'Sensação de estar num filme': jornalista foge da rota do furacão Milton
Ana Paula Garrido
Colaboração para UOL, da Flórida (EUA)
12/10/2024 05h30
Recém-chegada na Flórida, onde eu e minha família escolhemos a região de Tampa para morar, não imaginávamos que teríamos que aprender no susto e tão rapidamente tudo sobre furacões. Já nos primeiros dias, tivemos a primeira experiência com a passagem de um furacão perto da Flórida que por sorte, trouxe apenas muitos ventos e chuvas, mas sem causar grandes estragos.
Quando as previsões meteorológicas nada animadoras acompanhavam a formação do furacão Milton, com potência e tamanho devastadores e chance de atingir a região de Tampa Bay, onde moramos, ficamos muito apreensivos.
Apenas 7 dias antes, todas as lindas praias e bares que tivemos o prazer de conhecer nos poucos meses em que estávamos aqui, tinham simplesmente sumido do mapa, numa devastação completa causada pela passagem do furacão Helene.
A região ainda estava tentando se livrar da destruição, retirando o que tinha sobrado de pontes, casas e barcos que foram parar nas ruas e jardins, trazidos pelas gigantescas ondas do mar que invadiram as cidades, arrebentando com o que acharam pela frente e agora, se preparava para o segundo impacto.
Simplesmente inacreditável.
Antes do furacão
Seguimos todas as orientações básicas e as dicas dos locais: sacamos dinheiro, abastecemos o carro, compramos água mineral, comida não perecível e enlatadas, carregamos celulares e laptops, deixamos lanternas e baterias por perto, tiramos móveis e objetos soltos do jardim, fechamos portas e janelas, enchemos a banheira com água e combinamos que numa emergência, durante a passagem de um furacão ou tornado, devemos correr para o closet, o lugar mais seguro da nossa casa, longe de portas e janelas.
Ficar ou evacuar? Essa é uma decisão importantíssima que tem que ser tomada o quanto antes, mas se não há a certeza de onde o furacão baterá, como definir para onde ir? E se o furacão mudar de rota e impactar justamente a área que você escolheu para fugir?
Analisamos todas as projeções e informações meteorológicas disponíveis e analisamos todas as áreas que o furacão poderia atingir. Mapeamos três diferentes regiões no sul e no norte do estado como possível zona de escape e fizemos reservas de hotéis em todas elas.
Acompanhamos as notícias, ouvimos as autoridades emitindo ordem de evacuação total para as áreas de alagamento, vimos pessoas desesperadas correndo para mercados já desabastecidos, postos de gasolinas com filas gigantescas e engarrafamentos nas estradas com as fugas em massa dessa região.
A sensação era de estar num filme de ficção científica, tendo que correr para salvar a própria vida, com medo da cidade ser totalmente inundada e devastada.
Como se não bastasse, com a chegada do furacão, chegam também os tornados, que podem se formar a qualquer momento, antes, durante e depois da tempestade e em qualquer lugar, destruindo casas e arrastando o que encontram pela frente.
Evacuação de madrugada
Chegamos à conclusão que não valia o risco e todo o estresse de ficar em casa esperando desesperados pelo momento que o furacão iria passar. Decidimos evacuar e deixar tudo para trás, sem saber se na volta, encontraríamos nossa casa de pé.
Apenas uma mochila com todos os nossos documentos, passaportes, dinheiro em espécie e alguns objetos de valor, além de água e alguns sanduiches para emergência, caso tivéssemos que passar muitas horas na estrada e sem achar lugar aberto para comprar alimentos.
Resolvemos enfrentar e encarar os riscos das estradas lotadas, de faltar gasolina e não ter posto para abastecer, as possíveis chuvas fortes e ser surpreendido pelos tornados no caminho.
Escolhemos Boca Raton, no sul da Flórida e na costa oposta, como destino de fuga, num hotel longe de praias e área de alagamento.
Saímos na madrugada, 48 horas antes do furacão chegar, na esperança de pegar estradas menos cheias, já que as notícias que chegavam eram sobre pessoas presas nos engarrafamentos há horas e sem ter como abastecer ou ter lugar para dormir.
Ao chegarmos na estrada, para nossa surpresa, notamos a estrada lotada de carros completamente parados, tentando seguir em direção ao norte, enquanto nós seguíamos para o sul. Com tão poucos carros na nossa frente, me questionava se realmente tínhamos escolhido a direção certa para fugir, quando parecia que a maioria tinha escolhido a direção oposta.
Na estrada pegamos muita chuva, mas por sorte, não pegamos muito trânsito e nem fomos surpreendidos por nenhum tornado.
Chegamos em Boca Raton e nosso hotel estava completamente lotado, cheio de famílias em fuga, de diferentes partes de Tampa Bay. O que chamava a atenção era a quantidade de pets se hospedando com seus donos. Os hotéis tiveram que aceitar pets por conta da situação emergencial.
Semblantes preocupados, com um misto de alívio por terem chegado numa cidade onde estava prevista apenas tempestades tropicais com a passagem do furacão e a angústia de abandonar a casa sem saber se na volta ela ainda estaria no lugar.
Contagem regressiva
Em Tampa, uma verdadeira operação de guerra estava sendo montada, numa preparação para o impacto do furacão que estava em contagem regressiva e pegando cada vez mais força e velocidade ao passar pelas águas quentes do Golfo do México.
Enquanto isso, do outro lado da Flórida, na costa leste, onde eu achava que estava segura, avisos de tornados começaram a aparecer nos celulares e TVs. Muito assustada, pude ver da janela do meu hotel, um deles se formando. Logo em seguida vi pela TV que ele destruiu por completo algumas casas e causou mortes bem pertinho de onde estávamos.
Foram simplesmente 126 tornados castigando o sul da Flórida. Uma coisa nunca vista.
Horas mais tarde, acompanhamos apreensivos a chegada do furacão que entrou em Siesta Key pouco abaixo de Tampa, como categoria 3 mas nem por isso menos perigoso. Acompanhei pelas redes sociais e grupos de WhatsApp o rastro de horror que ele veio causando pelas cidades.
Amigos e vizinhos que não evacuaram disseram que foi traumatizante e nunca passaram por um medo tão grande. Disseram que o barulho dos ventos era de enlouquecer, que as casas tremiam e balançavam, ouviam barulho de árvores tombando, telhados voando, muita chuva e vento, rios e lagos subindo, energia faltando, uma verdadeira catástrofe.
O dia seguinte
Passei a madrugada acordada e em choque, acompanhando a saída do furacão, aliviada por ter saído de Tampa, mas muito triste em ver o lugar que escolhi morar ser totalmente destruído e devastado.
Enquanto finalizo essa matéria, acompanho com muita dor, o estrago causado por esse fenômeno, que já causou US$ 180 bilhões de prejuízo, impactou a vida de milhares de pessoas e deixou a Flórida arrasada.
Até agora, ainda não foi possível retornar para a minha cidade, e não sabemos se nossa casa está de pé. Apesar dos desafios enfrentados, o mais importante é ter sobrevivido a essa experiência tão traumática de passar por um furacão. Estar vivo é o que realmente importa.