À espera de uma mudança, venezuelanos votam: 'É preciso superar o medo'
Yelitza Linares
Colaboração para o UOL, em Caracas
28/07/2024 08h28Atualizada em 28/07/2024 11h38
As filas começaram muito cedo neste domingo (28) nas zonas eleitorais da Venezuela, quando a população vai votar para eleger seu novo presidente. Algo surpreendente para um país onde o voto é facultativo.
As sondagens apontam o candidato da oposição a Nicolás Maduro, Edmundo González Urrutía, como vencedor, com uma diferença que ronda os 30 pontos e que, segundo cálculos dos investigadores, se tornará maior nas últimas horas.
A expectativa dos opositores é de uma grande participação eleitoral e da vitória do seu candidato, apesar do chavismo ter divulgado sondagens pouco confiáveis, nas quais Maduro venceria com uma ampla margem.
Mas há sinais evidentes de resistência e um sentimento de cansaço com a situação atual que predomina nas conversas em espaços públicos na Venezuela.
As ações do governo Maduro nos últimos dias mantêm os adversários em suspense, mas a maioria dos eleitores está convencida a participar nas eleições.
Imigrantes venezuelanos impedidos de votar no exterior viajaram no final de semana para exercer seu direito, inclusive com a ajuda de conterrâneos. Dos 8 milhões de pessoas que fugiram da pobreza e da repressão da Venezuela chavista para o exterior, apenas 69 mil poderão exercer o seu direito.
Maduro usou todas as armas disponíveis do governo para intimidar a oposição, até o último momento. À meia-noite da sexta-feira, 26 de julho, unidades blindadas e brigadas de oficiais encapuzados e de metralhadoras, que integram a Direção Geral de Contra-espionagem Militar, foram posicionadas nas principais avenidas e saídas do metrô no leste de Caracas.
A cena encerrava um dia que começou com denúncias de irregularidades na instalação dos locais de votação para as eleições presidenciais deste domingo.
Seguiram-se então as notícias sobre deportações de jornalistas e de políticos estrangeiros que viajaram ao país para cobrir ou fiscalizar o pleito. As notícias de assédio e das detenções de líderes de partidos da oposição circularam nas redes sociais e grupos de WhatsApp, diante da censura aos meios de comunicação radiofônicos e do bloqueio de portais de notícias críticos ao regime de Nicolás Maduro.
Apesar da ansiedade que essa informação gerou nas últimas horas de sexta, na manhã de sábado, véspera do grande evento eleitoral, o clima era de cautela, mas de convicção na maioria da oposição, sobre a participação eleitoral. Nos supermercados e feiras livres era nítida a tensão da população frente à incerteza sobre a forma como vão decorrer as eleições presidenciais de hoje.
"É preciso superar o medo e votar", dizia o professor de natação Aníbal Albornet após uma aula em uma escola do bairro de Altamira, na capital. "Disse aos meus vizinhos da paróquia 23 de Janeiro que eles não deveriam prestar atenção ao canto da sereia e que deveriam ir se expressar", contou ele.
A 23 de Janeiro é uma paróquia popular do oeste de Caracas, perto do Palácio Miraflores e controlada há 25 anos por grupos chavistas. Ali, poucos falam sobre a sua decisão de se manifestar nos protestos da oposição. "Todo mundo está quieto, mas ninguém quer Maduro, e isso ficará claro nos resultados de domingo", comentou.
Ontem, num mercado de produtos frescos de outra zona de classe média da cidade, no bairro de Baruta, um jovem de 24 anos que vendia queijos artesanais com a família pediu para não ter seu nome mencionado na reportagem, por medo de sofrer retaliação no seu ambiente de trabalho. Ele é funcionário público.
Em voz baixa, expressou o motivo de permanecer firme em sua convicção de votar: "Há 24 anos eu vivo sob as decisões de outras pessoas. Pela primeira vez, terei a oportunidade de que minha opinião seja levada em consideração e, mesmo que seja um grão de areia, não vou deixar passar a chance de tentar uma mudança".
O rapaz trabalha há três anos no Ministério Popular de Ciência e Tecnologia. Diz que não deixa de se surpreender com o modo como as mais altas esferas da instituição pública recomendam aos funcionários que participem das marchas do candidato presidencial Nicolás Maduro —e que votem nele.
"Nos grupos de WhatsApp nos deram instruções dizendo que era obrigatório. Não fui à marcha e, no dia seguinte, os meus chefes me perguntaram porquê. Eu disse que estava passando mal", conta. O jovem soube que quem compareceu ao evento de encerramento da campanha, na quinta-feira, recebeu água, um pedaço de pão e foi convidado a fazer uma caminhada por Maduro.
Uma campanha desigual
Justamente naquele dia de encerramento da campanha, os dois principais candidatos da disputa, Nicolás Maduro e Edmundo González Urrutia, mediram forças em Caracas.
O ambicioso apelo de Maduro de marchar pela cidade de ponta a ponta, durante todo o dia, e depois concentrar-se para ouvi-lo no final da noite, num pequeno comício na avenida Bolívar, mostrou sinais de fraqueza.
