Topo

Meta é aprovar nova Constituição chilena, diz Bachelet

A presidente do Chile, Michelle Bachelet - Jose Manuel de la Maza/Efe
A presidente do Chile, Michelle Bachelet Imagem: Jose Manuel de la Maza/Efe

Helene Zuber

09/11/2014 00h01

Em entrevista à "Der Spiegel", a presidente chilena Michelle Bachelet, 63, discutiu seu esforço para eliminar os últimos vestígios da ditadura de Pinochet e seu desejo de melhorar o sistema social e importar a capacitação profissional ao estilo alemão para a América do Sul.

No ano passado, Bachelet foi eleita presidente do Chile pela segunda vez. Quando a política socialista se tornou a primeira presidente mulher do país há oito anos, ela simbolizou a transformação do Chile depois do fim da ditadura militar de Pinochet em 1990.

Quando deixou o governo em 2010, ainda tinha uma taxa de aprovação de mais de 80%. Mas ela não podia se candidatar à reeleição porque o Chile proíbe que um presidente governe por dois mandatos consecutivos.

Pediatra de formação, Bachelet é mãe solteira e filha de Alberto Bachelet Martínez. Seu pai permaneceu fiel a Salvador Allende, o presidente socialista assassinado depois do golpe militar de 1972. O próprio Bachelet morreu mais tarde na prisão, depois de muita tortura.

Durante seu primeiro mandato como presidente, Bachelet conseguiu democratizar as forças militares do país e deu apoio às vítimas da ditadura. No final de 2013, Bachelet foi reeleita para suceder o político de direita Sebastián Piñera como presidente. Desde então, tanto o clima político quanto econômico no Chile se deteriorou.

A presidente Bachelet, contudo, prometeu promover maior justiça social no livre-mercado do Chile. Ela diz que quer fornecer acesso a educação, saúde e pensões a todos os chilenos. Mas seus planos de reforma podem enfrentar dificuldades por causa da atual estagnação econômica. Sua coalizão eleitoral, conhecida como Nueva Mayoría, abrange desde o Partido Democrata Cristão até os Comunistas e representa o maior grupo no parlamento. Ainda assim, é insuficiente para aprovar uma nova constituição, como tem sido proposto por Bachelet.


Spiegel: Presidente, em que condições estava o seu país quando você iniciou o segundo mandato em março de 2014?
Bachelet:
O Chile mudou. As pessoas amadureceram e estão mais conscientes de seus direitos. Elas querem participar e querem dar sua opinião sobre coisas como a construção ou não de uma indústria de energia, por exemplo.

Spiegel: O Chile foi bem sucedido na transição da ditadura militar para a democracia. Entretanto ainda há vestígios da ditadura. Como você planeja se livrar deles?
Bachelet:
Precisamos reformar nossa constituição. A atual foi escrita e aprovada em 1980 durante a ditadura. Algumas mudanças foram feitas depois do retorno à democracia, mas suas origens permanecem ilegítimas. Em vez de continuar consertando aqui e ali, precisamos realizar mudanças fundamentais em nossa constituição para fazer com que reflita a realidade de nossa sociedade democrática.

Spiegel: Você pode citar um exemplo?
Bachelet:
Estamos atualmente mudando a lei eleitoral. De acordo com o chamado direito de eleição binomial introduzido por Pinochet, a vitória eleitoral só era possível para os dois maiores blocos políticos, e os partidos pequenos ficavam totalmente excluídos. Isso é de particular importância para os eleitores jovens que desejam outros candidatos. Além disso, recomendaremos que o parlamento descriminalize o aborto nos casos de estupro ou quando há uma ameaça à sobrevivência da mãe ou do feto. Também queremos reconhecer a união de casais que vivem juntos, independentemente da orientação sexual. Atualmente, isso só existe para o casamento entre um homem e uma mulher.

Spiegel: Você está no poder há sete meses, mas ainda não começou a trabalhar em uma nova constituição. Nem tampouco tem a maioria de dois terços no parlamento que precisaria para aprová-la. Esse plano é realista?
Bachelet:
Não vou pressionar pela nova constituição antes do ano que vem. Precisamos ter um debate amplo para que a nova constituição represente a todos. Estou convencida de que ela não pode ser simplesmente desenvolvida por um grupo de especialistas. Primeiro, pessoas em todos os níveis devem ter a oportunidade de dar suas contribuições. Elas devem poder expressar suas opiniões sobre qual o tipo de sociedade em que gostariam de viver. Como, por exemplo, o estado deve lidar com a comunidade empresarial ou com o meio ambiente? Este é o tipo de processo aberto que eu gostaria de ver. A questão aqui é encontrar unidade em decisões maiores. Depois disso, um texto será desenvolvido e apresentado ao parlamento.

