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'Cavalo de Troia': como Mossad se infiltrou no Hezbollah e explodiu pagers?

Imagens mostram os restos dos pagers do Hezbollah que explodiram no Líbano Imagem: AFP

Colaboração para o UOL

11/10/2024 05h30Atualizada em 11/10/2024 10h36

Autoridades de segurança israelenses, árabes e norte-americanas, além de políticos, diplomatas, autoridades libanesas e contatos próximos ao Hezbollah revelaram ao jornal The Washington Post como o Mossad, a agência de inteligência de Israel, se infiltrou no grupo armado e orquestrou a explosão de walkie-talkies e pagers que foi considerada a mais sofisticada operação de espionagem das últimas décadas.

O que aconteceu

Ideia da operação dos pagers surgiu em Tel Aviv em 2022, confirmaram autoridades dos EUA, Israel e Oriente Médio. Plano contou com agentes em diversos países ainda em tempos de relativa tranqulidade na fronteira Israel e Líbano, e antes do ataque de Hamas de 7 de outubro de 2023.

Motivo era o preocupante crescimento do número de armas do Hezbollah. O grupo armado libanês patrocinado pelo Irã adicionou dezenhas de milhares de mísseis guiados com precisão ao seu arsenal, com significativo poder de destruição de cidades em Israel.

Mossad trabalhou durante anos para se infiltrar no grupo com informantes humanos e monitoramento eletrônico. O Hezbollah conhecia este risco e se preocupava com a vigilância Israelense, temendo que celulares pudessem funcionar como dispositivos de escuta e rastreamento por Israel.

Libaneses carregam os caixões dos membros do Hezbollah mortos após explosão de pagers e walkie-talkies em 19 de setembro Imagem: Emilie Madi/Reuters

Operação se baseava em criar um "Cavalo de Troia das comunicações". Mossad sabia que o Hezbollah procurava redes eletrônicas de comunicação à prova de hackers e criou dois planos para levar o grupo libanês a comprar pagers e walkie-talkies — dispositivos rudimentares que não correm tanto risco de serem "invadidos". Estes equipamentos foram projetados e montados em Israel.

Primeira parte do plano era vender walkie-talkies com armadilhas. Os rádios bidirecionais começaram a ser inseridos no Líbano pelo Mossad em 2015, com baterias de grandes dimensões que escondiam um explosivo e um sistema de transmissão que dava a Israel acesso às comunicações das milícias.

Israel tinha como objetivo espionar, em primeiro lugar. As explosões estavam "reservadas" para uma situação de crise.

Segunda parte do plano envolveu a venda de pagers, também equipados com explosivos. Hezbollah pagou aos israelenses, indiretamente e sem seu conhecimento, pelas pequenas bombas que matariam ou feririam diversos de seus agentes.

Como Israel ocultou do Hezbollah a verdadeira origem dos equipamentos?

Líderes do Hezbollah estavam atentos a possíveis sabotagens. Por isso, o Mossad sabia que os pagers não podiam ser rastreados a Israel, EUA ou qualquer outro aliado geopolítico do país.

Em 2023, o grupo começou a receber ofertas para a compra em massa de pagers Apollo. Marca é taiwanesa e tem linha de produtos reconhecida, com distribuição mundial, e sem vínculos com interesses israelenses. A empresa não sabia do plano, segundo as autoridades.

Funcionária de marketing de confiança do Hezbollah tinha vínculos com a Apollo teria oferecido as vendas ao grupo armado. A mulher não foi identificada pelas autoridades, mas teria sido uma ex-representante de vendas da marca taiwanesa no Oriente Médio que abriu a própria empresa. Ela possuía licença para vender os pagers e recomendou o modelo AR924, por ser supostamente mais robusto e confiável.

Foi ela quem entrou em contato com o Hezbollah e explicou a eles por que o pager maior, com bateria maior, era melhor do que o modelo original. Um dos principais argumentos de venda do AR924 era o fato de ser "possível carregá-lo com um cabo. E as baterias eram mais duradouras.

— Revelou anonimamente uma autoridade israelense ao Post.

Produção dos dispositivos havia sido terceirizada e a intermediária não sabia que os pagers eram montados fisicamente em Israel. Mossad supervisionou a fabricação dos dispositivos de 90 g.

