Uso de drones para assassinatos pode levar a uma 'guerra sem fim', conclui painel
A decisão do governo Obama de usar drones armados para assassinatos seletivos corre o risco de colocar os Estados Unidos em uma "ladeira escorregadia" na direção de uma guerra perpétua. Isso pode estabelecer também um precedente perigoso para operações letais de outros países, segundo o relatório de um painel bipartidário que inclui ex-altos funcionários de inteligência e oficiais militares.
O grupo apontou que, passada mais de uma década de drones armados, o governo americano ainda precisa realizar uma análise abrangente sobre se os custos de operações secretas de assassinato rotineiras superam os benefícios. O relatório pede ao governo que realize essa análise e informe ao público o número de militantes e civis mortos em ataques com drones.
As conclusões representam uma espécie de boletim escolar – um apresentando notas medianas – um ano após o presidente Barack Obama ter feito um discurso prometendo novas diretrizes para ataques com drones e maior transparência a respeito das operações de assassinato. O relatório critica especialmente o sigilo que continua a envolver as operações com drones e questiona se podem criar novos terroristas ao mesmo tempo em que os mata.
"Não há indício de que a estratégia americana para destruir a Al Qaeda tenha coibido a ascensão do extremismo islâmico sunita, dissuadido a formação de grupos extremistas islâmicos xiitas ou promovido os interesses de segurança americanos de longo prazo", concluiu o relatório.
O painel inclui vários ex-funcionários da CIA e do Pentágono e é conjuntamente liderado pelo general reformado John P. Abizaid, o ex-chefe do Comando Central dos Estados Unidos, e Rosa Brooks, uma integrante da Fundação Nova América e professora de Direito da Universidade de Georgetown.
Outros integrantes são Philip Mudd, um ex-vice-diretor do Centro de Contraterrorismo da CIA; Jeffrey Smith, que serviu como advogado-geral da CIA durante o governo Clinton; e John B. Bellinger 3º, o consultor jurídico do Conselho de Segurança Nacional e do Departamento de Estado durante o governo George W. Bush.
Contraterrorismo
O relatório foi divulgado na quinta-feira (26) pelo Centro Stimson, um centro de estudos não partidário em Washington. O "New York Times" recebeu uma cópia antecipada.
"Eu não estou em posição de comentar um relatório que ainda está para ser lançado, mas estamos ansiosos para analisá-lo", disse Caitlin Hayden, uma porta-voz da Casa Branca.
"O governo está explorando formas de fornecer mais informação sobre o uso de força pelos Estados Unidos em operações de contraterrorismo fora de áreas de atividade hostil, incluindo informações que forneçam ao povo americano uma melhor compreensão dos levantamentos americanos de baixas civis", disse, acrescentando que os Estados Unidos precisam preservar "a capacidade de dar continuidade a essas operações".
O relatório contesta algumas críticas aos drones armados. Argumentando que eles não devem ser nem "glorificados e nem satanizados", ele diz que há forte evidência de que o número de civis mortos por ataques com drones armados é bem menor do que os causados por aeronaves tradicionais de combate. O painel também disse que há pouco motivo para concluir que os drones criam uma "mentalidade de PlayStation" –transformar a guerra em um videogame que elimina os custos psicológicos para os pilotos dos drones.
Na verdade, como os pilotos de drones observam seus alvos às vezes por dias e semanas antes de puxar o gatilho –e então os veem explodir em uma tela de vídeo de alta resolução– eles estão mais suscetíveis a estresse pós-traumático do que os pilotos de aeronaves tripuladas.
Em vez disso, o painel reserva grande parte das críticas a como dois presidentes americanos sucessivos conduziram um "programa de assassinatos de longo prazo baseado em argumentos sigilosos" e quão pouco pensamento foi dedicado às consequências que poderia causar na forma como guerras são travadas.
O governo Obama tem relutado em tornar pública qualquer base legal para o programa de assassinatos seletivos. Como parte dos processos impetrados com base na Lei de Liberdade de Informação pelo "The Times" e pela União Americana pelas Liberdades Civis, um tribunal federal de apelações divulgou nesta semana uma versão editada de um memorando de 2010 do Departamento de Justiça, que considerava legal o esforço para matar Anwar al-Awlaki, o clérigo muçulmano radical e cidadão americano que acabou sendo morto em um ataque por drone da CIA em 2011, no Iêmen.
Um trecho do memorando, uma compilação de evidências para apoiar as alegações do governo de que Al-Awlaki se tornou um terrorista ativo que representava uma ameaça direta aos americanos, permaneceu censurado.
Algumas das recomendações do painel já foram aprovadas –apesar de ainda não implantadas– pelo governo Obama. Uma das recomendações, transferir da CIA para o Pentágono grande parte das operações com drones, foi inicialmente discutido por funcionários da Casa Branca em maio passado, apesar da CIA continuar realizando ataques com drones no Paquistão e no Iêmen. Não está claro quando a CIA será retirada da missão de disparar mísseis a partir de drones armados, se é que isso acontecerá.
A recomendação do painel de que o governo divulgue informação sobre as vítimas de drones segue um artigo do Comitê de Inteligência do Senado, incluído no projeto de lei de autorização do ano passado, que exigia que o governo Obama apresentasse um relatório anual sobre o número de militantes e civis mortos e feridos em ataques com drones. Mas funcionários da inteligência combateram o artigo, e os senadores o removeram discretamente do projeto de lei em abril.
O relatório fez alertas de que outros países poderiam adotar o mesmo argumento que os Estados Unidos para a realização de ataques letais fora de zonas de guerra declaradas. Usando como exemplo uma crise atual, ele diz que a Rússia poderia usar drones armados na Ucrânia, com a justificativa de estar matando terroristas antirrussos e então se recusar a revelar a inteligência que serviu como base para o ataque.
"Nessas circunstâncias", perguntou o relatório, "como os Estados Unidos poderiam condenar de forma crível os assassinatos seletivos pelos russos?"
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