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Acusada de corrupção, Cristina Kirchner ainda conta com o apoio de muitos argentinos

3.out.2018 - Yenni Prieto segura uma bandeira nacional argentina com uma foto da ex-presidente Cristina Fernandez, durante um protesto exigindo melhores condições para aposentados com deficiência, em Buenos Aires - Natacha Pisarenko/AP
3.out.2018 - Yenni Prieto segura uma bandeira nacional argentina com uma foto da ex-presidente Cristina Fernandez, durante um protesto exigindo melhores condições para aposentados com deficiência, em Buenos Aires Imagem: Natacha Pisarenko/AP

Almudena Calatrava

Da AP, em Buenos Aires

06/11/2018 04h00

Uma série de acusações criminais e de corrupção contra a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner não abalou um grupo forte de apoiadores ferrenhos, que ajudaram a torná-la uma forte candidata, ainda não declarada, a recuperar o poder nas eleições do próximo ano.

Centenas de simpatizantes, alguns acenando com cartazes dizendo “Força, Cristina!” lotaram a rua quando investigadores revistaram o apartamento da ex-presidente recentemente.

Gritos de apoio a Kirchner surgem das multidões durante os protestos contra as políticas de austeridade do líder conservador que a substituiu como presidente, Mauricio Macri.

“Agora, mais do que nunca, soldados de Cristina” estava escrito em um cartaz em um protesto que exigia melhores condições para aposentados com deficiência.

"Muitas mulheres votaram no governo de Mauricio Macri e agora se arrependem", disse Teresa Rollano ao andar de braço dado com um amigo que carregava o cartaz. “As pessoas querem Cristina porque ela representa a classe trabalhadora. Ela nos deu todos os nossos direitos.

Uma pesquisa recente feita pelo instituto de pesquisas local Ricardo Rouvier & Associates disse que Fernandez está cabeça a cabeça com Macri em termos de apoio antes da eleição de outubro de 2019.

Cristina Kirchner em entrevista coletiva após pedido de prisão da Justiça argentina - Carlos Reyes/AFP - Carlos Reyes/AFP
Cristina Kirchner em entrevista coletiva após pedido de prisão da Justiça argentina em 2017
Imagem: Carlos Reyes/AFP

Isso é um apoio notável para uma política que enfrenta numerosas investigações formais sobre supostos subornos, lavagem de dinheiro e associação criminosa durante seu próprio governo de 2007 a 2015 e do seu marido Nestor Kirchner de 2003 a 2007.

Kirchner, agora senadora, não foi condenada por nenhum crime --o primeiro julgamento está marcado para fevereiro-- e ela nega ferozmente qualquer irregularidade, acusando agentes de persegui-la para desviar a atenção da atual crise econômica.

Mas a imprensa argentina está repleta de escândalos pitorescos: sacas de milhões de dólares em dinheiro lançados sobre um muro, a misteriosa morte de um promotor que acusou Kirchner de encobrir crimes, a condenação da corrupção de seu ex-vice-presidente.

Parte da força de Kirchner vem do desencantamento com Macri, cujos esforços de redução do orçamento acabaram com milhares de empregos públicos, aumentaram as contas de luz e as tarifas de ônibus sem conseguir reviver a economia ou controlar os altos preços. A decisão deste ano de buscar ajuda do FMI despertou temores entre aqueles que culpam a agência internacional por um desastre econômico devastador em 2001, quando o governo da Argentina foi forçado a decretar a maior moratória da dívida da história e afundou milhões de argentinos na pobreza.

Muitos dão crédito ao casal Kirchner por liderar o país na crise, mesmo que os patrocinadores de Macri culpem as políticas deles por eventualmente criarem os problemas atuais do país.

Sob o governo de Cristina Kirchner, “pude comprar um carro novo, arrumar minha casa e viajar de avião pela primeira vez”, disse Gloria Buffarini, cabeleireira. “Eu costumava pagar 600 pesos por mês (cerca de US$ 16) pela eletricidade. Agora, são 3.000 pesos (cerca de US$ 80).

Os defensores de Fernández a creditam por nacionalizar o sistema previdenciário, manter a energia elétrica barata por meio de subsídios e redirecionar a receita para os pobres por meio de doações, e vê-la como uma pioneira para o avanço das mulheres.

O apelo do ex-presidente também flui de sua liderança de uma poderosa, ainda que fragmentada, onda populista na política argentina que se originou com Juan Domingo Peron nos anos 1940 e de políticas sociais progressistas que ela aprovou diante da oposição de poderosos interesses empresariais.

Mas ela também inspira profunda animosidade. Detratores a culpam pela corrupção endêmica e pela deterioração da economia argentina, que foi sufocada pelas restrições às importações, exportações e trocas de moeda estrangeira na última parte de sua administração.

"Desde que Perón não houve outro líder que gerou tal situação de amor e ódio", disse Mariel Fornoni, da consultoria Management & Fit. Ela afirmou que Kirchner tem um "núcleo duro de seguidores que vão votar nela, não importa o que ela faça".

Kirchner enfurece pessoas como Patricio Canbelari, um professor de línguas, que disse: "A maioria quer vê-la presa" e a chamou de "ladra de colarinho branco".

O ex-secretário de obras públicas de Kirchner foi preso em 2016, quando foi pego jogando sacos que continham mais de US$ 9 milhões sobre as paredes de um convento. Mais tarde, ele concordou em cooperar com os promotores, juntando-se a outras testemunhas acusando Kirchner e seu filho de supervisionar um plano para desviar milhões de dólares de projetos de obras públicas.

Simpatizantes de Cristina Kirchner prestaram apoio a senadora em frente à residência da ex-presidente - Eitan ABRAMOVICH / AFP - Eitan ABRAMOVICH / AFP
Simpatizantes de Cristina Kirchner prestaram apoio a senadora em frente à residência da ex-presidente
Imagem: Eitan ABRAMOVICH / AFP

Os juízes também estão investigando as alegações publicadas pelo jornal La Nación de que o motorista de uma alta autoridade mantinha diários detalhados sobre pagamentos de milhões de dólares em dinheiro, incluindo alguns entregues nos escritórios presidenciais e na casa particular de Kirchner.

Kirchner, juntamente com outros ex-membros do governo, também enfrenta julgamento sob acusação de que ela encobriu o papel dos iranianos em um atentado terrorista de 1994 em um centro judaico na capital da Argentina. O promotor que primeiro indiciou acusações contra ela, Alberto Nisman, morreu misteriosamente de um ferimento à bala quatro dias depois, um caso que ainda está sob investigação.

O ex-vice-presidente de Fernandez, Amado Boudou, está na prisão, recorrendo a uma sentença por suborno e negócios incompatíveis com seu cargo público. Ele foi acusado de usar empresas de fachada e intermediários para assumir a única empresa com contratos para imprimir a moeda da Argentina.

Por ser senadora, Kirchner tem imunidade parlamentar e não pode ser presa, mas pode ser processada. Essa imunidade só poderia ser suspensa por um improvável voto de dois terços dos senadores do país. Embora uma convicção possa, teoricamente, impedi-la de concorrer ao cargo, isso só ocorreria depois que os apelos estivessem esgotados, um processo que levaria muitos anos.

Fornoni disse que alguns argentinos acreditam que, embora a corrupção seja predominante durante o mandato de Kirchner, ela também existe no governo de Macri.

"Alguns dizem: 'Eles provavelmente eram corruptos, mas eu vivia melhor'", disse Fornoni.