Autoridades israelenses acreditam que o Hezbollah chegou a desmontar alguns dos pagers para inspecionar o seu interior. Eles podem ter até radiografado os equipamentos, mas o componente da bomba foi tão cuidadosamente escondido que se tornou praticamente indetectável mesmo se o pager fosse aberto.

Acesso remoto do Mossad era "invisível". Um sinal eletrônico do serviço de inteligência de Israel poderia acionar a explosão de milhares de pagers de uma só vez. Mas, para garantir o dano máximo, a explosão também poderia ser acionada após uma verificação em duas etapas — necessária para visualizar mensagens seguras que haviam sido criptografadas.

Comandos foram adaptados para incapacitar membros do Hezbollah. "Você tinha que apertar dois botões para ler a mensagem", explicou um funcionário com conhecimento do plano israelense. Para isso, era necessário usar as duas mãos — que seriam ambas feridas nas explosões, impossibilitando o usuário de lutar.

Maioria das autoridades de Israel não sabia do plano

Mossad não informou as principais autoridades eleitas do país a respeito do plano até 12 de setembro. Neste dia, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu convocou uma reunião de inteligência para discutir possíveis ações contra o Hezbollah. Nela, os funcionários do Mossad apresentaram aquela que era uma das operações mais secretas da agência.

Inteligência de Israel temia que a escalada da crise no sul do Líbano levasse à descoberta dos dispositivos. Anos de pllanejamento cuidadoso poderiam se tornar inúteis e gerar uma ofensiva libanesa.

Mas diversas autoridades, inclusive Netanyahu, temiam que acionar as explosões levassem a uma "resposta feroz". O grupo reconheceu que os milhares de pagers poderiam causar enormes danos ao Hezbollah, contudo poderiam levar a uma retaliação com ataques maciços de mísseis e até à entrada do Irã no conflito. O Mossad recebeu apoio de outra ala das autoridades que viam uma oportunidade de romper com o status quo e mudar a situação.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, discursou na Assembleia Geral das Nações Unidas em 27 de setembro, quando ordenou o ataque a Nasrallah Imagem: SPENCER PLATT/Getty Images via AFP

EUA não foram informados sobre plano com pagers. O aliado mais próximo de Israel não participou da operação, mas pressionavam o líder do Hezbollah, Nasrallah, a concordar com um cessar-fogo com Israel — sem vínculos com os combates em Gaza. O objetivo era retirar combatentes libaneses das bases do sul do país que ameaçavam israelenses na fronteira.

Autoridades israelenses de alto escalão teriam apoiado cessar-fogo, mas Nasrallah negou a proposta. O líder do Hezbollah queria que houvesse, primeiro, um cessar-fogo em Gaza, segundo autoridades dos EUA e do Oriente Médio ouvidas pelo Post.

Netanyahu aprovou o acionamento dos dispositivos, mas para causar dano máximo, em 17 de setembro. Enquanto militares e políticos israelenses discutiam se atacariam Nasrallah (cujo paradeiro era conhecido pelo Mossad), mesmo temendo a ofensiva libanesa, pagers tocaram ou vibraram em todo o Líbano e na Síria.

Em árabe, todos receberam o alerta: "você recebeu uma mensagem criptografada". Ao seguir as instruções com os dois botões, agentes tiveram mãos e dedos arrancados por toda parte, em casas, lojas, carros e calçadas. Menos de um minuto depois, milhares de outros pagers cujos donos não haviam checado a mensagem também explodiram.

Mulher em Bagdá segura imagem de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah morto em ataque de Israel Imagem: Ahmad Al-Rubaye/AFP

No dia seguinte, 18 de setembro, centenas de walkie-talkies explodiram da mesma forma. Entre os mortos havia membros do Hezbollah e transeuntes. Israel decidiu aproveitar a imobilização temporária do grupo armado libanês e atacou novamente, atingindo seu quartel-general, arsenais e centros de logística das milícias com bombas de 2.000 libras.

Netanyahu deu a ordem para o ataque aéreo que matou Nasrallah da sede da ONU, em Nova York. Em seu discurso à Assembleia Geral em 27 de setembro, 10 dias depois da explosão dos pagers, ele disse "basta" ao Hezbollah. "Não aceitaremos um exército do terror empoleirado em nossa fronteira norte, capaz de perpetrar outro massacre no estilo de 7 de outubro", falou o primeiro-ministro.

Em 28 de setembro, Israel confirmou que Nasrallah havia sido morto. Ele foi atingido no centro de comando do Hezbollah em Beirute.

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