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Candidato afro-argentino fictício, Omar Obaca rouba a cena e provoca críticas

Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Frederick Bernas

Em Buenos Aires (Argentina)

23/10/2015 06h00

O período eleitoral na Argentina é prenunciado por imagens de candidatos sorridentes, fitando os eleitores dos outdoors e dos panfletos distribuídos por voluntários zelosos. Muitos nomes são familiares para os eleitores, mas neste ano um rosto desconhecido se materializou repentinamente, atraindo milhões de olhares: Omar Obaca.

“Quem sabe, ele pode vir a ser outro Obama”, disse Laura Buccafusca, 67 anos, uma aposentada bem arrumada que levava seu pequeno cachorro para passear na área de Congreso, refletindo a relativa alta popularidade do presidente americano aqui.

Mas Omar Obaca não tem nenhuma chance de vencer. Na verdade, ele nem mesmo está concorrendo. Ele é um candidato afro-argentino fictício, sonhado por uma agência de publicidade para satirizar a Argentina, e talvez os americanos, a política, e provocar um rebuliço no processo.

A campanha satírica se transformou em sensação na internet, canalizando um palpável desejo por mudança após mais de uma década de governo de uma família –e provocando um forte debate aqui sobre as formas como os negros são retratados em uma sociedade que há muito prioriza seus laços com a Europa.

Os outdoors anunciam uma série online de vídeos que já foram vistos mais de 7 milhões de vezes. Alguns dos episódios mais populares mostram políticas burlescas como “Todos vestidos como policiais” para redução da criminalidade nas ruas; pagar a dívida nacional da Argentina para a China em balas de caramelo; ou manipular a taxa de câmbio do fraco peso argentino a um valor de quatro dólares americanos.

“Obaca é o político que todos os políticos querem ser, mas não podem –porque não têm ideias e não são negros”, disse Sebastián Rodas, um diretor da NAH Contenidos, a agência de publicidade por trás do projeto. “Estamos tirando sarro da ideia de que alguém pode usar sua cor para vender a si mesmo em uma campanha política. Ele tem propostas, mas a primeira coisa é: ‘Sou negro, pareço o Obama. Talvez isso seja bom. Vote em mim!’”

Alguns argentinos de origem africana expressaram empolgação em ver um deles em destaque.

“Isso me dá esperança de ver um afro-descendente como protagonista –esta é a primeira vez que um ator afro tem uma audiência em massa”, disse Paulo da Silva, 27 anos, um ator negro argentino cuja família trocou o Brasil por Buenos Aires quando ele tinha 3 anos. “Para cada 10 papéis que existem para uma pessoa branca, há um para um negro.”

Mas alguns importantes ativistas rebatem que Obaca ressuscita velhos estereótipos. O jornal “Pagina 12” publicou recentemente um duro artigo de opinião acusando a campanha de “recorrer a uma das tradições mais antigas das famílias aristocráticas do passado: o bufão negro”.

Seu autor, Federico Pita, presidente da Diáspora Africana da Argentina, escreveu que a “naturalização do racismo e a supremacia branca” permitiram um personagem que “ridiculariza, estereotipa, estigmatiza” para obter imensa popularidade.

Carlos Álvarez, presidente do grupo chamado Agrupación Xangô, disse que os membros da comunidade impetraram uma queixa junto ao Instituto Nacional Contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo. Ele chamou Obaca de um estereótipo “vulgar” de um “sujeito negro feliz para animar a festa”, um exemplo de “racismo estrutural”.

O ator que interpreta Obaca, Marcos Moreno Martínez, sorri e emana um carisma fácil, falando em gíria local com gestos enfáticos que evocam sua formação teatral.

Ele recebeu um chamado para o que descreveu para “outro teste” em 2010 e foi selecionado instantaneamente para um episódio piloto, gravado na hora. A NAH pretendia produzir a série de Obaca para as eleições de 2011, mas não apareceu nenhum comprador até o canal online “FWTV” se apresentar no ano passado.

Meses depois, Martínez, 38 anos, disse que se sente como um “astro” toda vez que caminha pelas ruas de Buenos Aires, com fluxos constantes de fãs pedindo para tirar selfies ao seu lado.

“Isso nunca deixa de me surpreender”, disse o ator. “As crianças em outras províncias me reconhecem, mesmo quando não estou vestido como Obaca, e dizem: ‘Que gênio, vou votar em você!’”

