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Esquerda barra extrema direita, mas sem maioria: quem governará a França?

Frente formada por partidos de esquerda e centro impediu uma vitória da extrema direita na França Imagem: Emmanuel Dunand/AFP

Do UOL, em São Paulo

08/07/2024 10h18Atualizada em 08/07/2024 15h10

A frente republicana formada por partidos de esquerda e centro impediu uma vitória da extrema direita na França, embora sem conquistar a maioria dos assentos na Assembleia Nacional. Agora, há dúvidas sobre quem vai ocupar o cargo de primeiro-ministro e se os vencedores das eleições legislativas vão, de fato, conseguir governar.

Qual é a situação agora

Nem esquerda, nem centro conseguiram a maioria do Parlamento. Para poder liderar um governo estável, um partido ou coligação precisa de 289 das 577 cadeiras na Assembleia Nacional. Nas eleições de domingo (7), a NFP (Nova Frente Popular), formada por partidos de esquerda, conquistou 182 assentos; a coalizão de centro Juntos, do presidente Emmanuel Macron, ficou com 168; a RN (Reunião Nacional) e seus aliados de extrema direita, 143.

Mesmo assim, a esquerda deve tentar indicar um novo primeiro-ministro. Um dos líderes da NFP, Jean-Luc Mélenchon disse após a divulgação das primeiras projeções que sua aliança está "pronta para governar". Resta saber como a NFP pretende organizar esse governo e quem será o indicado para o cargo de primeiro-ministro, hoje ocupado por Gabriel Attal. Na véspera, Attal pediu demissão, mas sua saída foi rejeitada hoje por Macron.

Presidente depende de um premiê para garantir a governabilidade. No sistema semipresidencialista da França, o presidente e os membros do governo são eleitos separadamente. Apesar de as eleições legislativas não afetarem diretamente a permanência de Macron, que segue como presidente até 2027, o resultado pode tornar a tarefa de governar muito mais difícil. Vale lembrar que a Assembleia Nacional já vive num impasse desde 2022, quando Macron perdeu sua maioria no pleito daquele ano.

É bem provável que Macron seja obrigado a governar em "coabitação". É a situação política em que o presidente e o primeiro-ministro são de blocos diferentes (ou rivais). Esse cenário aconteceu em apenas três períodos da história da república francesa: de 1986 a 1988 (presidente François Mitterrand e premiê Jacques Chirac), de 1993 a 1995 (François Mitterrand e Édouard Balladur) e de 1997 a 2002 (Jacques Chirac e Lionel Jospin).

Riscos e dificuldades

Líder da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon foi pintado como 'extremo equivalente' a Marine Le Pen Imagem: Sameer Al-Doumy/AFP

Fragmentação da Assembleia pode provocar uma paralisação dos trabalhos. A ausência de um bloco que tenha a maioria dos assentos pode travar o Parlamento francês por pelo menos um ano — prazo mínimo para convocação de novas eleições. As legislativas deste ano foram uma aposta de Macron para tentar recuperar sua maioria na Assembleia, mas não deu certo. Na realidade, o presidente viu seu número de deputados diminuir em relação a 2022 e ainda assistiu ao crescimento de seus rivais de esquerda e extrema direita.

Ainda não se sabe quem seria o indicado da NFP para primeiro-ministro. Diferentemente de outros grupos, a coalizão não indicou em nenhum momento durante a campanha quem era seu candidato ao cargo, deixando transparecer várias divisões internas. A coligação foi formada às pressas há menos de um mês, logo após Macron anunciar a convocação das eleições, e inclui a França Insubmissa (LFI), de esquerda radical; o tradicional Partido Socialista (PS); o Partido Comunista; e Verdes.

Há dúvidas se a esquerda lideraria sozinha ou junto ao bloco de Macron. Ainda resta saber se a NFP optará por um governo de minoria (como o que vinha fazendo o macronista Gabriel Attal) ou se será capaz de formar uma coalizão com o Juntos. Sozinha, a esquerda arriscaria instabilidade, ficando sujeita a votos de não confiança por parte de blocos rivais. Somada ao centro, porém, a NFP alcançaria os 289 deputados necessários para formar um governo estável.

Coalizão pode esbarrar na desconfiança mútua entre macronistas e NFP. Durante a campanha, Macron pintou Mélenchon e Marine Le Pen, da RN, como "extremos" equivalentes. O presidente também já chamou a LFI de "antissemita" e acusou os deputados do partido de promoverem "desordem" na Assembleia Nacional. Já o premiê Gabriel Attal chegou a afirmar que seu partido nunca faria uma coalizão de governo com Mélenchon e só procuraria negociar com os setores "republicanos" da esquerda.

Líder da extrema esquerda é controverso até mesmo dentro de sua aliança. O Partido Socialista, de centro-esquerda, a segunda maior força da NFP, chegou a romper com Mélenchon na legislatura anterior por causa da recusa da LFI em classificar o grupo palestino Hamas como organização terrorista. Durante a campanha deste ano, alguns dirigentes do PS também afirmaram que, em caso de uma vitória da NFP, Mélenchon não seria o primeiro-ministro, em uma tentativa de atrair eleitores moderados.

Possíveis soluções

NFP pode indicar alguém que não seja Mélenchon para agradar macronistas. Alguns dos nomes cotados são Manuel Bompard, protegido de Mélenchon e considerado mais moderado; Olivier Faure, líder do PS; e a ecologista Marine Tondelier. Outra possibilidade é o eurodeputado Raphael Glucksmann, que encabeçou a lista da esquerda nas últimas eleições ao Parlamento Europeu. Mesmo assim, a esquerda e o centro ainda teriam divergências profundas em vários temas — como a impopular reforma da Previdência aprovada em 2023 por Macron, por exemplo.

Uma última alternativa seria Macron indicar um 'governo de especialistas'. O grupo sem filiação partidária poderia tocar o dia a dia da Assembleia até a convocação de nova eleição. Neste período, porém, é provável que nenhuma grande reforma fosse aprovada.

Ainda que diferenças sejam superadas, situação seria inédita no país. A França contemporânea não tem tradição nesse tipo de coalizão ampla, formada após as eleições, diferentemente de países vizinhos, como a Alemanha. Coalizões do tipo eram até comuns na França durante a instável Quarta República (1946-1958), mas caíram em desuso após 1958, com a nova Constituição e o fortalecimento do poder Executivo sob a presidência de Charles de Gaulle (1959-1969), quando grandes partidos passaram a ser capazes de reunir sozinhos maiorias para governar.

Estamos com uma Assembleia dividida. Temos de nos comportar como adultos.
Raphael Glucksmann, cofundador do Praça Pública

Não vamos passar meses e meses em um estado de instabilidade. A nomeação de um candidato não será fácil. (...) O melhor método é o consenso, encontrando soluções inteligentes coletivamente. Pode ser alguém da França Insubmissa, do Partido Socialista, do Partido Comunista ou dos Verdes. Pode até ser alguém que vá além de tudo isso.
Marine Tondelier, líder dos Ecologistas

(Com Deutsche Welle)

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