Spiegel: Menos de metade dos eleitores participaram do segundo turno da eleição presidencial. Vinte e cinco anos depois do fim da ditadura, as pessoas estão ficando cansadas da democracia?
Bachelet:
O desafio é revigorarmos a relação com o povo e dar nova legitimidade às instituições estatais. Mas este também é um fenômeno geral. Na Europa também há um desencantamento com a política.

Spiegel: Você é socialista, mas durante seu primeiro mandato, fez poucas mudanças ao caminho econômico neoliberal de Pinochet. Você vai mudar de curso agora?
Bachelet:
Mesmo no primeiro mandato eu fiz um esforço para garantir proteções sociais. Mas nossa economia precisa crescer --e o Chile, com uma população de 17 milhões, não pode depender totalmente do mercado interno. E é por isso que a decisão de focar nas exportações, tomada no início da era democrática, foi correta. Estamos dando continuidade a isso. Por muito tempo, o Chile teve sucesso no combate à pobreza. Mas agora precisamos nos concentrar mais em combater a desigualdade.

Spiegel: Como você pretende fazer isso?
Bachelet:
Eu iniciei uma série de reformas. O primeiro passo é a reforma fiscal para criar mais arrecadação para os gastos sociais. A sonegação será combatida com mais eficiência. Aqueles que ganham mais terão de pagar mais. Isso aumentará a solidariedade em nossa sociedade.

Spiegel: Os especialistas alertaram que o crescimento econômico pode cair pela metade este ano. O preço do cobre caiu, o que atinge o Chile em particular. Será que este é mesmo o momento para aumentar impostos?
Bachelet:
Aos olhos de muitos líderes empresariais, nunca há um momento oportuno para a reforma fiscal. Sim, a economia está perdendo ímpeto, mas isso não é porque um punhado de pessoas está perdendo seus privilégios. O crescimento lento não começou durante meu mandato; o declínio no mercado está sendo sentido em todo o mundo. Meu governo respondeu com uma agenda voltada para aumentar a produtividade. Também estamos investindo bastante em infraestrutura --o plano prevê US$ 26,3 bilhões até 2021.

Spiegel: Em 2011, estudantes universitários do Chile começaram a realizar protestos pedindo reforma social e acesso gratuito à educação. Qual foi sua resposta?
Bachelet:
Todas as crianças devem ter oportunidades iguais de receber uma educação de boa qualidade, não importa em que parte do país vivam e independentemente de seus pais serem ricos ou pobres. É dever do estado disponibilizar dinheiro suficiente para a criação de boas escolas públicas. A educação dos jovens é crucial para que o Chile continue crescendo economicamente.

Spiegel: Ainda assim, muitos estudantes não acreditam que suas reformas são suficientes e voltaram a protestar. Além disso, houve quase 30 atentados com bombas este ano, o mais recente resultou até mesmo em vários feridos. Grupos anarquistas assumiram a responsabilidade. A campanha de atentados representa uma ameaça grave?
Bachelet:
Temos visto bombas detonarem há anos, por exemplo aquelas que tinham como alvo caixas eletrônicos. Elas raramente tinham uma motivação política por trás, e eram na maior parte criminosas. Outras explosões foram realizadas por oponentes do sistema que tentam atrair a atenção para si, mas eles representam uma minoria minúscula no Chile. Ainda assim, estamos tratando com muita seriedade os ataques recentes. Aqueles que detonam bombas perto do metrô ou de restaurantes colocam vidas humanas em risco. Isso é terrorismo. Temos colocados todos os meios à disposição dos promotores públicos para que investiguem este tipo de crime e estamos no processo de apresentar um projeto de lei antiterror ao parlamento.

Spiegel: Como a revolta de muitos jovens pode ser explicada? Ela tem a ver com o fato de muitos deles serem jovens demais para ter passado pela ditadura?
Bachelet:
Nossas reformas mudarão fundamentalmente a vida de muitos jovens. Há muitos jovens parlamentares, conselheiros distritais e prefeitos na minha coalizão e em outros partidos. Com sorte eles serão capazes de reconquistar a confiança nos políticos entre os jovens de sua faixa etária.

Spiegel: A América Latina tem sido predominantemente de esquerda nos últimos anos, mas os conservadores estão ascendendo em muitos países. Você acha que em breve poderá ser a última socialista no governo na região?
Bachelet:
Em um continente tão grande e diverso, a mudança política é natural. Estamos todos unidos na luta contra a pobreza e a desigualdade. O fato de que estamos fazendo progresso na igualdade de gênero também pode ser comprovado pelo fato de que na América Latina temos mais mulheres no posto mais alto do governo do que vocês, europeus.