O chavismo conseguiu concentrar apoiadores no final do percurso, mas nunca como em outros tempos, apesar de dezenas de ônibus estacionados nas principais avenidas mostrarem que haviam transportado apoiadores de outros estados.
Havia palanques ao longo do percurso que ficavam desertos durante o dia, funcionários públicos em uniformes vermelhos, em clara violação da norma eleitoral, e eram visíveis áreas vazias entre as concentrações de seguidores. Nos alto-falantes, o discurso de Maduro podia ser ouvido ao longo da avenida pouco ocupada.
Mesmo assim, Daniel Tremos, que participava da manifestação pró-Maduro, confirmou sua decisão de apoiar o atual presidente nas urnas: "Não pretendo perder a dignidade que alcançamos. A primeira coisa a fazer é corrigir o que for preciso, porque há muitas coisas para melhorar. Todos que quiserem contribuir para que o país continue avançando são bem-vindos", afirmou.
Enquanto isso, uma grande manifestação encheu a avenida principal de Las Mercedes, em apoio ao candidato da oposição, Edmundo González, e a María Corina Machado, que venceu as primárias do seu partido Vente Venezuela para concorrer à Presidência, mas que foi impedida de se candidatar pelas instituições controladas por Maduro.
A expectativa da convocação da Plataforma Unitária —uma aliança de 11 partidos de oposição a Maduro— era mais conservadora: tentar concentrar os moradores de Caracas, no final da tarde, em uma ampla avenida comercial na zona leste da cidade.
Até um ano e meio atrás, quando a líder do partido Vente Venezuela iniciou as suas viagens pelo país, os protestos de oposição ao governo não tinham voltado às ruas. Mas o clima foi esquentando e desde janeiro passado um movimento cidadão crescia quando ela passava pelas principais cidades do país.
González Urrutia e María Corina Machado fecharam esta semana com manifestações emocionantes e massivas nas cidades mais afetadas pelas falhas nos serviços básicos, como o sistema elétrico, ou de abastecimento de gasolina, e que atravessam uma crise humanitária diante da interminável crise econômica do país. São regiões marcadas pela migração da sua população, incluindo aquelas que anteriormente eram majoritariamente chavistas —caso do estado de Monagas e da cidade de Barinas.
Os venezuelanos só tomaram conhecimento das manifestações da oposição a Maduro pelo país através das redes sociais dos partidos da oposição, e dos cidadãos que participaram, devido à censura dos meios de comunicação.
Enquanto Nicolás Maduro viajou confortavelmente em unidades aéreas e fez o seu percurso de campanha sem maiores problemas, María Corina Machado teve que fazê-lo por via rodoviária —impedida de voar em companhias aéreas venezuelanas.
Ela e Edmundo González Urrutia superaram obstáculos nas rodovias, assédio a organizadores e fornecedores e até ataques aos veículos que os transportavam. Diante disso e da falta de recursos monetários para a campanha, essas manifestações foram realizadas em caminhões, sem publicidade tradicional e sem alto falantes.
Celebração antecipada
O fechamento da campanha antiMaduro em Caracas não foi diferente. Os moradores da capital sofreram menos com as falhas nos serviços públicos em comparação a outras regiões e até agora estavam mais apáticos nas marchas a favor da Plataforma Unitária.
Mas a euforia, a alegria e o clima do que parecia uma comemoração antecipada tomaram conta de toda a avenida na última quinta-feira (25). Jovens, adultos e idosos, de áreas de classe média e, em menor proporção, de bairros pobres, reuniram-se em canções e vivas.
José Zuniaga, professor de 43 anos, natural de Yaguaraparo, no estado de Sucre, no leste do país, festejou com goles de uísque barato, oferecidos a ele por outros sete colegas de trabalho, o que ele já viu como um triunfo. "Ninguém nos trouxe. Viemos sozinhos, há três dias, e já estivemos em dois comícios da oposição."
Zuniaga deixou de trabalhar como professor há quatro anos e há três meses mudou-se para Caracas para trabalhar como pedreiro, porque ele e sua família passavam fome em sua região de origem. Ele tem participado da construção de um prédio que ficava bem na avenida do comício da oposição.
"Votei em Chávez em 1998. Um ano antes, tinha ido à nossa cidade. Ele venceu e nunca mais nos visitou. Não voltei mais para votar, até este domingo. Agora, todos na minha região querem mudança." Ele diz que seus conterrâneos estão aceitando os presentes dados pelo governo local para a campanha eleitoral, como colchões, ventiladores e lençóis, mas vão votar em Edmundo González do mesmo jeito.
A incerteza da população, a partir de agora, diz respeito às ações que o chavismo continuará a ativar para dissuadir o voto, violando as normas de um processo eleitoral justo e transparente. E a maior preocupação entre os cidadãos é gerada pela expectativa sobre como Maduro e seus correligionários reagirão a uma eventual derrota.
Os obstáculos parecem tão grandes para chegar ao momento em que o Conselho Nacional Eleitoral anuncie os resultados que é difícil para o cidadão comum imaginar como serão os dias seguintes às eleições presidenciais.