Ele antes era conhecido por interpretar um preso em “Tumberos”, uma minissérie de sucesso na TV sobre corrupção e a vida na prisão durante os tempos difíceis após a crise financeira da Argentina de 2001.

Isso levou a papéis no cinema e teatro, mas Martínez precisava de uma renda maior. Assim como outros atores em dificuldades, ele trabalhou como taxista por vários anos, antes de vender seu táxi para investir em material para construção de uma pequena casa, que ele agora aluga. Ele vive na cidade provincial de Luján, a aproximadamente 67 quilômetros de Buenos Aires.

“Ninguém nunca me deu nada”, ele disse, lembrando dos anos de cansativas 3 horas de viagem entre sua casa e a capital, onde frequentava aulas de teatro como estudante universitário. Além de atuar, ele toca percussão em uma banda de dança latina e realiza oficinas de música em uma escola de seu bairro.

“Obaca chegou em um momento de muita violência política”, disse Martínez, descrevendo um clima polarizado que gera tensão social.

“As pessoas precisavam rir de um político fictício que promete uma Argentina que não acontecerá”, ele acrescentou. “É por isso que embarcam no sonho Obaca.”

No domingo, as eleições nacionais encerrarão os 12 anos de “kirchnerismo”, o movimento político que leva o nome do falecido presidente Néstor Kirchner, que foi casado –e sucedido– pela atual presidente, Cristina Fernández de Kirchner.

Após conquistar mandatos de quatro anos em 2007 e 2011, ela está constitucionalmente impedida de concorrer a um terceiro mandato consecutivo.

Apesar de alguns na Argentina dizerem que o país está pronto para uma mudança política, a continuidade é esperada. O líder nas pesquisas, Daniel Scioli, é um ex-vice-presidente que serviu como governador da província de Buenos Aires desde 2007 e foi apoiado por Kirchner.

“Nenhum dos candidatos conseguiu gerar uma percepção de algo novo”, disse Philip Kitzberger, um professor de ciência política da Universidade Torcuato Di Tella.

Mas os críticos argumentam que a campanha de Obaca ocorre em detrimento da pequena população negra da Argentina. O censo de 2010 da Argentina relatou que cerca de 150 mil (ou apenas 0,4%) de seus 40 milhões de habitantes se consideram “afrodescendentes” –uma categoria étnica que foi readotada após mais de 130 anos não aparecendo na pesquisa do censo.

Erika Edwards, uma professora assistente de história latino-americana da Universidade da Carolina do Norte, em Charlotte, disse que esse número minúsculo provavelmente é uma subestimação. O primeiro censo da Argentina mostrava que os negros compunham cerca de um terço da população no final do século 18, com a maioria chegando como escravos africanos.

Mas um afluxo imenso de imigração europeia, pedido especificamente pelas primeiras leis argentinas, mudou a demografia do país.

“A miscigenação e a mistura racial eram encorajadas sob o disfarce de ‘blanqueamiento’ –o branqueamento orquestrado da nação”, disse Edwards.

Em meados do século 19, Domingo Faustino Sarmiento, reverenciado como o pai da educação na Argentina moderna, anunciou a “extinção” dos afro-argentinos em um momento em que a comunidade negra ainda publicava seus próprios jornais em Buenos Aires.

Apesar dessas avaliações, afro-argentinos como José Agustín Ferreyra, um prolífico cineasta, e Oscar Alemán, um músico versátil que tocou jazz com Louis Armstrong, ganharam reconhecimento em seus campos. Mas os afro-argentinos ainda dizem que essas realizações são ignoradas.

Lágrimas brilhavam nos olhos de Martínez ao recordar de como cresceu como “o único garoto negro” em Luján, onde chegou com 1 ano da província de Misiones, no norte. Enquanto cursava a faculdade, ele começou a investigar sua herança e a procurar a comunidade negra em Buenos Aires.

A capital agora é lar de uma diversa diáspora africana, incluindo cabo-verdianos que começaram a chegar nos anos 30. Muitos negros de outras partes da América Latina se juntaram a uma onda recente de imigrantes do Oeste da África.

Martínez defendeu seu personagem na campanha Obaca, argumentando que há “coisas muito piores” do que um político negro trajando terno que é amplamente admirado.

“Já me pediram tantas vezes para interpretar delinquentes, ladrões e traficantes de drogas que um dia decidi que nunca mais aceitaria algo assim”, ele disse.