Então não é Natal: quem são os cristãos que celebrarão a data em janeiro
O Natal é uma festa celebrada por todos os cristãos, afinal recorda o nascimento de Jesus Cristo. Mas nem todos comemoram no mesmo dia: para uma parcela importante do cristianismo, a data tem um lugar diferente no calendário -- ou, melhor dizendo, tem um calendário diferente.
É o caso dos fiéis de algumas Igrejas Ortodoxas - de certa maneira, há mais do que uma. Populares em alguns países do leste europeu, nos Bálcãs e na Rússia, essas igrejas não têm um papa e seguem uma organização descentralizada. Com isso, alguns ritos e costumes podem variar.
Antes de prosseguir, uma rápida contextualização: em 1054, houve uma ruptura na Igreja Católica, episódio conhecido como o Grande Cisma, formando dois grupos. De maneira resumida, um deles se manteve fiel à Igreja baseada em Roma (Igreja Católica Apostólica Romana, tradição mais comum no Brasil), e outro seguiu a Igreja com sede em Constantinopla (atual Istambul, na Turquia), formando a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa.
Qual calendário seguir?
No Ocidente, a maior parte das comunidades cristãs adotaram o calendário gregoriano, instituído pelo Papa Gregório 8º, em 1582.
Mas no Oriente, essa mudança não foi unanimidade. Por séculos, os cristãos de áreas como Grécia, Sérvia e Rússia continuaram seguindo o calendário mais antigo, o juliano, adotado pelo imperador romano Júlio César, no ano 46 antes de Cristo.
Na década de 1920, um grupo significativo dessas igrejas orientais migrou para o calendário gregoriano, o nosso. Algumas igrejas ou pequenas comunidades, porém, permaneceram com o calendário juliano. A Igreja Ortodoxa Russa é uma delas.
"É a nossa tradição. Como isso vem de geração em geração, não tem uma sensação de estranheza [celebrar o Natal em uma data diferente da maioria]", disse ao UOL o padre Constantino Bussyguin, responsável pela Catedral Ortodoxa São Nicolau, em São Paulo.
A Catedral de São Nicolau em São Paulo tem cerca de 50 fiéis assíduos, segundo o padre Constantino, mas as grandes festas de Natal, Páscoa e na memória de São Nicolau - bispo do século 4º e padroeiro da Rússia, que também inspirou a figura do Papai Noel - podem agregar quatro vezes mais gente.
Embora desvinculada da autoridade do Patriarcado de Moscou, essa é uma comunidade religiosa russa no Brasil mantém fielmente as liturgias, práticas e tradições originais da doutrina ortodoxa, inclusive o calendário juliano.
"Comemoramos o Natal em 7 de janeiro, e pronto", afirma o padre Constantino, em tom bem-humorado.
"Todas as festas da nossa igreja seguem o calendário juliano. Inclusive, temos paroquianos que pedem dispensa do trabalho no dia 7 para poder ir à igreja", diz. No calendário juliano, São Nicolau é celebrado neste ano em 19 de dezembro, uma festa que também abre caminho para o Natal.
Como os ortodoxos celebram o natal?
Há, pelo menos, outras duas grandes diferenças na forma de celebrar o Natal entre orientais e ocidentais. A primeira é que a maioria das igrejas orientais reserva um período de reflexão e silêncio parecido com os quarenta dias que antecedem a Páscoa do ocidente. São dias de abstinência, sacrifícios e oração.
"Dia 28 de novembro começa a Quaresma do Natal, que vai até 7 de janeiro. Fazemos abstinência de carne, produtos derivados do leite, de ovos. É uma forma de se fazer um sacrifício, uma oferenda a Deus, agradecimento pela misericórdia dele, e um ato de arrependimento pelos pecados", explica o padre.
Ele conta, ainda, que na véspera de Natal o jejum é ainda mais rigoroso.
"Come-se no fim da tarde, no dia 6, uma alimentação sem origem animal", diz.
Outra grande diferença é que não existe, para muitos cristãos orientais, a tradicional ceia de Natal. Enquanto os católicos ocidentais celebram em 24 de dezembro a "missa do galo", recordando o nascimento de Jesus, os orientais se reúnem nas igrejas na manhã do Natal -- encontro seguido de um almoço festivo.
Por terem sua origem na Igreja Católica Romana, as igrejas protestantes tendem a seguir datas e tradições "ocidentais".
"Enquanto na tradição ocidental existe a ceia de Natal, nós temos um almoço, com alimentos específicos, tradicionais. Fazemos o possível para manter a comida típica russa", explica o sacerdote.
Entre os pratos essenciais está a Kutiá, um doce cozido, feito com sementes de trigo moídas, nozes, uvas passas e frutas secas.
"Geralmente fazemos na paróquia um almoço para a comunidade. Quem tem família geralmente vai para casa, mas quem tem família pequena ou não tem família almoça aqui conosco", diz o padre Constantino.
Fundo histórico
A mudança de calendário foi, em diferentes momentos, um problema para a unidade dos cristãos, especialmente no Oriente.
Por ter sido instituído por um papa, no século 16 houve resistência por parte dos ortodoxos. As igrejas do Oriente e do Ocidente se dividiram mais de 500 anos antes da invenção calendário gregoriano, criando a Igreja Católica Romana, sob a autoridade do Papa, e a Igreja Ortodoxa, com células independentes ou "igrejas autocéfalas".
Hoje, a diferença de datas para o Natal não chega a ser um grande impasse ou um conflito dogmático. Como não há precisão científica sobre o dia exato do nascimento de Jesus Cristo, os calendários litúrgicos são, na verdade, baseados em tradições, culturas, praticidades e fatos históricos que orientam a vida das comunidades.
Na Grécia, só três bispos não aceitaram a mudança de calendário por parte do Sínodo Pan-Ortodoxo, nos anos 1920, e mantiveram o calendário juliano. Também os monges greco-ortodoxos isolados no Monte Athos, na Grécia, seguem o calendário juliano, assim como a maioria das igrejas de tradição oriental presentes em Jerusalém.
Visto que a "cidade santa" é disputada por várias religiões, decidiu-se manter o seu status quo e evitar mais um motivo para conflitos na região. Além disso, usam o calendário juliano a Igreja Ortodoxa Sérvia e a Igreja Ortodoxa Georgiana.
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