"Médico dos cactos" cuida de forma passional das plantas do deserto no Arizona
O paciente idoso, espinhoso e rijo, pairava acima do médico, exibindo vários sinais de problemas. O médico notou a postura ruim, a pele calosa, os membros repletos de cicatrizes profundas. Ele temia que a sobrevivência dependeria de uma medida drástica, talvez até mesmo de uma amputação.
Um saguaro, o símbolo suculento do sudoeste, precisava de atenção médica e Rilée Leblanc –também conhecido como o "médico dos cactos"– é o especialista ao qual os donos de cacto recorrem por aqui.
Ele considera seu laço com as plantas como sendo algo espiritual, e em uma manhã recente, ele examinou o saguaro, tentando descobrir o que o afligia. Ele tinha quase 9 metros de altura, pesava cerca de 5 toneladas e estava pendendo na direção de uma casa. Leblanc olhou para a pele grossa em sua base e estimou que ele tinha mais de 100 anos de idade.
"Todos eles têm personalidades", disse Leblanc, 66, usando um boné e cerrando os olhos diante do clarão do sol. "Todos eles têm problemas diferentes. Não dá generalizar todos."
Atualmente, as plantas do deserto que são cuidadas de forma tão passional por Leblanc estão passando por uma renascença no Arizona, com sua popularidade alimentada pela promessa de sustentabilidade e redução das contas de água, que aumentaram devido à seca. Muitos nortistas que migraram para cá tentaram trazer os jardins vistosos de suas cidades de origem, apenas para descobrir que o deserto –ou o dinheiro de que dispõem– tinha outros planos em mente. Então passaram a recorrer aos cactos e outras plantas suculentas.
Mas o conhecimento das plantas pelos proprietários não acompanha a tendência, deixando Leblanc e seus funcionários com um bocado de plantas doentes devido ao excesso de irrigação e excesso de plantas. Por causa da demanda e da conexão obsessiva de Leblanc com os cactos, sua equipe trabalha todos os dias do ano. No Dia de Ano-Novo, ele apontou alegremente que trabalhou por 10 horas.
"Nós estamos aqui para salvar seus cactos, independente de qual seja o problema", disse Leblanc, com seu argumento de venda interrompido pelo toque do celular: "Alô, aqui e o médico de cactos."
Conhecido por seus amigos e colegas de trabalho como Frenchie, o médico de cactos é um homem de poucas palavras e ainda menos paixões: sua esposa há 26 anos, sua coleção de álbuns de jazz bebop e –é claro– cactos. Seus pais franceses fugiram do conflitos no Vietnã colonial para a Tailândia, onde ele nasceu, foi criado e onde pegou o que chama de "febre do cacto" aos 11 anos.
O único assunto que certamente o atrai é a natureza especial de seus pacientes.
"Eles são cheios de caráter", disse Leblanc. "O modo como ganham forma, a textura da carne e as flores, que são algumas das mais belas do mundo. Você poderia colocar um cacto aqui e meditar a respeito dele por uma semana."
Ele trabalhou por um tempo para o governo das Filipinas, ajudando agricultores pobres a cultivarem plantações mais lucrativas. Em 2002, seu chamado profissional o levou ao Arizona para estudar o saguaro, cursando a Desert Landscape School, e depois um programa de treinamento de nove meses no Jardim Botânico do Deserto, em Phoenix. Ele certamente causou boa impressão. Em sua formatura, lembrou um professor, ele tirou seu capelo para mostrar que tinha tingido seu cabelo de verde.
Leblanc entrou no campo no momento em que a popularidade do paisagismo no deserto estava aumentando e a dos gramados copiados do Meio-Oeste estava em queda.
"As pessoas estão vendo beleza no deserto e o que ele pode oferecer", disse Sonya Becker, da divisão do Arizona da Associação dos Paisagistas Profissionais.
Mas nas mãos erradas, as plantas do deserto podem ser maltratadas.
"Nós queremos um jardim de deserto que pareça viçoso e queremos que pareça viçoso amanhã", disse Chris A. Martin, um professor de horticultura da Universidade Estadual do Arizona. "Essas plantas acabam morrendo de tanto ser podadas."
O trabalho pode ser cansativo e perigoso. Leblanc realizou cirurgias a 9 metros de altura, erguendo um andaime para o procedimento. Outras vezes, sua equipe trabalha nos membros, que pesam centenas de quilos e podem partir facilmente. Pode-se perder uma manhã inteira para tentar desentortar um saguaro apenas alguns poucos graus.
Aprumar um cacto geralmente custa cerca de US$ 700, e cirurgias mais invasivas ou replantar um cacto pode custar mais de US$ 1.000.
No trabalho em Paradise Valley, um subúrbio de Phoenix, a equipe de Leblanc de cerca de meia dúzia de homens passou a manhã cavando uma vala em torno do cacto, cavando lentamente mais fundo na terra. Enquanto isso, o tronco da planta era puxado por um cabo de um veículo como um guincho.
"Este é definitivamente grande", disse Ryan Willbanks, um dos funcionários de Leblanc.
O diagnóstico inicial do médico não foi bom. O cacto imenso estava inclinado de modo precário, a poucos centímetros do teto de uma garagem. Ele imaginou que sua equipe teria que removê-lo e replantá-lo a alguns metros de distância, provavelmente amputando parte de um braço para que não quebrasse durante o procedimento.
Mas à medida que a manhã avançava, o braço provou ser mais forte do que parecia. Assim que a equipe cavou o suficiente para desenterrar a bola de raízes do cacto, ele provou ser robusto.
O cacto era um "sobrevivente", disse Leblanc. Nenhuma amputação seria necessária e ele logo decidiu que nem o replantio. Bastaria endireitá-lo e estabilizá-lo.
Ele disse que o cacto lhe enviou uma mensagem: ele viu sinais de crescimento.
"Sabe como é, ele poderia ter caído", disse Leblanc, maravilhado com a resistência do saguaro, o rei dos cactos. "Dá para dizer que ele realmente queria ser salvo. Ele está dizendo: 'Ainda me resta mais vida'."
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