Não foi só Mengele: quem eram os nazistas que fugiram para América do Sul
Do UOL*, em São Paulo
12/06/2024 04h00
Após a Segunda Guerra Mundial, centenas de nazistas fugiram da Europa com a queda de Hitler em busca de um destino em comum: a América do Sul. Em 2012, as autoridades alemãs revelaram documentos que mostram que cerca de 9.000 militares e colaboradores do Terceiro Reich fugiram para a região.
O principal país que recebeu esses fugitivos foi a Argentina —estima-se que 5.000 nazistas se estabeleceram no país. Ironicamente, também é onde se constituiu uma das maiores comunidades judaicas do mundo fora do Israel.
O segundo país que mais acolheu criminosos de guerra foi o Brasil, com cerca de 1.500 e 2.000 nazistas. O Chile aparece em terceiro lugar, com um registro de 500 a 1.000 pessoas. Outras nações, como Paraguai, Bolívia e Equador, também foram destinos de muitos dos fugitivos, mas apresentam números menos expressivos.
No novo continente, esses nazistas adotaram novas identidades e puderam se esquivar de possíveis condenações em tribunais. Entre os fugitivos destacados, estava Josef Mengele, o médico que aplicava experimentos de tortura nas vítimas dos campos de concentração, o carniceiro Klaus Barbie, que pertencia à polícia secreta nazista, e há até uma teoria de que o próprio Hitler teria se refugiado na Argentina, mas essa nunca foi comprovada.
Josef Mengele, o anjo da morte
Mengele era médico do campo de concentração de Auschwitz. Ele ganhou o apelido de "anjo da morte" porque tinha a palavra final sobre o destino de prisioneiros. No local, o médico realizou experimentos macabros, inspirado pelo ideal de eugenia que guiou a pesquisa médica durante o Terceiro Reich.
Primeiro, fugiu para o Tirol do Sul, na Itália, em 1949. Lá, os ajudantes conseguiram um novo passaporte para ele, que agora era Helmut Gregor, 38, católico, mecânico, nascido na cidade vinícola de Tramin. Com isso, Mengele preenchia as condições mais importantes para uma fuga: como tirolês do sul, ele era considerado alemão apátrida, tendo direito, portanto, a um passaporte do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
Veio mais tarde para a América do Sul. O oficial fugiu para a Argentina. Depois, mudou-se para o Paraguai e veio para o Brasil em seguida, temendo ter o mesmo destino de Adolf Eichmann, que foi capturado na Argentina pelo Mossad, o serviço secreto israelense, em 1960. Ele viveu tranquilamente até sua morte, em 7 de fevereiro de 1979, quando sofreu um derrame e morreu afogado na praia de Bertioga, no litoral paulista.
Klaus Barbie, o carniceiro
Era torturador em Lyon, na França, a mando do governo nazista. Ganhou apelido de carniceiro pelos seus métodos cruéis com as vítimas.
Partiu da Romênia para a América do Sul como Klaus Altmann. Com a ajuda da CIA, Barbie obteve um visto para a Bolívia em 1951 e continuou a receber ordens da agência de inteligência americana e do Serviço Federal de Informações da Alemanha, o BND. Seu paradeiro se tornou conhecido publicamente desde 1970.
Na Bolívia, foi suspeito de ter apoiado a ditadura militar e a morte de civis. Segundo reportagem do The Guardian, Barbie atuou como uma espécie de oficial de "contraespionagem", interrogando e torturando bolivianos, incluindo padres e membros da oposição.
Foi extraditado em 1983 para a França. No país europeu foi condenado à prisão perpétua, morrendo no cárcere em 25 de setembro de 1991.
Franz Stangl, o espião
Stangl fez parte de um programa de eutanásia para o extermínio de pessoas com deficiência física. Ele foi promovido a comandante dos dois campos de extermínio na Polônia, Treblinka e Sobibór.
Chegou com a família ao Brasil em 1951. Após fugir de uma prisão e morar por um tempo na Síria, ele viveu no Brasil por 16 anos, antes de ser extraditado para a Alemanha.
No Brasil, trabalhou na Volkswagen em 1959. Na empresa, montou um esquema de espionagem em colaboração com o regime militar. Ele foi responsável por montar um setor de monitoramento e vigilância na unidade de São Bernardo do Campo para espionar funcionários durante a ditadura militar, como revelou a Comissão Nacional da Verdade, em 2014. A estrutura montada por Stangl contava com dezenas de policiais e membros das Forças Armadas. Ainda hoje, porém, a empresa argumenta que ninguém sabia sobre seu passado.
Filha dele namorou um homem judeu. Uma das filhas de Stangl namorou Gabriel Waldman, que hoje tem 86 anos e é sobrevivente do holocausto, que recentemente contou sua história em um livro. Segundo ele, a mulher, a qual ele chama de Ingrid (nome fictício), o apresentou ao pai —mas Gabriel só soube que era Stangl cerca de 10 anos depois.
Morreu de infarto. Após ser extraditado, Stangl foi condenado à prisão perpétua em 1970 pelo Tribunal Distrital de Düsseldorf e morreu de infarto na prisão, em 1971.
Walter Rauff, inventor da câmara de gás móvel
Foi coronel do regime nazista e responsável pela câmara de gás móvel. Na invenção de Rauff, os gases de escape eram direcionados para o interior do veículo. Segundo o mandado de prisão, ele cometeu pelo menos 97 mil assassinatos.
Em 1949, fugiu com sua esposa e dois filhos para o Equador, antes de se mudar para o Chile. No país, Rauff apoiou o general chileno Manuel Contreras, condenado em dezenas de julgamentos por violações de direitos humanos durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Morreu em 1984, no Chile, sem condenação. O pedido de extradição da antiga Alemanha Ocidental foi rejeitado em 1963, porque os crimes supostamente cometidos haviam prescrito pela lei chilena. Rauff morreu de ataque cardíaco em 14 de maio daquele ano, em Las Condes, no Chile, como um rico fabricante de alimentos enlatados.
Adolf Eichmann, o arquiteto do Holocausto
Era chefe da Seção de Assuntos Judeus no Departamento de Segurança de Hitler. Eichmann era responsável por organizar toda a logística da deportação em massa dos judeus para os guetos e campos de extermínio, onde as vítimas eram assassinadas.
Depois da Guerra, fugiu para a Argentina, em 1950. Ele passou alguns anos no norte da Alemanha, depois na Itália, país aliado da Alemanha nazista, para finalmente embarcar rumo à América do Sul, com o nome de Ricardo Klement. Ele conseguiu trazer mais tarde a mulher e os filhos.
Foi capturado em Buenos Aires em 1960 pela agência de inteligência israelense. Depois da prisão, ele foi transferido para Jerusalém, onde foi julgado, condenado e executado. Entre as acusações, estavam crimes contra o povo judeu, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, saques, deportações, abortos forçados, esterilizações e extermínio.
Julgamento deu origem a uma obra clássica da filosofa Hannah Arendt. Apesar de admitir envolvimento em "coisas terríveis", Eichmann se apegou às ordens recebidas. "Os únicos responsáveis são meus chefes, minha única culpa é minha obediência", dizia, alegando não ser "o monstro de que se fala". O caso serviu de base para a pesquisadora desenvolver o conceito de "banalidade do mal", em obra publicada em 1963.
*Com informações da BBC, AFP, EFE e DW