Brasileiro que atua em Kiev usou bandeira neonazista em ato pró-Bolsonaro
Herculano Barreto Filho
Do UOL, em São Paulo
08/03/2022 04h00
Um brasileiro que diz integrar "uma pequena força auxiliar da polícia" tem registrado a sua participação de apoio às forças ucranianas em meio ao conflito com as tropas russas na capital Kiev. Em vídeo publicado em um grupo do Telegram com 18 mil seguidores, o instrutor de tiro Alex Silva, 47, mostrou uma ronda armada feita na área residencial da cidade.
Silva, que mora há sete anos no país invadido e é casado com uma ucraniana, treina paramilitares conhecidos como "mercenários de guerra" e se envolveu em uma polêmica ao ser flagrado em manifestações pró-Bolsonaro em 2020, em São Paulo, com uma bandeira ultranacionalista ligada à extrema-direita identificada como símbolo neonazista.
O episódio foi apontado como um dos elementos que deram início ao tumulto entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) e membros de torcidas organizadas que defendiam a democracia na avenida Paulista.
Ex-apoiador de Bolsonaro, Silva hoje critica a postura do presidente do Brasil pelo fato de ele não se opor ao presidente russo Vladimir Putin, apontam vídeos recentes. O UOL tenta entrar em contato com ele pelo Telegram desde segunda-feira (7), mas não obteve resposta.
'Situação bem tensa', diz Silva em ronda em Kiev
O vídeo de Silva, registrado na última sexta-feira (4), começa com o disparo de uma sirene, acionada na capital Kiev quando há bombardeios.
De capacete, óculos, proteção no rosto e uma mochila às costas, o brasileiro então olha rapidamente ao redor. Alex Silva mora há sete anos no país, onde atua como instrutor de tiro e de treinamentos na área de segurança.
A situação aqui realmente está bem tensa. A gente está fazendo uma patrulha aqui na rua... Ajudando os civis. Tem muita gente aqui tentando buscar abrigo. E o alarme está soando aqui. A gente está fazendo esse trabalho de ajudar a evacuar os civis. De escoltar civis aos abrigos"
Alex Silva, voluntário brasileiro na Ucrânia
Em seguida, Alex retoma a gravação. Desta vez, mostrando o patrulhamento. É possível ver um colega de patrulha armado com uma arma de grosso calibre descendo uma escada. Outros dois homens caminham à frente.
"A gente está fazendo um trabalho de policiar alguns bairros. Somos uma pequena força auxiliar da polícia. Esse é um trabalho que a gente vem realizando aqui diariamente", descreve o voluntário brasileiro, que ainda cita um trabalho de arrecadação de alimentos, agasalhos e remédios doados à população.
Brasileiros mostram base militar
Em uma das imagens registradas por um alegado voluntário brasileiro nesta sexta-feira (4), é possível ver o que ele diz serem acampamentos de militares ucranianos na fronteira com a Polônia, protegidos por um arame farpado. "Já tô no alojamento pra descansar. Essa aqui é a base militar", afirma outro brasileiro.
Mais cedo, ele enviou áudios ao grupo para relatar o que via e as suas primeiras percepções, enquanto dizia estar em uma fila para alistamento na fronteira com a Polônia. "O povo aqui foi de boa, mano. Tá ajudando todo mundo quem quer comparecer", disse.
Na soma dos grupos, cerca de 500 brasileiros estão se mobilizando por meio de WhatsApp, Telegram e em redes sociais para se alistar à Legião Internacional de Defesa do Território, criada pelo governo ucraniano em meio ao conflito com as tropas russas. Mais de cem pessoas formalizaram contato junto à Embaixada da Ucrânia no Brasil.
Polêmica em 2020
Segundo reportagem publicada pela Folha de S.Paulo de 2020, Silva foi ao ato em São Paulo enrolado em uma bandeira usada pelo Pravyi Sektor, organização paramilitar extremista criada em 2013 na Ucrânia que acabou virando partido político. Na ocasião, negou envolvimento formal com o grupo ou a identificação com movimentos neonazistas e disse ter sido atacado.
"É uma bandeira antiga, usada desde o século 16. O preto simboliza a terra ucraniana, que é muito fértil, e o vermelho é o sangue dos heróis. Não tem nada de nazista", disse à Folha.
Ainda de acordo com a publicação, Silva foi ao Brasil em março de 2020 para tentar abrir uma filial da academia de tiro e de táticas militares onde atuava em Kiev, capital ucraniana. Mas ficou retido no país por ao menos três meses devido à pandemia e acabou participando do ato pró-Bolsonaro.
Segundo a Folha, Silva saiu do Brasil há cerca de 20 anos para trabalhar como instrutor de segurança nos EUA, Inglaterra, País de Gales e Polônia.
E disse que grande parte dos seus clientes em cursos de tiro e de táticas militares são "contratados privados" que participam de conflitos, conhecidos como mercenários de guerra. O brasileiro integra um grupo paramilitar que atua como uma espécie de linha auxiliar do governo da Ucrânia na luta contra rebeldes no leste do país comandados pela Rússia, diz a reportagem.