radicais com a entrada na União Europeia em 2004”, conta Monika.
Com mais de 20 anos de crescimento econômico ininterrupto, hoje a Polônia tem uma taxa de desemprego inferior 4%.
Onda Conservadora na Polônia e na Europa
A Polônia não só vive os efeitos de uma onda conservadora que impacta diversos países, dos Estados Unidos ao Brasil, como foi uma das primeiras nações a iniciar o movimento.
“Desde a chamada crise dos refugiados, partidos de direita conquistaram espaço em quase todas as eleições na Europa e, em alguns países, chegaram ao governo”, avalia Thais.
O PiS, fundado em 2001, tem maioria nas duas câmaras do Parlamento do país. Suas pautas conservadoras e céticas em relação à Europa têm acompanhado um crescimento econômico estável e baixas taxas de desemprego nos últimos anos.
Nas eleições regionais do começo de outubro, o PiS estendeu seu alcance à maioria das assembleias locais, garantindo 245 de 552 assentos, mas perdeu na maior parte das grandes cidades. O regime é parlamentarista e o presidente, Andrzej Duda, segue a linha do partido.
Um dos atuais pontos de conflito são as políticas duras anti-imigração -- o governo se recusa a receber refugiados da guerra na Síria e migrantes de outras partes da Ásia e da África.
A medida tem respaldo de grande parte da população, mas há anos causa críticas da União Europeia, que também acusa o PiS de atentar contra a democracia.
O governo polonês tem forçado alguns membros da Suprema Corte de Justiça a se aposentar neste ano. Em setembro, a Comissão Europeia processou o país, alegando que a medida é uma tentativa de elevar o controle sobre o sistema judiciário.
O partido também votou a favor de endurecer as leis contra o aborto -- a Polônia já tem uma das legislações mais restritivas sobre a questão entre os países da região.
Em ambos lados do oceano, sistemas democráticos ainda em estágio de 'maturação' têm fragilidades semelhantes.
“Assim como no Brasil, a democracia ainda não está totalmente consolidada. Isso se reflete em reformas que podem ser anticonstitucionais”, diz Monika.
Jeitinho polonês
Outra similaridade entre Brasil e a Polônia é a 'flexibilidade legal'.
“Na Polônia, nós aceitamos um pouco de caos nas nossas vidas. Assim como no Brasil existe o 'jeitinho brasileiro', na Polônia temos o conceito de ‘kombinowat’", explica.
O verbo, ela explica, significa algo como “esquivar da lei” - agir de forma não necessariamente ilegal.
A importância da religião também une as duas nações. “Como o Brasil é uma ex-colônia portuguesa, tem muita influência católica. Mesmo que hoje esteja em declínio, certos valores são fortes”, defende.
Polarização dificulta avanços
Outro ponto em comum é a forte polarização das opiniões nas duas sociedades - que, para Monika, trará efeitos mesmo após as eleições. Segundo a pesquisadora, sociedades fraturadas têm dificuldade para avançar com reformas.
“Falo em reforma eleitoral, reforma política que exija mais disciplina partidária, manutenção da lei da ficha limpa e maior investimento na educação”, diz.
“Mas a conversa nem se concentra nisso, fica restrita à corrupção”, diz.
Apesar dos desafios, a pesquisadora vê "energia" na sociedade brasileira.
“Nos países bálticos, há uma desconfiança muito grande nas instituições e uma vontade de se distanciar delas, então falta movimento cívico. Já no Brasil, tanto a esquerda quanto a direita estão mais mobilizadas”, diz.
Ela cita como exemplo os frequentes protestos nas ruas brasileiras vistos nos últimos anos.
“Quando há mudanças grandes na Polônia, o número de protestos é muito baixo”, diz.
Discurso radical
“Na Polônia e na Europa, os tipos de coisa que ele fala não seriam aceitáveis”, avalia.
Para ela, o apoio ao novo presidente é resultado da desilusão política, em especial após a operação Lava Jato. “Esses eleitores simplesmente não querem votar no PT. Querem uma alternativa”, disse.
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