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Juiz que agiu contra coleta de dados é conhecido por não deixar presidentes em paz

Sheryl Gay Stolberg

Em Washington

17/12/2013 10h13

O juiz Richard J. Leon, que abalou Washington na segunda-feira (16) ao declarar que o programa de coleta de dados da Agência de Segurança Nacional (NSA, em inglês) era "quase orwelliano", é um homem conservador e vívido que não se abstém de criticar o governo federal em questões tão variadas quanto a pornografia, as drogas ministradas na pena de morte ou os suspeitos de terrorismo detidos em Guantánamo.

Com a utilização de pontos de exclamação ("Absolutamente decepcionante", ele escreveu uma vez em uma decisão que criticava a Agência de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos) e referências culturais (ele mencionou os Beatles e Ringo Starr em uma nota de rodapé na decisão de segunda-feira), Leon não parece se guiar pela sobriedade da Justiça.

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"Ele é muito apaixonado", disse Orin S. Kerr, professor da Faculdade de Direito da Universidade George Washington e defensor dos programas de vigilância da NSA, que disse ter encontrado na decisão do juiz problemas "no raciocínio jurídico".

Leon, 64, é um republicano nomeado em 10 de setembro de 2001 pelo presidente George W. Bush e confirmado no cargo em 2002, que já apoiou o governo em casos anteriores. Ele agiu assim em 2005, sustentando que os detidos em Guantánamo não tinham direito a um processo jurídico (embora mais tarde ele tenha ordenado a libertação de alguns).

Ele é um especialista em inquéritos parlamentares. O juiz trabalhou em vários casos envolvendo presidentes, enquanto eles estavam no poder, incluindo o caso Irã-Contras no governo do presidente Ronald Reagan e o inquérito Whitewater no mandato do presidente Bill Clinton. Leon leciona em um curso sobre o tema com John Podesta, um político democrata que em breve se tornará conselheiro de Obama.

"Eu conheci Dick Leon em circunstâncias bastante incomuns", afirmou, em um e-mail, Podesta, ex-chefe de gabinete de Clinton, que também liderou esforços frenéticos para defender o presidente em uma série de escândalos. "Ele era o conselheiro-chefe republicano que investigou o caso Whitewater. Mesmo assim, nós formamos uma forte ligação na sala de aula porque o juiz Leon é um sujeito honrado, honesto e direto."

Por sua vez, Leon disse uma vez a um repórter do jornal "The Corporate Legal Times" que os advogados que se concentraram em investigações do Congresso não pegam muitos casos do mesmo cliente. "Nós somos os oncologistas da advocacia", disse ele.

Os advogados descrevem Leon como simpático e atencioso. "Eu não acho que alguém poderia caracterizá-lo nem mesmo remotamente como um radical", disse Jameel Jaffer, diretor jurídico adjunto na associação "American Civil Liberties Union", que entrou com uma ação semelhante a que Leon deliberou na segunda-feira. Ao contrário de Kerr, Jaffer disse que encontrou raciocínio jurídico e linguagem convincentes na decisão do juiz.

"Suas metáforas, eu acho, são muito devastadoras para o governo", disse Jaffer.

Em uma decisão de 68 páginas, Leon disse que o programa da NSA que reúne sistematicamente registros de telefonemas dos americanos era inconstitucional, rejeitando o argumento do governo Obama que um caso de 1979 (Smith contra Maryland) poderia ser considerado como um precedente jurídico. "As pessoas têm uma relação completamente diferente com os telefones do que há 34 anos", ele escreveu.

Em 2010, Leon presidiu um processo de bastante repercussão: um caso de obscenidade contra o produtor de vídeo californiano John A. Stagliano, conhecido por seus filmes contendo cenas envolvendo urina e sadomasoquismo. O juiz rejeitou as acusações.

"Espero que o governo aprenda uma lição com a experiência", disse ele, em seguida, chamando acusação do Departamento de Justiça de "lamentável e insuficiente."

Em 2012, em um caso trazido em nome de condenados à morte no Arizona, Califórnia e Tennessee, Leon impediu o uso de tiopental sódico importado em execuções e repreendeu a Agência de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos (FDA, em inglês), que havia afirmado que não tinha jurisdição sobre as drogas.

Ele escreveu que a agência "parece estar simplesmente envolvendo-se na bandeira da discrição da aplicação da lei para justificar a sua autoridade e disfarçar uma indiferença às consequências para a saúde das pessoas na eminência de encarar a agulha do carrasco”. E acrescentou: "Como é absolutamente decepcionante!".

Mas Leon é talvez mais conhecido por seus casos envolvendo detentos de Guantánamo. Em 2005, ele primeiro tomou partido do governo Bush ao decidir que os estrangeiros presos no campo de detenção não poderiam ter habeas corpus concedidos e não tinham nenhuma maneira legal de contestar em um tribunal federal suas detenções.

Mas, em 2008, uma decisão sua acabou se tornando uma derrota amarga para o governo Bush, quando ele mandou libertar cinco homens argelinos que tinham sido detidos ilegalmente em Guantánamo havia quase sete anos. Ao ordenar a libertação, ele disse que o governo tinha agido de maneira fraca ao confiar em "um documento secreto  de uma fonte não identificada" na acusação contra os homens.

"Confiar em algo tão fraco seria incompatível com a obrigação deste tribunal", disse ele na época. Os detidos ouviram através de uma linha telefônica de Guantánamo o pedido do juiz ao governo para que não recorresse da decisão.

"Sete anos de espera para o nosso sistema legal para dar-lhes uma resposta a uma questão tão importante é, na minha opinião, mais do que tempo suficiente", disse Leon.

Tradução: Thiago Varella