Brasil cria aliança contra fome com apoio de 81 países e US$ 25 bi em caixa
O Brasil lança nesta segunda (18) no G20 a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, principal iniciativa do governo Lula na cúpula das nações mais ricas do mundo. Mais de 80 países já aderiram à iniciativa. Quando a ideia começou a ser discutida com as delegações internacionais, houve resistência à criação de mais uma iniciativa contra a fome, já que há outras em curso.
O que aconteceu
Governos de 81 países aderiram à aliança até domingo (17). Isso representa um de cada quatro países do mundo. É praticamente o dobro dos 41 que haviam se juntado à iniciativa até a última sexta-feira (15), quando o governo brasileiro realizou uma rodada em busca de novas adesões. Mais países podem aderir no futuro, e a expectativa do Brasil é que o número final se aproxime de 100.
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Um único banco, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), anunciou um aporte de US$ 25 bilhões, equivalente a R$ 146 bilhões no câmbio atual. Os empréstimos serão destinados a projetos na América Latina e no Caribe. Ao todo, nove instituições financeiras aderiram à aliança.
Aderir à aliança significa que os países anunciaram compromissos para reduzir a fome e a pobreza — a maioria, no âmbito nacional. Um número menor também prometeu conceder recursos para auxiliar na implementação de políticas públicas em regiões em desenvolvimento. É o caso da Noruega.
Os projetos anunciados pelos países envolvem, principalmente, aumentar o número de pessoas em programas sociais. Muitos pretendem expandir iniciativas nacionais que já estão em curso. Outros pretendem criar novos projetos, a partir da experiência de outros países membros da Aliança, como o Brasil.
Os indicadores ligados à fome e à pobreza no mundo vinham em queda, mas voltaram a subir pouco antes da pandemia. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), havia 798 milhões de pessoas com fome em 2005. Até 2017, o número caiu para 541 milhões. Em seguida, voltou a crescer paulatinamente, chegando a 733 milhões em 2024.
O governo Lula aposta alto: diz que os compromissos anunciados vão expandir programas de transferência de renda para 500 milhões de pessoas. Também espera que novos programas de merenda escolar atinjam mais 150 milhões de crianças. E programas de saúde materna e primeira infância impactem 200 milhões de mulheres e crianças.
Mas o número de 500 milhões de pessoas não foi detalhado, então não se sabe em que regiões do mundo elas estão. Isso corresponde a duas vezes e meia a população do Brasil. O número também equivale a dez vezes o total de beneficiários do Bolsa Família, o maior programa do tipo no mundo. E representa sete de cada dez pessoas que passam fome no mundo hoje.
[A Aliança] é fundamental. O G20 junta hoje os países mais poderosos do mundo. Até agora, discutiu muito comércio. Na crise financeira de 2008, o G20 ocupou um papel central. Agora, estamos com uma crise social muito forte. Tem que juntar toda a capacidade (de ação). A FAO é uma delas.
(Para funcionar) tem que ser tangível. Já passou a fase de falar, falar, falar. Se tem uma coisa que a gente não pode fazer é falar de forma genérica. Tem que colocar elementos concretos: 'tem que fazer X, tem que se concentrar em tais países'.
Mario Lubetkin, diretor regional da FAO para América Latina e Caribe
Desconfiança inicial da iniciativa
O Brasil iniciou reuniões com delegações estrangeiras para tratar da aliança no início deste ano. A ideia havia sido anunciada um pouco antes, no final de 2023, quando o Brasil assumiu a presidência do G20 (a cada ano, um país fica no comando do bloco; em 2023, foi a Índia; em 2025, será a África do Sul).
Em um primeiro momento, alguns países demonstraram resistência à ideia, porque já há outros mecanismos de combate à fome. Só na ONU existem duas importantes agências focadas no tema: a própria FAO e o PMA (Programa Mundial de Alimentos). Em 2012, o G8 (grupo das oito maiores economias do mundo, que não inclui o Brasil) criou a "Nova Iniciativa para Segurança Alimentar e Nutrição", prometendo tirar 50 milhões de pessoas da pobreza na África em dez anos, mas "falhou em cumprir as promessas e desapareceu silenciosamente da arena pública", segundo pesquisa da Universidade Charles em Praga.
Governo Lula buscou convencer os demais países de que era necessário uma nova iniciativa, devido ao grande número de pessoas com fome. Participaram das negociações o Itamaraty e o MDS. A linha de convencimento envolveu apresentar estatísticas sobre a situação de fome e pobreza no mundo e argumentar que era preciso, sim, uma nova ação coletiva. Após meses de reuniões, a iniciativa foi oficialmente anunciada por Lula em julho.
Não é a primeira vez que Lula lança uma iniciativa do tipo. Em 2004, em seu segundo ano de mandato, o presidente encabeçou uma "ação contra a fome e pobreza", com adesão imediata de 107 países. Mas o projeto teve poucos resultados concretos.
O MDS sustenta que, desta vez, a aliança vai prosperar e obter resultados concretos. Em um primeiro momento, serão criados dois escritórios: um em Brasília, na Agência Brasileira de Cooperação (órgão do Itamaraty que gerencia os projetos brasileiros de ajuda internacional), e outro em Roma, na FAO. A ideia é, após um ano, fazer um balanço dos resultados alcançados.
A Aliança reprioriza o combate à fome e à pobreza na agenda internacional. É a possibilidade de cooperar em um mundo que não coopera mais. Um suspiro para esse multilateralismo que está se afogando. O salto é menor do que anunciado. Mas, ao mesmo tempo, são nessas pequenas coisas em que é importante avançar hoje.
Laura Waisbich, pesquisadora do Articulação Sul, foi diretora do Centro de Estudos Brasileiros de Oxford
A ideia da Aliança é fazer um grande esforço conjunto para recuperar o ritmo para atingir as metas 1 e 2 dos Objetivos do Milênio, da ONU (erradicar a pobreza e acabar com a fome até 2030). Durante a pandemia, o mundo retrocedeu na trajetória rumo a essas metas.
Rafael Osorio, pesquisador do Ipea, que participa da estruturação da Aliança
Carteira de empréstimo de US$ 25 bilhões
Nove instituições financeiras também aderiram à aliança. Entre elas o BID, o Banco Mundial, o Banco dos Brics (dirigido pela ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff), além de bancos de desenvolvimento e investimento da Europa e da Ásia.
O BID foi o banco que anunciou o maior aporte até agora: US$ 25 bilhões em empréstimos para projetos na América Latina e Caribe. O valor está sujeito à aprovação de instâncias colegiadas do banco. Liderado por um brasileiro, o ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, o BID também prometeu doar US$ 200 milhões para países estruturarem programas sociais para combater a fome e a pobreza.
O Brasil não pretende destinar recursos para outros países da Aliança. Nem doação, nem financiamento, nem perdão de dívida. É uma distinção em relação à política externa dos dois primeiros governos Lula (2003-2010), quando o Brasil perdoou valores altos de dívidas, concedeu empréstimos via BNDES para obras de infraestrutura e aplicou dezenas de milhões em projetos de cooperação.