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'Mataram meu filho na escola e recriei a voz dele para pressionar os EUA'

Joaquin e os pais, Patricia e Manuel Imagem: Arquivo Pessoal

Sofia Pilagallo

23/05/2024 04h00

O sentido da vida de Patricia Oliver mudou completamente com a morte do filho, seis anos atrás. Depois de Joaquin, de 17 anos, ser assassinado a tiros na escola onde estudava, em Parkland, na Flórida, ela e o marido, Manuel, largaram seus empregos, viraram ativistas em tempo integral e fundaram a organização Change the Ref.

Com campanhas criativas e, muitas vezes, incômodas, Patricia e Manuel alertam as pessoas sobre o impacto da violência armada e pressionam o Congresso por leis mais restritivas de acesso a armas nos Estados Unidos. Na mais recente, eles recriaram a voz de Joaquin com inteligência artificial. Ao UOL, Patricia conta sua história:

Ataque a tiros

"Meu filho Joaquin Oliver foi assassinado em 14 de fevereiro de 2018, com um fuzil AR-15. Era quarta-feira de cinzas. Eu havia acabado de voltar da igreja e almoçava no escritório quando recebi uma mensagem de uma amiga dizendo que um "alerta vermelho" havia sido emitido na escola dos nossos filhos. Perguntei: "Como assim?". Ela respondeu: "Um ataque a tiros".

Na mesma hora, acionei o meu marido, Manuel, que estava próximo da escola e saiu do trabalho às pressas. O meu escritório ficava a mais de 80 quilômetros de distância.

Tentei contatar Joaquin, mas não tive retorno. Liguei para alguns amigos. Um deles, que tinha ido até a escola, acreditava ter visto o meu filho. Desesperada, peguei a estrada rumo a Parkland.

Estava confusa, como em um transe. Duas preocupações me consumiam: eu estava com pouca bateria no celular e quase sem combustível. Helicópteros sobrevoavam a estrada, como os que se veem na TV, em casos de tragédias. Mas precisava seguir.

Quando chegamos à escola, Joaquin não estava lá. Fomos a vários hospitais da região na esperança de encontrá-lo com vida, sem sucesso. Então, às 2h da madrugada, recebemos a terrível notícia de que ele estava entre as vítimas.

Seis anos depois, ainda me pego, às vezes, em estado de negação. No início, não conseguia falar sobre o que aconteceu. Tinha crises de pânico, náusea, me isolava do mundo. Não queria ter que repetir a história de novo e de novo.

Nos primeiros dias, eu só queria deitar no chão, chorar e gritar. Mas, aos poucos, percebi que havia uma luta a ser travada, lá fora.

Logo depois da morte do Joaquin, Manuel e eu largamos nossos empregos e criamos a Change the Ref, uma organização sem fins lucrativos, dedicada a formar os líderes do futuro. Com campanhas criativas e incômodas, tentamos conscientizar as pessoas sobre o impacto da violência armada.

Na mais recente, recriamos a voz do Joaquin com a ajuda de inteligência artificial para pressionar o Congresso a votar leis mais restritivas para o acesso a armas. Seis outras famílias que perderam filhos para a violência armada também se uniram ao projeto.

A ideia é que internautas acessem o site do Shotline, escolham uma das sete mensagens de áudio e a enviem a um congressista da região onde moram. O projeto foi lançado em 14 de fevereiro, no sexto aniversário do massacre. Até o momento, mais de 130 mil mensagens já chegaram ao Congresso.

Não é a primeira vez que trazemos Joaquin "de volta à vida". Em 2020, durante a campanha à Casa Branca, Joaquin apareceu em um vídeo feito em parceria com uma empresa brasileira, pedindo aos jovens que "votassem por ele".

Ouvir a voz dele me traz um misto de sentimentos. Não fico reproduzindo o áudio sem necessidade, sem um propósito. Sei que não é o meu filho ali, mas se ele tivesse sobrevivido àquele dia, estaria fazendo exatamente o que estamos fazendo hoje em seu nome.

Mural feito pelo Manuel (pai do Joaquin) em homenagem ao filho, no Lago Eola, na Flórida Imagem: Arquivo Pessoal

Joaquin era um menino à frente do seu tempo. Era justo, se interessava por causas sociais e demonstrava preocupação com o aumento da violência armada no país. Em 14 de dezembro de 2017, no quinto aniversário do massacre de Sandy Hook [tiroteio que deixou 26 mortos na escola Sandy Hook, no estado americano de Connecticut], Joaquin repostou um tuíte que lamentava o fato de rifles AR-15 ainda serem permitidos no estado. Dois meses depois, o mesmo tipo de arma tiraria a vida dele.

Ele tinha sonhos, queria fazer grandes coisas na vida. Era apaixonado por esportes, especialmente por basquete. O nome "Change the Ref", aliás, tem origem nessa paixão.

Joaquin acreditava que um árbitro ? em inglês, "referee", ou simplesmente "ref" ? tinha que fazer um jogo justo e limpo, sem aceitar favores ou tratamentos especiais de nenhuma das partes. Um dia, ele discutiu com um árbitro e ficou fora de um jogo. Acreditamos que os políticos também são nossos árbitros. Se eles financiam mortes como a de Joaquin, ao receber dinheiro da NRA [Associação Nacional do Rifle] e da indústria de armas, é preciso "change the ref", ou seja, trocar de líderes.

Eu era muito próxima do meu filho. Conversávamos sobre tudo, não havia tabus entre nós. E ainda sinto a presença dele.

Um dia, Joaquin se comunicou comigo através de uma amiga, que é médium. Disse que, toda vez que eu visse uma moeda em algum lugar, ele estaria lá. Uma vez, no aniversário do meu filho, me deparei com uma pilha de moedas no chão de uma loja. Fiquei em choque. Pensei: "Inacreditável. Como alguém derruba tantas moedas de uma só vez?"

O propósito da minha vida, como mãe, é ajudar outras mulheres que passam pela mesma dor. Elas vêm até mim e dizem: "Obrigada por me dar força". É gratificante.

Sempre serei a mãe do Joaquin. Ele é a minha fortaleza e o símbolo da nossa luta. Não podemos normalizar a violência, nem nos deixar anestesiar por ela. Não importa quão mal eu me sinta, ao final do dia, meu filho me ajuda a me reerguer e seguir em frente."

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